Fiscalização ou inquisição?

13 Mar 2007
Pedro Anan Jr* Temos observado nos últimos tempos a Secretaria da Receita Federal anunciar esporadicamente que tem aumentado o nível de arrecadação contra os contribuintes. O que não é veiculado de maneira clara, é como esses resultados estão sendo obtidos, tenho constatado que grande número de autuações fiscais contra os contribuintes, que geram esse resultado, não tem mero fundamento ou procedimento legal, o que resulta em um acúmulo cada vez maior de processos administrativos ou judiciais a serem julgados pelos tribunais competentes, que em muitos casos após a devida apreciação do órgão julgador o resultado é a favor dos contribuintes, o que demonstra que a máquina administrativa foi movida indevidamente. Quem acaba perdendo com tudo isso? É o próprio contribuinte que no final é quem acaba pagando a conta, de uma administração tributária mal conduzida. Mas o que gera tais autuações fiscais absurdas? Uma das causas é a falta de preparo dos agentes de fiscalização, uma vez que basta ter um diploma universitário, e passar no concurso público, para a pessoa ser nomeada auditor fiscal. Ou seja um enfermeiro, agrimensor, ou biólogo, pode desde que passando no concurso público vir a ser agente de fiscalização. E a pergunta que se faz é: será que esse auditor tem as competências, habilidades e experiências necessárias para auditar/fiscalizar um contribuinte de maneira adequada? A resposta infelizmente é não! É sabido que a nossa legislação tributária é extremamente complexa, pois temos tributos de competência da União, dos estados e dos municípios, e conhecer todos os seus detalhes é uma tarefa complexa. Até para um bacharel em direito a missão de conhecer todos essas normas legais não é fácil, pois envolve além do conhecimento jurídico, conhecimento em contabilidade, economia, finanças e administração. Desta forma, o resultado é o que estamos vendo, autuações absurdas e em valores irreais, onde na maioria das vezes o contribuinte agiu de maneira legítima e de boa-fé, e tem que provar que estava correto. Em muitos casos a autoridade fiscal, mesmo constatando que o contribuinte está correto, autua assim mesmo, como se estivesse sendo obrigado a fazê-lo, tendo que cumprir uma ordem superior que determinasse que ele aja dessa forma, e o contribuinte que busque a proteção de seus direitos perante o Poder Judiciário, o que a meu ver é um contra-senso. O pior de tudo isso, são os agentes fiscais não conhecedores da matéria, autuarem sem embasamento nenhum, pois interpretam e arbitram a lei da maneira que bem entendem, não dando oportunidade ao contribuinte de explicar ou corrigir, o que está incorreto. Sendo que a principal função de uma autoridade fiscal seria o de orientar o contribuinte e por último autuá-lo, caso seja necessário, mas somente em última hipótese. Está havendo em realidade uma inversão de valores, semelhante ao que ocorreu na Idade Média, quando da inquisição, onde as pessoas eram julgadas, torturadas ou espoliadas, sem o devido processo legal, bastava simplesmente alguém denunciar que a pessoa já era investigadaorturada pelos inquisidores, para confessar algo que ela nunca tinha cometido. O que estamos vendo na prática, com as fiscalizações que vem ocorrendo, é muito semelhante ao que havia na inquisição, onde em alguns casos contribuinte já é julgado pela autoridade fiscal, antes mesmo de provar a sua inocência. Tendo que percorrer um longo caminho no processo administrativo ou judicial para provar que estava agindo de maneira correta, o que gera transtorno irreparáveis para o mesmo. No caso do processo administrativo, temos observado um esvaziamento nas competências e poderes dos julgadores que compõem o conselho de contribuintes. Na última nomeações dos conselheiros, houveram membros do conse-lho que julgavam a favor dos contribuintes e não tiveram o seu mandato renovado. O pior disso é a proposta de mudança do regimento interno que está tramitando que altera de maneira significativa a composição do conselho. Isso fere os direitos e garantias constitucionais dos contribuintes, pois quem deve julgar e interpretar corretamente a lei é só o Poder Judiciário. Cabendo a fiscalização somente a tarefa de orientar e aplicar a lei, nunca interpretá-la. As autoridades fiscais devem se preocupar sim com os maus contribuintes e não com os que agem de boa-fé, caso contrário, isso resultaria em grandes prejuízos para a Nação como um todo. kicker: Em alguns casos, o contribuinte já é julgado pela autoridade fiscal, antes mesmo de provar sua inocência Pedro Anan Jr. - Advogado especialista em direito empresarial pela PUC/SP e MBA/Controller pela FEA/USP, membro da Quarta Câmara do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, professor em direito tributário pela APET/SP.