Impasse na concessão de rodovias amplia debate sobre privatizações
Edital para concessão das rodovias era aguardado para início deste ano, mas ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) anunciou nesta quarta que o governo irá reavaliar a questão; repercussões demonstram que a privatização das rodovias segue polêmica.Antonio Biondi – Carta MaiorSÃO PAULO – A privatização de sete rodovias federais, entre elas a Régis Bittencourt, que liga São Paulo a Curitiba, e a Fernão Dias, entre Belo Horizonte e a capital paulista, está novamente suspensa. Aguardada com expectativa por diversos setores e questionada por outros tantos, a concessão das estradas será reavaliada pelo governo federal. Quem trouxe a notícia a público foi a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Em declaração feita nesta quarta-feira (10), pouco antes de um almoço com membros da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a ministra demonstrou a indefinição do governo Lula quanto ao tema, ao afirmar que “elas (concessões) não serão canceladas. Elas podem sair sob novo modelo. Não sabemos qual. Estamos avaliando”. Além da Régis (BR-116) e da Fernão Dias (BR-381), a 2ª Etapa das Concessões das Rodovias Federais prevê que sejam concedidos trechos da BR-153 (Transbrasiliana), em São Paulo; da BR-116, entre Curitiba e a divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul; da BR-393, da divisa de Minas com Rio até o entroncamento com a Via Dutra; da BR-101, entre a divisa do Rio com o Espírito Santo e a Ponte Rio-Niterói; e um trecho contínuo das BRs-376, 116 e 101, de Curitiba a Florianópolis.Após meses de embates e negociações entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que finalmente haviam chegado a um acordo para publicação do edital das concessões, agora o tema deve ser reavaliado sobretudo no âmbito da Casa Civil, Ministério do Planejamento, ANTT e Ministério dos Transportes. A nova perspectiva apresentada pela ministra Dilma abriu espaço para mais debates sobre a proposta. E os inúmeros setores interessados na questão – que vão das concessionárias de rodovias já privatizadas a pequenos agricultores preocupados com os custos que os pedágios podem trazer para a produção nas respectivas regiões, passando por associações patronais, transportadoras, comerciantes e turistas – começaram imediatamente a se manifestar.DesencontroComo o governo não deixou claro o que pretende fazer efetivamente com as rodovias, uma série de explicações, análises e apostas tomou conta das páginas dos grandes jornais paulistas, refletindo também os vários interesses envolvidos. O Estado de S. Paulo, por exemplo, noticiou em sua capa nesta quinta-feira (11) que “Dilma diz que pedágio barato é a prioridade”. Já o Valor Econômico trouxe a manchete de que “Lula suspende licitações por temer cartéis nas rodovias”, registrando a seguir que uma fonte do Palácio do Planalto “comentou” não ver “nenhum clima para, nessa área de rodovias, haver uma recaída ideológica”.A Folha de S. Paulo foi menos incisiva e colocou em uma das notícias de sua capa desta quinta que “União decide suspender a privatização de rodovias”, explicando no texto que a ministra Dilma “afirmou que pretende analisar a taxa de retorno do investimento”, uma vez que “com as sucessivas quedas nos juros, o valor dessa taxa, que influi diretamente na tarifa dos pedágios, precisa ser revisto”.Lucros e custosA iniciativa do governo foi recebida de formas bastante distintas no setor privado. O fluminense O Globo publicou duas páginas sobre a decisão, anunciando em uma de suas matérias que “Companhias privadas criticam a suspensão”. Entre as críticas de entidades do setor privado, o presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC), Geraldo Vianna, registrou que, em rodovias em que o governo federal chegou a instalar pedágios e fazer a cobrança, “a experiência mostra que eles, decididamente, não são bons gestores desses recursos”. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, destacou que a licitação corria o risco de fracassar, e que o cálculo da tarifa ainda é “um nó que precisa ser desatado”. Ao longo de 2006, os lucros que seriam auferidos pelas empresas concessionárias – e por conseqüência a tarifa cobrada nos pedágios – foi o centro nervoso do embate entre os órgãos governamentais que travou o processo de entrega das rodovias ao setor privado. No Paraná, Estado em que seriam concedidos diversos trechos de rodovias, com proporcional instalação de praças de pedágios, a decisão foi muito bem recebida por alguns setores. A Agência Estadual de Notícias do governo local trouxe quatro matérias sobre o tema, sendo que a série era aberta com o texto “Comércio do litoral comemora a suspensão de pedágio na BR-376”. Mesmo sem apresentar matérias que registrassem influência direta de Requião – sabidamente contrário às privatizações das rodovias – no processo, por tabela a agência registrou em mais de um texto essa perspectiva. Na matéria “Fórum Popular contra o Pedágio quer ampliar discussão sobre concessões”, a agência de notícias reportou que o anúncio feito pela ministra-chefe da Casa Civil nesta quarta foi classificado como uma “vitória da sociedade paranaense e, sobretudo, do governador Requião” pela entidade. Segundo o texto, “o Fórum quer ampliar a discussão e cobrar a aplicação dos impostos” nas estradas.Já na matéria “Transportadores destacam suspensão do pedágio”, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Paraná (Setcepar), Fernando Klein Nunes, relatou que “nos reunimos por diversas vezes com o governador Roberto Requião e com deputados para que atuassem junto à União para reverter esse processo” e que “estamos satisfeitos com a suspensão da licitação”. Papel do EstadoOutro debate vital gerado pela decisão do governo federal diz respeito ao papel que o Estado deve cumprir no setor de infra-estrutura. A matéria “Ala estatizante ganha força, dizem analistas” publicada nesta quinta pelo Estadão demonstra bem como a mesma questão pode ser avaliada por formas quase que antagônicas. No texto, o jornal ressaltou que “o possível fortalecimento dos grupos menos liberais dentro do governo Lula pode se tornar um problema”, na visão do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega. “É um mau sinal para a economia e para o país porque demonstra que setores estatizantes do PT conseguiram se sobressair diante de outros, mais modernos”, avaliou Maílson. Para ele, “o fim das concessões está ligado a uma questão de marketing político e o temor, a meu ver infundado, de que o presidente Lula sofra algum desgaste com a privatização das estradas”. Já Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) afirmou ao Estado que a decisão anunciada por Dilma pode se traduzir em algo positivo para o país. O jornal destacou que “a área de infra-estrutura – incluindo rodovias –, é uma daquelas em que o Estado precisa ter presença mais forte” no entender de Carneiro, para quem “as concessões criam monopólios, uma vez que não fica assegurada a concorrência”. A dificuldade em se definir um modelo para a administração das rodovias federais que contemple as análises e interesses envolvidos ainda é um desafio a ser superado pelo País – mas que certamente tem trazido enormes prejuízos para todos os setores, favoráveis ou contrários às concessões. Os primeiros documentos voltados à realização da concessão das sete rodovias foram elaborados ainda em 2000, mas nem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nem o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiram superar o impasse que cerca a proposta de entrega das estradas à iniciativa privada durante 25 anos – um negócio que envolve cerca de R$ 20 bilhões em investimentos e cifras ainda mais expressivas no que diz respeito aos lucros previstos.A reportagem de Carta Maior buscou entrevistar representantes de diversas entidades sobre o tema, sem sucesso, contudo. Foi o caso da NTC, cujo presidente não pôde conceder entrevista por se encontrar em férias. A assessoria de imprensa da Confederação Nacional do Transporte(CNT) explicou que, por se tratar de um tema ainda obscuro, não haveria como algum diretor apresentar uma posição definitiva da entidade. Até o fechamento da matéria, também não havíamos obtido o retorno do representante do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Santa Catarina e da Federação Nacional dos Engenheiros, Carlos Abraham.Já no campo do governo federal, a assessoria de imprensa da ANTT informou que a agência não irá se manifestar sobre a decisão, e que o órgão é responsável somente pela parte técnica das concessões. A assessoria do Ministério dos Transportes reiterou à reportagem que o governo está avaliando o tema ainda e que não há decisão alguma a ser apresentada, uma vez que os vários órgãos federais envolvidos estão em diálogo, negociando e avaliando qual será o encaminhamento. A assessoria da pasta afirmou que, tão logo haja alguma definição, será devidamente divulgada, mas que não há certeza sobre em que prazo a decisão sairá – dias, semanas ou meses. Por fim, até o fechamento do texto, nenhum representante da Casa Civil havia retornado aos pedidos da reportagem por uma entrevista.As últimas declarações sobre o assunto dadas nesta quarta pela ministra-chefe da Casa Civil reforçam o suspense sobre o que será realmente feito: “queremos que a iniciativa privada participe, que tenha PPP (parceria público-privada). Temos por objetivo a menor tarifa possível, ou seja, aquela tarifa que garantir retorno adequado para o construtor seja capaz de também viabilizar setores produtivos como os consumidores”, disse ela. “Não temos menor problema que a iniciativa privada assuma a construção de estradas, desde que haja preços competitivos”, concluiu.