PAC coloca a Previdência em jogo

01 Fev 2007
Correio Braziliense Carlos André Soares Nogueira Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical) Existe uma contradição no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que merece a atenção dos brasileiros. Ao mesmo tempo em que cria um fórum de debates para propor aperfeiçoamento do modelo previdenciário — ou quem sabe uma reforma da Previdência —, o programa inclui o projeto de lei, em fase final de tramitação na Câmara dos Deputados, que cria a Receita Federal do Brasil. Também proposta pelo governo, a Receita Federal do Brasil ataca profundamente o sistema previdenciário brasileiro ao unir a Secretaria da Receita Previdenciária com a da Receita Federal, estabelecendo, inclusive, alterações questionáveis que colocam em risco cada um dos contribuintes do Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS. Se aprovada a fusão dos fiscos, a União passa a ser a dona do crédito tributário do INSS. E, sendo receita da União, haverá a queda da garantia, assegurada na Constituição de 1988, de que o dinheiro da Previdência tenha um destino definido e certo: a aposentadoria do trabalhador. Os efeitos provocados pela mudança jurídica — recursos do INSS no mesmo bolo dos recursos da União — vão mais longe. Haverá a possibilidade de compensação automática das contribuições previdenciárias com tributos administrados pela Receita Federal. Caberá também a transformação imediata dos processos de pedidos de compensação que hoje existem na Receita Previdenciária em simples declarações de compensação. Vale destacar que o mecanismo de compensação automática criado pela Lei 10.637/2002 é hoje fonte de fraudes que, somadas, podem chegar a dezenas de bilhões de reais. O projeto de lei que funde a Receita Federal com a Receita Previdenciária também prevê a apropriação, pela União, de parte do patrimônio imobiliário do INSS. Só que esse patrimônio também não é da União, sendo reserva destinada a atender no futuro aos direitos dos associados da Previdência. Os discursos em defesa da proposta apelam ao senso comum de que a fusão das principais máquinas arrecadadoras da nação poderia trazer maior eficiência à arrecadação, à fiscalização e ao controle do crédito tributário. Só que a atuação coordenada dos dois órgãos é hoje perfeitamente possível. Há um decreto em vigor, o de número 5.644/05, que, colocado em prática, promove a integração almejada. Então não é disso que trata o projeto apelidado de Super-Receita. Ele cria uma superestrutura que vai concentrar mais de 70% dos tributos recolhidos da sociedade para sustentar o Estado brasileiro. Além de maior dificuldade de transparência, há outro aspecto também importante: a proposta visa a beneficiar ainda mais o capital financeiro e a previdência privada; também limita as ações de fiscalização do Estado e cria uma verdadeira zona de sonegação segura. O efeito imediato da fusão dos dois órgãos deve ser um “apagão organizacional”, uma vez que, por falta de planejamento e de estudos — admitido publicamente pelo secretário-adjunto da Receita Federal — há grande possibilidade de haver reversão no quadro de crescimento da arrecadação. A administração tributária terá que dedicar longo período na busca de soluções para conflitos estruturais, ajustamento de diferenças culturais e de procedimentos dos servidores dos fiscos, pois teremos a repetição da Torre de Babel registrada nos escritos sagrados — todos com as melhores intenções querendo chegar aos céus, ao melhor dos mundos, mas cada qual falando uma língua diferente, sem entendimento algum. Como se vê, não apenas os aspectos ligados ao FGTS do trabalhador devem ser motivo de preocupação das centrais sindicais com o PAC. Os recursos destinados à Previdência Social também estão em xeque nesse programa. Acreditamos que a sociedade quer participar da elaboração de propostas de melhoria do modelo previdenciário, como proposto pelo PAC. Um debate amplo entre trabalhadores, aposentados, pensionistas, empregadores e governo é um caminho que pode chegar ao modelo de Previdência ideal para os brasileiros, modelo este que, com certeza, não passa pela fusão com a Receita Federal. Mas um questionamento fica no ar: o Fórum Nacional da Previdência é pra valer ou será tratado como o decreto presidencial que, em 2005, estabeleceu a atuação integrada dos dois órgãos do fisco, mas que o próprio governo não se empenhou em fazer cumprir.