Impasse na concessão de rodovias amplia debate sobre privatizações

12 Jan 2007
Edital para concessão das rodovias era aguardado para início deste ano, mas ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) anunciou nesta quarta que o governo irá reavaliar a questão; repercussões demonstram que a privatização das rodovias segue polêmica.Antonio Biondi – Carta MaiorSÃO PAULO – A privatização de sete rodovias federais, entre elas a Régis Bittencourt, que liga São Paulo a Curitiba, e a Fernão Dias, entre Belo Horizonte e a capital paulista, está novamente suspensa. Aguardada com expectativa por diversos setores e questionada por outros tantos, a concessão das estradas será reavaliada pelo governo federal. Quem trouxe a notícia a público foi a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Em declaração feita nesta quarta-feira (10), pouco antes de um almoço com membros da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a ministra demonstrou a indefinição do governo Lula quanto ao tema, ao afirmar que “elas (concessões) não serão canceladas. Elas podem sair sob novo modelo. Não sabemos qual. Estamos avaliando”. Além da Régis (BR-116) e da Fernão Dias (BR-381), a 2ª Etapa das Concessões das Rodovias Federais prevê que sejam concedidos trechos da BR-153 (Transbrasiliana), em São Paulo; da BR-116, entre Curitiba e a divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul; da BR-393, da divisa de Minas com Rio até o entroncamento com a Via Dutra; da BR-101, entre a divisa do Rio com o Espírito Santo e a Ponte Rio-Niterói; e um trecho contínuo das BRs-376, 116 e 101, de Curitiba a Florianópolis.Após meses de embates e negociações entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que finalmente haviam chegado a um acordo para publicação do edital das concessões, agora o tema deve ser reavaliado sobretudo no âmbito da Casa Civil, Ministério do Planejamento, ANTT e Ministério dos Transportes. A nova perspectiva apresentada pela ministra Dilma abriu espaço para mais debates sobre a proposta. E os inúmeros setores interessados na questão – que vão das concessionárias de rodovias já privatizadas a pequenos agricultores preocupados com os custos que os pedágios podem trazer para a produção nas respectivas regiões, passando por associações patronais, transportadoras, comerciantes e turistas – começaram imediatamente a se manifestar.DesencontroComo o governo não deixou claro o que pretende fazer efetivamente com as rodovias, uma série de explicações, análises e apostas tomou conta das páginas dos grandes jornais paulistas, refletindo também os vários interesses envolvidos. O Estado de S. Paulo, por exemplo, noticiou em sua capa nesta quinta-feira (11) que “Dilma diz que pedágio barato é a prioridade”. Já o Valor Econômico trouxe a manchete de que “Lula suspende licitações por temer cartéis nas rodovias”, registrando a seguir que uma fonte do Palácio do Planalto “comentou” não ver “nenhum clima para, nessa área de rodovias, haver uma recaída ideológica”.A Folha de S. Paulo foi menos incisiva e colocou em uma das notícias de sua capa desta quinta que “União decide suspender a privatização de rodovias”, explicando no texto que a ministra Dilma “afirmou que pretende analisar a taxa de retorno do investimento”, uma vez que “com as sucessivas quedas nos juros, o valor dessa taxa, que influi diretamente na tarifa dos pedágios, precisa ser revisto”.Lucros e custosA iniciativa do governo foi recebida de formas bastante distintas no setor privado. O fluminense O Globo publicou duas páginas sobre a decisão, anunciando em uma de suas matérias que “Companhias privadas criticam a suspensão”. Entre as críticas de entidades do setor privado, o presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC), Geraldo Vianna, registrou que, em rodovias em que o governo federal chegou a instalar pedágios e fazer a cobrança, “a experiência mostra que eles, decididamente, não são bons gestores desses recursos”. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, destacou que a licitação corria o risco de fracassar, e que o cálculo da tarifa ainda é “um nó que precisa ser desatado”. Ao longo de 2006, os lucros que seriam auferidos pelas empresas concessionárias – e por conseqüência a tarifa cobrada nos pedágios – foi o centro nervoso do embate entre os órgãos governamentais que travou o processo de entrega das rodovias ao setor privado. No Paraná, Estado em que seriam concedidos diversos trechos de rodovias, com proporcional instalação de praças de pedágios, a decisão foi muito bem recebida por alguns setores. A Agência Estadual de Notícias do governo local trouxe quatro matérias sobre o tema, sendo que a série era aberta com o texto “Comércio do litoral comemora a suspensão de pedágio na BR-376”. Mesmo sem apresentar matérias que registrassem influência direta de Requião – sabidamente contrário às privatizações das