Em ascensão, esquerda latino-americana quer superar ´etapa neoliberal´

08 Fev 2007
Rede de mais de 100 partidos e movimentos de esquerda de América do Sul e Caribe foi criada no auge neoliberal. Agora, com vários governos sob seu comando, integrantes definem ações concretas, como criação de escola e observatório eleitoral.Jonas Valente – Carta MaiorSÃO PAULO – A América Latina foi uma das regiões que mais sofreu na pele os efeitos da ofensiva neoliberal iniciada na década de 90. No entanto, e em reação ao flagelo deste processo, nos últimos cinco anos esta etapa do capitalismo vem passando por uma série de crises de hegemonia, exemplificada pela eleição de diversos governos de esquerda e centro-esquerda em países como Venezuela, Bolívia, Brasil, Argentina e, mais recentemente, Equador e Nicarágua. Se há uma avaliação mais ou menos consensual de que aquela etapa anterior perdeu força, não há, porém, uma compreensão fechada ou clara do que está nascendo em seu lugar.Entender este processo é uma das principais tarefas definidas pelo Foro de São Paulo em seu encontro anual, realizado entre 12 e 17 de janeiro, em El Salvador. As resoluções da reunião foram divulgadas nesta terça-feira (6) em São Paulo pelos secretários de relações internacionais do PT, Valter Pomar, e do PC do B, José Reinaldo de Carvalho. O Foro congrega mais de 100 partidos e movimentos de esquerda na América do Sul e Caribe e foi criado em 1990 em uma conjuntura difícil para a esquerda, marcada pela ascensão do neoliberalismo e pela falência do mundo socialista. Segundo o documento final do encontro do Foro, em que o neoliberalismo é apontado como doutrina hegemônica do mundo imposta pelos centros do poder global, “o enfrentamento em ascenso dos povos à sua seqüela de concentração da riqueza e massificação da exclusão social favorece uma acumulação de forças sem precedentes por parte da esquerda latino-americana”. Na avaliação de Valter Pomar, um dos desafios é delinear o resultado deste movimento. “A hegemonia dos EUA está passando, mas o que é o tal pós-neoliberalismo?”, questiona. Para José Reinaldo de Carvalho, apesar das vitórias sucessivas da esquerda na região, hoje predomina um conjunto de governos intermediários, com grande heterogeneidade e alcance curto em termo de ações.É na análise dos processos que reside um dos caminhos para clarear as possibilidades e caminhos da América Latina. Nessa abordagem, ganha importância e complexidade a compreensão dos casos venezuelano e boliviano pela sua aparente vanguarda na radicalidade entre os governos vizinhos. “Há um descompasso entre a expectativa que processos como Venezuela e Bolívia criam e o que se dá efetivamente no interior destes”, aponta Pomar. A nação comandada por Chávez tende a estar no centro das discussões pelo autoproclamado socialismo do século XXI. Uma das razões é o seu conteúdo, ainda um enigma a ser decifrado. “Dá para chamar de socialismo? Acho que não é. Pode ser o intuito, mas não é o que está em curso”, avaliou o secretário do PT. Já José Reinaldo Carvalho apresentou postura mais crédula em relação àquele país. “Temos que olhar o processo venezuelano dentro da sua especificidade e apostar que o povo de lá irá encontrar uma saída para seus problemas”, afirmou. Estreitar laçosOutro desafio na pauta do Foro é a sua forma de atuação. Na virada dos anos 90 para o novo século, a rede passou por períodos de turbulência, no qual houve irregularidade na realização dos seus encontros anuais, e até mesmo questionamento de parte de seus integrantes sobre a necessidade da sua existência. “Há um desafio de dar utilidade prática ao Foro. O que se pode fazer em termos de campanhas?”, refletiu Pomar. Se o encontro do Foro não deu resposta a esta pergunta, pelo menos buscou apontar para iniciativas mais concretas de cooperação. Foram definidas a construção de um observatório eleitoral, a organização de um festival político e cultural e a criação de uma escola de formação política para os partidos e movimentos que integram a rede. Para José Reinaldo de Carvalho, o foro não deve ser uma organização, mas manter seu caráter de rede apostando nas convergências. “Foro não pode ser uma internacional [organização de partidos comunistas e socialistas], não pode ter centro único, não pode ter maioria se impondo à minoria. Tem que ter habilidade para buscar consensos, ir naquilo que nos une e não no que nos separa”, defendeu. A resolução do encontro aponta para este caminho, destacando que o avanço do combate ao neoliberalismo só avançará a partir de uma “ação articulada e uma relação respeitosa e complementar entre os partidos, movimentos e coalizões políticas de esquerda e da diversidade de organizações e movimentos populares e sociais” no intuito de construir uma “frente ampla de luta que integre a todos os setores populares e democráticos afetados pelas políticas do modelo dominante”.Fotos: http://www.marxismo.info/