Quando o trabalho adoece
Distúrbios psicossomáticos são a segunda causa do afastamento de profissionais. Na maioria dos casos, raiz do problema está em chefes autoritários e até na falta de desafios Que chefe carrasco e trabalho exagerado causam estresse todos sabem, mas poucos imaginam que a tensão pode resultar em doenças no aparelho respiratório ou digestivo. Henrique Gomes* descobriu a relação depois de doses e doses de antibióticos. O webdesigner sofreu com dores na garganta por dois meses. Durante o período, passou por cinco médicos e foi submetido a um número incontável de exames. Começou a se medicar mesmo sem uma confirmação da infecção. Até que decidiu testar um tratamento diferente: tirou férias da chefe autoritária, e as dores desapareceram. De volta ao escritório, o incômodo reapareceu. “Estava cansado dos abusos que sofria. Coloquei o meu currículo no mercado e, quando tive uma resposta afirmativa, pedi minhas contas”, conta. Especialistas avisam que a história de Henrique está longe de ser exceção. Escritório conturbado, falta de perspectivas e desafios, chefes autoritários comprometem o vigor de qualquer funcionário. O problema é que os efeitos do ambiente de trabalho viciado não são diagnosticados com facilidade. “Poucos médicos hoje são capazes de diagnosticar um distúrbio psicossomático desse tipo”, explica o médico do trabalho Francisco Aguiar. Uma doença psicossomática acontece quando a pessoa tem um desequilíbrio emocional que se reflete em sua integridade física. “Normalmente, o médico procura uma causa local para o problema. Quando não acha, receita remédios que na maioria das vezes não surtem efeito”, lamenta Aguiar. Na empresa, os resultados estouram no departamento de recursos humanos. Segundo estudo da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, o clima pesado no ambiente de trabalho não deve ser ignorado. Pelo contrário, o abuso e o assédio moral, e o estresse decorrente deles, resultam em incidência até 50% maior de casos de doença e número de atestados médicos. Henrique colecionou um bolo de licenças até trocar de emprego. “Trabalhei em outras 11 empresas e nunca havia tirado um único atestado”, compara. “Nem mesmo ficar além do expediente me incomodava. O problema era que, quando ela (a chefe) chegava, o clima ficava pesado. Todos temiam ser os próximos da lista negra.” Ranking A preocupação em criar um ambiente de trabalho saudável tem razão de ser. No ranking das enfermidades que mais afastam trabalhadores, as psicossomáticas ocupam a segunda colocação, atrás apenas das doenças osteomoleculares, categoria que acolhe as Lesões por Esforço Repetitivo (LER). Dados de 2005 provam que até 72% dos empregados de algumas empresas sofrem com doenças de escritório”, esclarece Maria Helena da Silva Guthier, procuradora do trabalho. Segundo Ana Cristina Limongi, coordenadora do centro de estudos de doenças ligadas ao trabalho da Universidade de São Paulo, é normal que problemas de saúde apareçam depois de crises de depressão ou estresse. “É como se o corpo perdesse as defesas e a imunidade caísse. Daí, doenças novas ou que já tínhamos antes aparecem” explica a médica. Divino Jorge coleciona uma infinidade dessas “surpresas”. Ele trabalhou 15 dos seus 53 anos em funerárias e por várias vezes não recebeu o salário no final do mês. Quando o contracheque sumiu por um ano, ele mergulhou em uma crise de depressão. “O trabalho em funerárias é triste, mas o que me arrasava era não ter dinheiro para honrar meus compromissos”, relata. Depois desse diagnóstico, Divino começou a desenvolver diversas doenças. Entre as mais graves, diabetes e obstrução pulmonar. Em 2003, passou três meses internado e acabou licenciado pela Previdência Social. Mesmo assim, não foi fácil achar um médico que aceitasse o nexo entre as doenças e o trabalho. “Mas a relação é lógica, a atividade profissional dele o colocou numa posição de estresse e depressão”, avalia o médico do trabalho Francisco Aguiar. (*) Nome fictício Governo lança cartilhaPara conscientizar chefes e empresários dos efeitos das doenças psicossomáticas, o governo federal editou medida provisória que classifica como enfermidades relacionadas ao trabalho aquelas que decorrem da natureza da própria atividade laboral e das condições nas quais a ação profissional é exercida. Antes do lançamento desse documento, doenças como a Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e alguns distúrbios do estresse não eram levados em conta. Para facilitar o entendimento, também foi lançada uma cartilha sobre as mudanças. O governo de Minas Gerais fez publicação parecida. Antes de apontar o ambiente de trabalho como a causa do problema, Cláudio Portella, médico integrante do International Stress Management, alerta que o bom senso deve prevalecer. “O estresse dentro do escritório influencia a saúde das pessoas, mas é preciso saber que o modo de vida adotado por cada um representa pelo menos 50% da qualidade do dia-a-dia”, alerta. Segundo pesquisa realizada pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo, com 400 executivos, a maioria dos empresários cultiva hábitos que comprometem a saúde e os predispõem ao risco de desenvolver doenças graves nos próximos anos. CUIDE-SE Mesmo quando comprovado que a origem da doença está no escritório, nem sempre é possível pedir demissão ou trocar de emprego. Mas dá para mudar de hábitos e adotar medidas que melhorem a saúde. As dicas a seguir são relacionadas aos distúrbios ligados ao estresse · Alimente-se bem. Uma dieta balanceada ajuda a aumentar a qualidade de vida e, indiretamente, previne doenças oportunistas — aquelas que atacam quando o sistema imunológico está debilitado · Tenha um sono repousante. Isso não significa que descansar por oito horas seja o suficiente. Especialistas concordam que um sono bem dormido pode ser menor, desde que tenha qualidade · Busque atividades que tragam prazer tanto dentro quanto fora do ambiente de trabalho. Os hobbies aumentam a qualidade de vida, o que ajuda a encarar melhor o estresse no escritório · Compartilhe as reclamações com alguém, pode ser um amigo ou um psicólogo. Conversar a respeito dos problemas é considerado por especialistas uma das melhores maneiras de achar saídas ou soluções · Mantenha, se possível, relacionamentos saudáveis dentro do escritório. A presença de colegas no ambiente o fará se sentir acolhido e diminuirá a falta de motivação para o trabalho FIQUE DE OLHO Confira o ranking das doenças que mais acometem trabalhadores, segundo levantamentos feitos pelo Instituto Nacional do Seguro Social · 1º Lesões osteomoleculares, como as Lesões por Esforço Repetitivo · 2º Doenças psicossomáticas, como gastrite, alergias, enxaqueca e depressão · 3º Doenças patológicas, como Aids e câncer