rodovias – no processo, por tabela a agência registrou em mais de um texto essa perspectiva. Na matéria “Fórum Popular contra o Pedágio quer ampliar discussão sobre concessões”, a agência de notícias reportou que o anúncio feito pela ministra-chefe da Casa Civil nesta quarta foi classificado como uma “vitória da sociedade paranaense e, sobretudo, do governador Requião” pela entidade. Segundo o texto, “o Fórum quer ampliar a discussão e cobrar a aplicação dos impostos” nas estradas.Já na matéria “Transportadores destacam suspensão do pedágio”, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Paraná (Setcepar), Fernando Klein Nunes, relatou que “nos reunimos por diversas vezes com o governador Roberto Requião e com deputados para que atuassem junto à União para reverter esse processo” e que “estamos satisfeitos com a suspensão da licitação”. Papel do EstadoOutro debate vital gerado pela decisão do governo federal diz respeito ao papel que o Estado deve cumprir no setor de infra-estrutura. A matéria “Ala estatizante ganha força, dizem analistas” publicada nesta quinta pelo Estadão demonstra bem como a mesma questão pode ser avaliada por formas quase que antagônicas. No texto, o jornal ressaltou que “o possível fortalecimento dos grupos menos liberais dentro do governo Lula pode se tornar um problema”, na visão do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. “É um mau sinal para a economia e para o país porque demonstra que setores estatizantes do PT conseguiram se sobressair diante de outros, mais modernos”, avaliou Maílson. Para ele, “o fim das concessões está ligado a uma questão de marketing político e o temor, a meu ver infundado, de que o presidente Lula sofra algum desgaste com a privatização das estradas”. Já Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) afirmou ao Estado que a decisão anunciada por Dilma pode se traduzir em algo positivo para o país. O jornal destacou que “a área de infra-estrutura – incluindo rodovias –, é uma daquelas em que o Estado precisa ter presença mais forte” no entender de Carneiro, para quem “as concessões criam monopólios, uma vez que não fica assegurada a concorrência”. A dificuldade em se definir um modelo para a administração das rodovias federais que contemple as análises e interesses envolvidos ainda é um desafio a ser superado pelo País – mas que certamente tem trazido enormes prejuízos para todos os setores, favoráveis ou contrários às concessões. Os primeiros documentos voltados à realização da concessão das sete rodovias foram elaborados ainda em 2000, mas nem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nem o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiram superar o impasse que cerca a proposta de entrega das estradas à iniciativa privada durante 25 anos – um negócio que envolve cerca de R$ 20 bilhões em investimentos e cifras ainda mais expressivas no que diz respeito aos lucros previstos.A reportagem de Carta Maior buscou entrevistar representantes de diversas entidades sobre o tema, sem sucesso, contudo. Foi o caso da NTC, cujo presidente não pôde conceder entrevista por se encontrar em férias. A assessoria de imprensa da Confederação Nacional do Transporte(CNT) explicou que, por se tratar de um tema ainda obscuro, não haveria como algum diretor apresentar uma posição definitiva da entidade. Até o fechamento da matéria, também não havíamos obtido o retorno do representante do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Santa Catarina e da Federação Nacional dos Engenheiros, Carlos Abraham.Já no campo do governo federal, a assessoria de imprensa da ANTT informou que a agência não irá se manifestar sobre a decisão, e que o órgão é responsável somente pela parte técnica das concessões. A assessoria do Ministério dos Transportes reiterou à reportagem que o governo está avaliando o tema ainda e que não há decisão alguma a ser apresentada, uma vez que os vários órgãos federais envolvidos estão em diálogo, negociando e avaliando qual será o encaminhamento. A assessoria da pasta afirmou que, tão logo haja alguma definição, será devidamente divulgada, mas que não há certeza sobre em que prazo a decisão sairá – dias, semanas ou meses. Por fim, até o fechamento do texto, nenhum representante da Casa Civil havia retornado aos pedidos da reportagem por uma entrevista.As últimas declarações sobre o assunto dadas nesta quarta pela ministra-chefe da Casa Civil reforçam o suspense sobre o que será realmente feito: “queremos que a iniciativa privada participe, que tenha PPP (parceria público-privada). Temos por objetivo a menor tarifa possível, ou seja, aquela tarifa que garantir retorno adequado para o construtor seja capaz de também viabilizar setores produtivos como os consumidores”, disse ela. “Não temos menor problema que a iniciativa privada assuma a construção de estradas, desde que haja preços competitivos”, concluiu.