O déficit da previdência
Luiz Nassif Já que se vai criar um Fórum da Previdência Social para discutir o déficit e a reforma necessária, o primeiro passo é conceituar adequadamente o que é esse tal do déficit. Ministro da Previdência Social, Nelson Machado se sente incomodado quando vê analistas falando em déficits de R$ 40 bilhões no ano, sem conceituar o que consideram déficit. Em geral, pegam a receita exclusivamente previdenciária (aquele decorrente da contribuição de empregados e empregadores), pegam a despesa e chegam aos R$ 40 bi. Nelson decidiu analisar o que é efetivamente despesa da Previdência. Dentro dela, separar a Urbana, da Rural (que não é contributiva). Mesmo dentro do setor urbano, existe um conjunto de renúncias fiscais que podem ser meritórias, mas nada tem a ver com a política previdenciária. Por exemplo, a renúncia fiscal do Simples é equivalente a R$ 5 bilhões. Os funcionários das empresas beneficiadas contribuirão com a parcela deles; o empregador fica isento dos 20%. Mas, na hora da aposentadoria, os funcionários terão os mesmos direitos daqueles em que a contribuição foi integral. Não significa que se deva abolir a renúncia fiscal do Simples. Mas que se tem que contabilizar adequadamente o valor, que é renúncia fiscal da União, não da Previdência. O mesmo ocorre com isenções às entidades filantrópicas, ou o Prouni (o programa de bolsa às universidades privadas) que pela primeira vez organizou uma obrigação que não era fiscalizada. O custo da renúncia é de R$ 2 bi. É meritório, mas é política de educação, não da Previdência. A mudança de cálculo contábil não afetará em nada as contas públicas. Sempre que a Previdência registra um déficit, o Tesouro é obrigado a cobrir e o valor entra na rubrica “encargos financeiros da União”. Politicamente, muda tudo. Na conta ajustada, fica assim: 1. Pelas contas dos cabeções, o déficit da Previdência urbana é de R$ 13,5 bi (dados de 2006). Se incluir CPMF (pouca coisa) e descontar as renúncias fiscais, cai para R$ 3,8 bi. 2. Os cabeções estimam em R$ 28,6 bi o déficit da Previdência rural. Descontando as renúncias fiscais e incluindo a CPMF, cai para R$ 18,5 bi. E leve-se em conta que trata-se de política social, não de política Previdenciária, já que não houve a contrapartida das contribuições. Ou seja, graças a uma manipulação contábil, os cabeções conseguiram aumentar o déficit em R$ 20 bi. E se tirar da conta a Previdência rural (que é política social) cai para R$ 4 bi. Todos esses números são conhecidos, e constam das notas explicativas quando a Lei Orçamentária é enviada ao Congresso. Ao jogar o custo dessas isenções na conta da Previdência – como o economista Fábio Giambiagi faz de maneira intencionalmente incorreta, ignorando as notas explicativas – joga-se nas costas dos aposentados e trabalhadores não apenas a conta dos desajustes normais, como das benesses fiscais do Estado. É manipulação política barata, com o auxílio da planilha. Com R$ 4 bi, o Ministério tem condições de definir uma meta efetiva de zerar o déficit atual. No longo prazo, outros ajustes terão que ser feitos, são inevitáveis. Mas, politicamente, a discussão começará em cima de uma base honesta. Prova de força A divisão do mercado em relação à redução da taxa Selic, a própria divisão do Copom (Comitê de Política Monetária), com três votos a favor de uma queda de 0,5 ponto percentual é a comprovação de que a redução do ritmo de queda da taxa para 0,25 ponto foi uma demonstração política de força. Só se justificaria atropelar assim as expectativas criadas pelo PAC se houvesse evidências fortes de volta da inflação. Quem manda É bobagem supor que Lula tem alguma influência sobre a atual diretoria do BC. Quando terminar seu mandato, não será Lula quem garantirá seu emprego, mas o mercado financeiro. Praticamente todos os ex-diretores do BC trabalham para o mercado. Como esperar desses quadros uma atitude contra seus futuros empregadores? Essa “terceirização” da política econômica começou com Marcílio Marques Moreira. Reações Na imprensa escrita, a reação contra a decisão do BC ocupou mais espaço que a despesa. É mais um sinal de que o PAC introduziu um elemento novo no manual de cobertura. Agora, as implicações dos juros do BC sobre o desenvolvimento se tornaram muito mais transparentes. Lula não se mexia em relação ao BC para não enfrentar críticas de mercado. Ao não mexer, levará muito mais tiros da outra ponta. Governo Alckmin De todas as secretarias do governo Alckmin, a que mais assustou a nova equipe de José Serra foram as práticas da Secretaria dos Transportes. A da Educação já tinha assustado, mas a secretária que substituiu o delfim Gabriel Chalitta já tinha começado a colocar as coisas nos eixos. De uma maneira geral, a visão que se tem é que os controles internos estavam tão desarrumados quanto os da prefeitura de Martha Suplicy. Zona Franca Está tramitando no Congresso projeto de lei de autoria do senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE) que institui quatorze zonas francas em todo o país. É temerário. Permite vender parte da produção internamente, permite que receba containners fechados, sem passar pela fiscalização da Receita. Repete a tentativa de José Sarney, de anos atrás, instituir várias ZF no norte. Está tendo tramitação rápida.Fazenda e BC As explicações do Ministro da Fazenda Guido Mantega, de que não pressionou o BC na cerimônia de apresentação do PAC é patética. Todos os presentes perceberam que era brincadeira. Mas as críticas posteriores, e a necessidade do desmentido, mostram o nível de sacralização do BC. É como se Mantega tivesse brincado com a Virgem Maria ou com algum símbolo religioso nacional. Não há limites para esse ridículo.