Para políticos, sociedade civil contribui mais com agenda própria
Como ocorre desde o I Fórum Social Mundial, representantes de partidos, movimentos sociais e governos debatem, em Nairobi, proximidades e distâncias de suas respectivas agendas. Maurício Hashizume – Carta MaiorNAIROBI (QUÊNIA) – Não há Fórum Social Mundial em que a relação entre governos, partidos políticos e movimentos sociais não seja objeto de intensas discussões. Não foi diferente no VII Fórum Social Mundial. E uma das mesas mais concorridas que tratou do assunto reuniu o deputado do Parlamento Europeu Harlen Desir, do Partido Socialista francês, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil, Luiz Dulci, e a vice-ministra de Relações Exteriores da Itália, Patrizia Sentinelli. Desir identificou a existência de um espaço que permite que partidos, governos e movimentos sociais possam trabalhar juntos, especialmente no enfrentamento de uma agenda imposta por outros segmentos. “Nessa relação estão presentes duas diferentes culturas: a ‘cultura da contestação’ dos movimentos sociais e a ‘cultura de governo’”, definiu. Para ele, nenhum dos dois lados pode deixar de exercitar a sua respectiva cultura. “Se ambos forem mantidos com convicção e clareza, abre-se espaço para a ‘cultura da transformação’. O governo precisa dos movimentos sociais para promover mudanças”. Na mesma linha, Dulci reforçou a importância da construção de uma agenda própria da sociedade civil. “Essa agenda não é necessariamente melhor ou pior que a agenda dos partidos ou de governos de esquerda. É uma agenda diferente. Os movimentos sociais contribuem mais com os governos quando mantêm as suas agendas”, disse. O ministro chegou a citar uma experiência regional vivida pelo próprio PT em que os governantes adotaram a agenda dos movimentos. “Houve um enfraquecimento dos movimentos sociais e o governo não foi fortalecido”.A dialética entre movimentos sociais e governos de esquerda é, nas palavras de Dulci, às vezes complementar e às vezes tensa. “Essa é a relação mais criativa”, afirmou o ministro. “Cabe a nós do governo criar estrutura do Estado para que a agenda da sociedade civil possa se reforçar”. As 40 conferências realizadas nos últimos quatro anos que reuniram um total de cerca de dois milhões de pessoas foram apresentadas pelo ministro como exemplo prático do esforço do governo brasileiro neste sentido. Tambám está colocada a tarefa, nas palavras da vice-ministra de Relações Exteriores da Itália, Patrizia Sentinelli, de combater arduamente a concepção de que tudo que vem da sociedade é necessariamente “conflito social”. Ela propõe ainda a multiplicação de “programas de cooperação” que funcionariam como canais de comunicação entre governos dos países ricos e organizações da sociedade civil de países pobres, como forma de controle e avaliação mais detalhadas e criteriosas de convênios.“Os partidos de esquerda precisam respeitar ativamente a independência do Fórum Social Mundial”, aconselhou Dulci. Mesmo as interpelações e questionamentos do FSM aos governos, avalia Dulci, podem ser sofridos, mas também podem ser transformadores. “E o Fórum pode e deve, a seu modo, inteferir em questões multilaterais”, continuou o ministro, destacando especificamente questões como a reforma da ONU (ler também: "Reforma da ONU: uma antiga agenda que permanece urgente" ) e as negociações comerciais da OMC. O FSM, na concepção de Dulci, foi e continua sendo uma “inovação política”, com resultados sociais, culturais e políticos. “Não estou de acordo com a idéia de que o Forum proporcionou reflexão, mas não produziu resultados concretos”, ajuizou. “O Fórum produziu e produzirá resultados mais profundos se mantiver a sua radical originalidade de conteúdo e forma. Inclusive o que alguns consideram falta de organização, decorrente da estrutura em mosaico, é uma riqueza essencial”. A falta de um programa político – que precisa ser cobrado de partidos e de governos - tampouco é o problema do FSM, calculou o ministro. “Talvez o problema esteja mais na falta de radicalidade do aprofundamento da sua propria vocação de mosaico social, político e espiritual”, completou. “O Fórum Social Mundial precisa continuar sendo cada vez mais Fórum Social Mundial”.PartidosPresente em outro evento mais focado no tema dos partidos realizado na última segunda-feira (22), o deputado do Movimento V República (MVR) condenou o “falso antagonismo” existente entre partidos políticos e movimentos sociais. “Na última reunião do Foro de São Paulo, que reúne partidos de esquerda da América Latina, esse tema já foi discutido. Está clara a pertinência de unir os trabalhos dos movimentos sociais com o dos partidos políticos. Hoje temos partidos que atendem a necessidades históricas que inclusive nasceram dos movimentos”, salientou.Na Bolívia, acrescentou Hugo Fernandez, da Unitas, o movimento indígena campones se organizou para isolar o modelo de “República sem benefícios” que marcara a historia do pais. O Movimento Al Socialismo (MAS) optou por se organizar não tanto nos Parlamentos, mas nas ruas. “Na Bolívia, os movimentos estão em primeiro lugar”. Uma das reivindicações da sociedade civil indiana é a definição de uma cota de um terço das vagas do Parlamento para integrantes da sociedade civil, discorreu Balkishan Rao, do Janatadal Socialista.Representante do PT no debate, Carlos Henrique Árabe definiu o principal desafio do partido do reeleito presidente Lula: viabilizar um movimento mais longo e contínuo de mudança que possa dar continuidade à mobilização da sociedade brasileira experimentada no período eleitoral – resultante do receio por retrocessos e da diferenciação programática simbolizadas em temas como as privatizações e a política externa. Segundo ele, apenas um movimento amplo e contínuo como o que derrubou a ditadura militar poderá fazer frente à dominação que ainda vigora dos setores refratários a mudanças.