Tecnocracia e política
TARSO GENRO/ Ministro das Relações Institucionais A chamada "agenda das reformas", que se iniciou no Brasil durante o governo Collor, vem presidindo os grandes embates políticos do país. Trata-se, na verdade, de um confronto sobre como responder às exigências de adaptação dos Estados nacionais aos novos padrões de acumulação do capitalismo global. Os impulsionadores concretos dessa agenda são, em primeiro lugar, a revolução digital-informática, que reestrutura a produção e os processos do trabalho. E ainda a "necessidade" de precarização das relações de trabalho, instituindo mais insegurança e menos previsibilidade para os "direitos sociais". Tais fenômenos demandam uma profunda "reforma do Estado", para promover mais segurança para os credores da dívida pública e para a garantia dos deslocamentos virtuais e reais do capital financeiro. Que são necessárias "reformas" para implementar um projeto de nação não é uma opção. Sem reestruturar o Estado nacional e mobilizar energias sociais e recursos para integrar-se nesse novo ciclo, qualquer país vai ficar estacionado no meio-fio da História. O problema é definir quais são as reformas e de quem - em cada país concreto - serão exigidos "sacrifícios" para que elas ocorram, sem diluir o país num novo colonialismo econômico e tecnológico. A mera cópia das soluções encontradas nos países centrais é e será um fracasso em países como o nosso. Sem entrar em considerações de ordem mais complexa, pode-se registrar o seguinte: nos países altamente desenvolvidos, as respectivas classes trabalhadoras poderiam perder (e perderam) alguns direitos sociais, porque tinham acumulado muitas conquistas nos últimos 40 anos. A ampla maioria dos assalariados cedeu dentro da democracia, como mostram as vitórias liberais nas eleições dos países desenvolvidos. Os motivos dessa conciliação do mundo do trabalho com o liberalismo radicam não só no reconhecimento da crise fiscal do projeto social-democrata (de curta duração), mas também no "endurecimento" do capital, que passou a não temer a ameaça política do sistema soviético. Em países como o nosso, hoje, além de essas reformas terem de sujeitar-se aos procedimentos democráticos, devem ter âncora social e apoio político. No Brasil, a ampla maioria das classes médias e do mundo do trabalho tem rendimentos precários, comparativamente aos padrões europeus. No entanto, o impulso ao consumo não é "local", é universalizado pela comunicação globalizada: todos são estimulados a terem o mesmo tênis e os mesmos carros. A globalização, para azar dos "donos do mundo", globaliza os desejos, logo, também as demandas sociais. As propostas salvacionistas que exprimem a opinião de boa parte dos setores empresariais só poderiam ser aplicadas num regime autoritário e, ainda assim, com muita comoção social. Na democracia, a vontade deve ser decantada de molde a distribuir sacrifícios para os que têm privilégios a sacrificar.