Super Receita: Câmara pode aprovar lei que inibe combate ao trabalho escravo

12 Fev 2007
Emenda do projeto de lei pode impedir que auditores fiscais do trabalho apliquem multas quando encontrarem trabalhadores em situação análoga à escravidão. Iberê Thenório, especial para a Carta Maior* SÃO PAULO - Está prevista para a próxima segunda-feira (12), na Câmara dos Deputados, a votação de uma lei que pode inviabilizar as ações do Ministério do Trabalho e Emprego no combate ao trabalho escravo. O projeto de lei nº 6.272/05, que cria a "Super Receita", contém uma emenda impedindo auditores fiscais do trabalho de reconhecerem vínculos de emprego entre patrões e empregados. A emenda prevê que apenas a Justiça do Trabalho estaria autorizada a dizer se uma pessoa é ou não empregada da outra. Na prática, a nova lei inviabiliza fiscalizações do MTE nos casos de trabalho escravo. Caso uma equipe de funcionários públicos encontre trabalhadores sem carteira assinada dentro de uma fazenda, o empregador pode simplesmente dizer que as pessoas dali não têm vínculo com ele. E só caberia à Justiça do Trabalho, caso algum empregado entrasse com uma ação judicial, definir quem tem razão, o empregador ou a equipe de fiscalização. Os auditores estariam impossibilitados de aplicar autos de infração, que hoje são um dos instrumentos mais importantes no combate à escravidão. "Se o combate ao trabalho escravo tem tido esse sucesso, é porque o fiscal pode aplicar na hora as multas do empregador", afirma Rosa Campos Jorge, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. Em nota divulgada nesta quinta-feira (8), o sindicato afirma que a emenda também pode prejudicar a repressão às falsas cooperativas e à terceirização irregular nas empresas, além da fiscalização rural. Para a chefe da Secretaria de Inspeção do Trabalho, Ruth Vilela, está havendo uma confusão entre poderes diferentes, pois a emenda transfere prerrogativas dos auditores fiscais à Justiça do Trabalho. "Quando há um conflito entre o empregador e o empregado, é a Justiça que resolve o conflito. Mas quando não há o conflito, é o auditor fiscal que entra em ação." E há mais um problema. A Justiça do Trabalho só reconheceria os vínculos caso o trabalhador entrasse com uma ação contra o empregador. Considerando o temor que muitos desses trabalhadores sentem de seus patrões na região de fronteira agrícola - devido à violência e ao desrespeito com que muitos são tratados - dificilmente um deles entraria com um processo contra o patrão. Em boletim divulgado à imprensa, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), afirma que a emenda, além de prejudicar a fiscalização do trabalho, atrapalharia o Judiciário: "Para a Anamatra, a proposta pode agravar a morosidade da Justiça do Trabalho". A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) também se manifestou contra o trecho da nova lei. A entidade divulgou uma nota pública classificando a mudança como uma "afronta" aos trabalhadores. "Isso é uma tentativa de flexibilização dos direitos trabalhistas", adverte o presidente da ANPT, Sebastião Vieira Caixeta. "Milhares de trabalhadores serão prejudicados, o que poderá acarretar, inclusive, o amento de condições degradantes no campo", prevê. Pressão externa A emenda que pode prejudicar o combate ao trabalho escravo foi proposta pelo ex-senador Ney Suassuna (PMDB-PB), quando o projeto de lei da "Super Receita" ainda tramitava no Senado. Na época, o próprio gabinete do senador afirmou que a emenda foi proposta atendendo a pedido de empresas de comunicação. Para se isentar do pagamento de encargos trabalhistas, essas empresas costumam utilizar serviços de jornalistas colaboradores na forma de pessoas jurídicas. Insatisfeitas com a atuação dos auditores do trabalho, elas estariam pressionando para que o vínculo possa ser reconhecido apenas pela Justiça. "O lobby das empresas de comunicação está muito forte", afirma a presidente do Sinait. O relator do projeto de lei na Câmara, deputado Pedro Novais (PMDB-MA), emitiu parecer favorável à emenda. Em sua justificativa, ele afirma que "nos países mais avançados, a legislação trabalhista é quase sempre extremamente liberal". Em seu relatório, o deputado defende a contratação de empregados na forma de pessoas jurídicas: "o Estado não pode substituir a vontade do profissional que se lança ao mercado de trabalho sob o guarda-chuva de empresa individual. Cabe a ele, e não à fiscalização estatal, emitir juízo de valor a respeito", afirma o parecer de Pedro Novais. O projeto da "Super Receita" tramita na Câmara em regime de urgência e, se for aprovado, apenas o presidente Lula pode barrar a emenda por meio de veto. *Iberê Thenório é membro da ONG Repórter Brasil.