Para evitar clientes pobres, bancos preferem até perder dinheiro

31 Jan 2007
Reconhecido pelo Nobel como promotor de paz, microcrédito sofre boicote do sistema financeiro brasileiro. Bancos sonegam mais de 40% do que lei manda emprestar. Apesar disso, crédito no país está no maior nível desde 1996.André Barrocal – Carta MaiorBRASÍLIA – O microcrédito, empréstimo de pequeno valor e juro baixo para pessoas pobres, foi reconhecido mundialmente no ano passado como um importante instrumento de promoção da paz, pois leva esperança ao desalento – por exemplo: alguém que, desanimado pelo desemprego, decide tentar sobreviver sozinho, montando uma barraca de cachorro quente. A idéia valeu o Prêmio Nobel da Paz a seu autor, Muhammad Yunus, economista de Bangladesh, e ao banco que ele fundou em 1983 para trabalhar só neste ramo, o Grameen. No Brasil, a atividade começou em 2004, quando uma lei estabeleceu as regras. Depois de mais de dois anos, contudo, constata-se que os bancos estão pouco dispostos a colaborar para a paz que, diz o Nobel, o microcrédito proporciona. E mais: eles preferem até perder dinheiro, a correr atrás de uma clientela carente.Da criação do microcrédito a dezembro de 2006, as instituições financeiras recusaram-se a emprestar 45% de tudo aquilo que estavam obrigadas. Em cifras, negaram R$ 782 milhões em crédito aos pobres, com quem poderiam ter lucrado cobrando juro de 27% a 60% ao ano. Em vez disso, acharam melhor mandar a bolada ao Banco Central (BC), onde o dinheiro descansa sem ganho para as instituições.A opção de deixar os recursos no BC, em vez de emprestá-los, é autorizada pela legislação do microcrédito, de autoria da equipe econômica do governo federal. A norma determina que, de cada R$ 100 que as instituições arrumam em depósitos, R$ 2 devem virar microcrédito. Quem desobedece, sofre punição. Mas o castigo não se reverte em favor do objetivo do microcrédito, que é irrigar bolsos raquíticos. Os bancos são forçados a entregar o dinheiro ao BC, para que não usem em outras finalidades, como especular com a dívida do governo no “mercado”.Pela legislação vigente, as instituições deveriam ter direcionado R$ 1,7 bilhão à baixa renda desde o início do microcrédito. Mas dados divulgados pelo BC nesta segunda-feira (29) revelam que apenas R$ 979 milhões foram emprestados de fato.O BC disse que ainda não tem condições de oferecer uma explicação definitiva para a preferência dos bancos de perder dinheiro, em vez de mergulhar no microcrédito. Mas arrisca um palpite: despreparo. “Talvez os bancos precisem de estruturas maiores para trabalhar nesta área”, afirmou o diretor do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.O desinteresse do sistema financeiro existe desde o surgimento do microcrédito. Os bancos reclamam que os limites de juros são rasteiros demais para pagar o custo de caçar e manter clientes de baixa renda. Admitem que não estão acostumados a trabalhar com o segmento. E alegam que o risco de calote seria grande, pela falta de garantias dos tomadores (bens, emprego estável). São queixas contra o próprio espírito do microcrédito – oportunidade de crédito a quem está alijado do sistema tradicional.No Brasil, a atividade beneficia desde pessoas que recebem Bolsa Família até trabalhadores que tocam um negócio próprio com faturamento máximo de R$ 5 mil mensais. A partir de novembro do ano passado, os empréstimos foram limitados a R$ 3 mil para pessoas físicas e a R$ 10 mil para empresas. Até então, os tetos eram de R$ 1,5 mil e R$ 5 mil, respectivamente.Volume geral de créditoSe os dados divulgados pelo BC sobre microcrédito desanima, o mesmo não ocorre com os relativos à evolução do crédito em geral. Em dezembro, o total de empréstimos bancários somava de 34% das riquezas que o BC estima que foram geradas pela economia em 2006. É o índice mais alto desde abril de 1996, embora ainda distante de patamares internacionais e para que a economia brasileira cresça mais do nos últimos anos. No lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu a importância da expansão do crédito para o crescimento do país e que o volume ainda é pequeno no país. Mas afirmou também que o financiamento aumentou “consideravelmente”. Em dezembro de 2002, os empréstimos representavam 24% das riquezas nacionais.Segundo a equipe econômica, o crédito ganhou fôlego com a redução dos juros, processo que atraiu contratos de pessoas físicas e empresas. O principal combustível para a elevação dos empréstimos foi o crédito com prestações descontadas do salário dos trabalhadores, o chamado consignado. Por ter risco de calote quase zero, o consignado possui juro menor que empréstimos tradicionais. Segundo o BC, ele já injetou R$ 48 bilhões no mercado.