Imposto único fajuto

08 Jan 2007
MARCOS CINTRA Imposto único fajuto A tese do imposto único venceu. Mas, ainda que a filosofia de ação seja correta, a aplicação é equivocada O BRASIL está aderindo à filosofia do imposto único, mas de forma totalmente errada. O governo adotou a unicidade tributária para as micro e pequenas empresas, que representam quase 95% das pessoas jurídicas no país. Trata-se do Supersimples, que, aliás, deveria ser chamado de supercomplicado. Esse sistema unifica impostos federais, estaduais e municipais em uma só base de cálculo e em apenas uma guia de arrecadação. Para as demais empresas, o governo acena com a criação de um "único imposto sobre valor agregado", como reiterou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso de posse, que unificaria o IPI, o ICMS, o ISS, o PIS-Cofins, a CPMF e possivelmente as contribuições previdenciárias ao INSS sobre folha de salários. Como se vê, a tese do imposto único venceu no Brasil. Mas, ainda que a filosofia de ação seja correta, a forma de sua aplicação é equivocada. No Supersimples, a unificação tomará por base de cálculo a receita bruta das empresas; e, no caso do imposto único sobre valor agregado, a base de cálculo será o faturamento. Nas duas situações, a base tributária continuará sendo declaratória, como é hoje. A arrecadação dependerá do faturamento registrado mediante a emissão de nota fiscal. E, como a alíquota deverá ser alta para manter a atual arrecadação, todos os vícios e distorções já verificados em nosso modelo tributário, como a sonegação e a evasão, serão perpetuados e contaminarão o novo modelo simplificado que se pretende implantar. Nesse sentido, por que não dar o passo final na direção de um modelo tributário universal, insonegável, menos iníquo e de mais baixo custo, adotando a movimentação financeira como base de cálculo desses novos modelos unificados e simplificados? A CPMF é um tributo em uso no Brasil há mais de 15 anos, sem nenhuma comprovação de haver causado distorções no funcionamento da economia. Porém os ferrenhos adeptos da ortodoxia e da "sabedoria convencional" (no sentido pejorativo que Galbraith lhe atribuiu) insistem em apontá-la como um tributo a ser eliminado, xingando-lhe de "tributo cumulativo" e de "em cascata". O argumento contra a CPMF é que, por ser cumulativa, altera os preços relativos, causa distorções no processo produtivo e prejudica as exportações. Trata-se de uma discussão antiga, e recomendo aos que desejam tomar conhecimento desse debate que consultem o livro "Tributação no Brasil e o Imposto Único", disponível em www.marcoscintra.org/novo/cadastro/index.asp?tag=tributacao, com especial referência às páginas 169 a 176, e entendam as razões que me levam a acreditar que todas as objeções foram devidamente refutadas. Recentemente, surgiram propostas de transformação da CPMF em um tributo permanente. O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) propôs torná-la definitiva, mas com a redução da alíquota do atual 0,38% para 0,08% num prazo de "dez ou 15 anos". A mesma proposta foi aventada por Fabio Giambiagi, que propõe uma alíquota declinante até chegar a 0,01% em 2010, para detectar indícios de fraudes pela Receita Federal. A intenção de transformar a CPMF em um tributo dedo-duro é mais uma criação incompreensível da tecnocracia brasileira. Afinal, a CPMF nada mais é do que a multiplicação do valor da movimentação bancária pela alíquota de 0,38%. A obrigatoriedade de reportar às autoridades fazendárias o valor dessa conta pode ser replicada de forma absolutamente equivalente simplesmente reportando o volume da própria movimentação bancária, que é a informação relevante para a Receita Federal. Não há, portanto, nenhuma justificativa lógica para a perpetuação da CPMF se o que se deseja é apenas utilizá-la como instrumento de fiscalização. Acredito que a CPMF deva ser utilizada de forma mais nobre, como ponto de partida para fazer uma faxina no sistema tributário brasileiro. Se não for assim, deve ser imediatamente eliminada. A sua convivência com tributos convencionais é incompatível com a filosofia que levou à proposta de sua criação como um imposto único. Ser um imposto a mais contradiz a sua natureza. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org mcintra@marcoscintra.org