Coordenador-Geral aduaneiro da SRF não se conforma com fim da MP 320

08 Jan 2007
Em artigo no jornal O Globo, edição de 4 de janeiro, o coordenador-geral de Administração Aduaneira da Receita Federal, Ronaldo Lázaro Medina, demonstra seu inconformismo com o recuo do governo na Medida Provisória nº 320, de 24/08/2006, que estabelecia novas regras à concessão de portos-secos. O artigo está anexo.O inconformismo fica evidenciado principalmente pela tentativa de disfarçar a queda da MP no Senado. No início do terceiro parágrafo, o coordenador aduaneiro menciona que "(...) foi editada a Medida Provisória 320, de 2006, que previa a criação dos Centros Logísticos e Industriais Aduaneiros (Clia)...." (grifo nosso), e a partir do quarto parágrafo os verbos voltam para o tempo presente e assim vão até o final, como se a MP estivesse em vigor. Também trata assim da portaria SRF nº 969/2006, prejudicada por ter sido editada em função da MP 320.A MP 320 foi retirada pelo governo no dia 13 de dezembro por falta de acordo em razão da resistência dos senadores, alguns deles do próprio governo. Segundo atesta matéria publicada no jornal Gazeta Mercantil em 14 de dezembro (ver anexa), o Unafisco Sindical liderou o movimento de resistência à flexibilização da fiscalização dos portos-secos. A matéria da Gazeta Mercantil diz que "em linha com fiscais da Receita Federal, senadores temem que as novas normas facilitem a sonegação fiscal e o contrabando". Segundo o jornal, os senadores foram contrários à dispensa de licitações para concessão ou permissão para a abertura de portos secos, à terceirização da fiscalização das mercadorias e à flexibilização da escolha da localização de tais centros aduaneiros. Em declaração ao jornal, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), foi direto: “Quanto mais portos-secos melhor, mas não se pode facilitar o contrabando”.Fiscalizar cliente? – Desde a tramitação do PL 6.370/2005 na Câmara dos Deputados, o Unafisco mostrou aos parlamentares que as regras que a Receita Federal previa para os portos-secos, em nome de dar mais "agilidade ao comércio exterior", escancaravam a Aduana brasileira, pondo em risco a segurança da população e a indústria nacional. A MP delegava aos próprios donos dos portos-secos a atribuição de fiscalizar as mercadorias que fossem entrar ou sair do país, comunicando à Receita eventuais irregularidades. Como pode a lei permitir ao depositário "fiscalizar" seu próprio cliente? Com isso, abrir-se-ia uma verdadeira “concorrência pela facilitação”, pois o risco seria a perda do cliente operador de comércio exterior para outro Clia. Além disso, os Clias poderiam funcionar até mesmo sem a presença de fiscalização, pois a MP previa um prazo para a Receita Federal adequar a fiscalização ao Clia criado livremente pelo empresário, após o que o alfandegamento seria feito, com ou sem a presença de fiscais da Receita Federal ou do Ministério da Agricultura e de outros órgãos.CPI – O relatório da CPI do Tráfico de Armas, de autoria do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), divulgado em dezembro, propôs que o governo intensificasse a fiscalização e o controle aduaneiro em portos, aeroportos e travessias de fronteira, para recrudescer o combate ao contrabando e à entrada de armas. Segundo escreve o deputado, "evitar o ingresso de armas e munição contrabandeadas não se constitui em prioridade da Receita. O seu negócio é arrecadar sem prejudicar o comércio de importação e, principalmente, de exportação". Foi o Unafisco Sindical quem alertou os senadores, por meio de conversas e em material escrito, sobre a relação entre as conclusões do relatório da CPI do Tráfico de Armas e os problemas contidos na finada MP 320.Interesses ilegítimos? – O coordenador-geral diz que o denunciado enfraquecimento dos controles aduaneiros advindo da MP 320 seria "uma inverdade assacada por aqueles que demonstram desconhecer os princípios da medida ou que, de alguma forma, têm seus interesses – nem sempre legítimos – colocados em risco". No final do artigo, afirma que "certamente, uma forma mais segura, transparente, impessoal e econômica de fiscalizar contraria muitos interesses setoriais e corporativos no país". Depreende-se do artigo que, segundo Medina, a tal forma "segura, transparente, impessoal e econômica de fiscalizar" (sic) seria a mencionada "cadeia de responsabilidade pessoal de operadores privados mais densa, que permitirá realizar controles mais eficazes e seguros, com maior impessoalidade e transparência, com menores entraves burocráticos, menos vulneráveis à corrupção (sic) e sem obstáculos cartoriais ao crescimento do comércio lícito".Como se vê, são meras digressões não correspondidas pela realidade aduaneira. Porém a desqualificação dos críticos à MP deixa dúvidas sobre a quem foi dirigida e desnuda a precariedade dos argumentos do coordenador. Ao defender que os controles feitos por operadores privados permitiriam tornar a fiscalização menos vulnerável à corrupção, o sr. Ronaldo Medina apenas evidencia a sobrevida do visgo que marcou a administração da SRF nos anos FHC, de triste memória. Projeto de lei – A proposta de mudar a forma de licenciamento dos portos-secos tramitará agora no Senado em forma de projeto de lei. Entretanto, conforme informamos no Boletim de 14/12, pelo acordo feito entre governo e oposição, a proposta deverá contemplar uma das principais preocupações demonstradas pelo Unafisco durante toda a tramitação da MP 320 no Congresso Nacional: não haverá a transferência das atribuições do Estado no que se refere à fiscalização das mercadorias para os empresários, como estava previsto no texto da MP. Isso era um risco à segurança do Brasil, o que demonstramos em encontros com parlamentares do governo, como o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), e da oposição, a exemplo de Heráclito Fortes (PFL-PI) e Sérgio Guerra (PSDB-PE).O Unafisco acredita que, com uma aduana mais inteligente e eficaz, é possível reduzir prazos e a interferência desnecessária durante o fluxo das mercadorias. O Sindicato defende que, no controle aduaneiro, a fiscalização deve ser feita nas mercadorias e não nos estabelecimentos, como pretendia a MP 320. Continuaremos lutando, durante a elaboração do projeto do governo federal, por uma aduana mais forte e que realmente atenda aos interesses da sociedade e do país, e não sirva para “facilitar o comércio internacional” e a atender a interesses privados , ao custo de eclipsar os interesses maiores da sociedade.