Dívida federal com o mercado cresce R$ 470 bi no governo Lula

19 Jan 2007
Juros altos fizeram dívida em títulos públicos aumentar 75% desde 2002 e subir para 52% do PIB. Neste ano, conta vai ficar pelo menos R$ 136 bilhões mais cara. Para economistas, governo continua refém do mercado.André Barrocal – Carta MaiorBRASÍLIA – A dívida do governo federal com o chamado “mercado”, negociada na forma de “títulos públicos”, teve, segundo o próprio ministério da Fazenda, um “forte” aumento no primeiro mandato do presidente Lula, devido à persistência de taxas de juros elevadas, ainda que declinantes. De dezembro de 2002 a dezembro de 2006, subiu R$ 470 bilhões. O salto de 75% empurrou-a para R$ 1,093 trilhão e aumentou o peso dela nas riquezas geradas pela economia brasileira durante um ano. A dívida mordia 46% do produto interno bruto (PIB) em 2002, agora comeu 52% do PIB estimado pelo governo para 2006.Só no ano passado, a dívida cresceu R$ 113 bilhões, apesar da redução do juro do Banco Central (BC) - que tem impacto direto e indireto no endividamento - ao longo dos doze meses, e de 2006 ter sido um período favorável, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, repartição da Fazenda que administra a conta. Nesta quarta-feira (17), o Tesouro avisou que a dívida subirá de novo em 2007 - R$ 136 bilhões, no mínimo; mas pode chegar a R$ 206 bilhões.O Coordenador-Geral da Dívida Pública, Ronnie Tavares, admite que houve “incremento nominal relativamente forte da dívida” entre 2002 e 2006, em conseqüência dos juros. Ao divulgar os números nesta quarta-feira (17), disse que o endividamento aumentará sempre que o governo não tiver dinheiro suficiente para pagar todo volume de juros. Sem quitá-los, precisa fazer dívida nova, pedindo emprestado ao mesmo “mercado” credor da dívida velha.Neste ano, de acordo com o orçamento, o governo federal separou R$ 89 bilhões do que arrecadar com tributos para pagar juros da dívida (superávit primário). Mas a conta total dos juros vinculados aos títulos públicos será de R$ 103 bilhões.Para a presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política, Leda Paulani, a dívida “exige que o juro caia”. O raciocínio é o seguinte: o “mercado” justifica a cobrança de juro elevado, sem o qual boicotaria a rolagem da dívida, argumentando, entre outras coisas, que haveria risco de calote em função do tamanho da fatura. Só que juro alto mantém a dívida grande e alimenta a “ameaça” de calote.Ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal, Roberto Piscitelli concorda com a avaliação. “O acréscimo de endividamento se dá por razões autônomas, por um juro desnecessariamente elevado”, disse Piscitelli.Apesar de ter patrocinado uma expansão de R$ 470 bilhões da dívida, o governo Lula dá sinais de que está disposto a contê-la reduzindo os juros. Especialmente depois da troca de Antonio Palocci por Guido Mantega no ministério da Fazenda. Palocci queria controlar a dívida cortando gastos, ou seja, pagando quantias maiores de juros aos credores. Mas a idéia foi não só barrada por Mantega, como o governo fará o oposto. Na prática, vai diminuir os pagamentos, ampliando um certo tipo de investimento (PPI). (Ver também: Salário mínimo de R$ 380 é confirmado; pacote fica para 2007Enquanto reduz as quantias pagas de juros, o governo espera que a taxa do Banco Central (BC) continue em queda, o que ajuda segurar a dívida. A chamada Selic corrige diretamente cerca de um terço da dívida federal em títulos e tem influência indireta todo o restante.O problema, segundo os economistas que entendem que a dívida atrapalha o país, está na velocidade com que o governo baixa os juros e no tamanho da queda. “As condições para redução dos juros nunca foram tão favoráveis, mas se passou para o chamado ‘mercado’ um determinado tipo de comportamento que, se mudar abruptamente, pode haver conseqüências desastrosas”, afirmou Leda.O ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, que deixou o cargo em dezembro, admitiu, certa vez, que o governo é refém do “mercado” e da hipótese de “conseqüências desastrosas”. Ao ser perguntado sobre o motivo de o governo não empurrar títulos com juros mais baixos, respondeu: “Temos responsabilidade com o futuro do País. [Forçar] Onera mais as gerações futuras.”O poder do “mercado” evidencia-se, segundo alguns economistas, mesmo em situações positivas. De 2002 a 2006, o Tesouro diminuiu o peso da dívida ligada do juro do BC, substituindo-a por títulos com juros conhecidos de antemão (prefixados). Mas foi obrigado a pagar um preço. “O ‘mercado’ abriu mão de títulos indexados à Selic para ficar com prefixados com taxas mais maiores. O ‘mercado’ sempre ganha, sempre domina a situação, o Tesouro não tem poder nenhum”, afirmou o economista especializado em política fiscal Francisco Lopreato, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, a força do “mercado” ajuda a entender porque o juro do BC caiu durante todo o ano de 2006, e mesmo assim a dívida cresceu.Para tentar construir alguma autonomia em relação aos limites do “mercado”, o Tesouro traçou uma estratégia de longo prazo de gestão da dívida, cujas linhas gerais também foram anunciadas nesta quarta-feira (17) (Ver também: Estudo do Tesouro traça estratégia para os próximos dez anos). O objetivo principal é tornar a gestão da dívida mais barata e menos arriscada para o país. “Países com melhor gestão de dívida tem estratégias de longo prazo. Não é só ir atrás do que o mercado está sinalizando”, disse o Coordenador-Geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública, Otávio Ladeira de Medeiros.