Editorial - Derrubar o veto

22 Mar 2007
A crônica da emenda nº3, feita ao projeto de criação da Super-Receita, caminha para um desfecho em que os grupos de interesse que atuam em Brasília a favor da manutenção da arcaica legislação trabalhista, e defensores do inchaço dos rentáveis cartórios existentes no mundo sindical, empurrarão o governo para um choque com o Congresso e várias categorias profissionais.Na verdade, o veto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôs à emenda, na sexta-feira, é resultado de uma aliança entre essas forças, preocupadas em manter e, se possível, inflar o recolhimento do imposto sindical — que incide cartorialmente sobre a renda do assalariado — e o furor tributário da Receita, interessada, como sempre, em ampliar a arrecadação, nem que seja pelo aumento da carga de impostos.Taxar profissionais que se organizam como pessoas jurídicas, os PJs, equiparando-as às pessoas físicas, é o objetivo da Receita, apoiada por sindicatos, numa flagrante ilegalidade. A emenda no3 apenas foi apresentada — e aprovada por todos os senadores e 304 deputados — para reafirmar, na criação da Super-Receita, dispositivos de lei já existentes, pelos quais não cabe ao fiscal do erário deliberar sobre o vínculo empregatício e de trabalho entre prestadores de serviço e empresas contratantes. Apenas a Justiça pode decidir conflitos dessa natureza.A própria Constituição, no seu artigo 114, estabelece esta norma, repetida pelo Código Civil, no artigo 50. Também a lei 11.196, de 2005, derivada da MP do Bem, e sancionada pelo próprio Lula, reforça que os PJs só podem ser tributados com base nas regras estabelecidas para as pessoas jurídicas. Se dúvidas houver por parte da fiscalização, que ela recorra à Justiça, como manda a Constituição. Está em curso, portanto, além de um descalabro legal, algo kafkiano: o Congresso aprova uma emenda, que é vetada pelo presidente, embora ela repita um dispositivo constitucional, esteja baseada no Código Civil e numa lei pelo próprio Lula sancionada e que se originou de uma MP do Executivo. Um show de incongruências.Mas, pelo que se informa, o governo promete, em troca do veto, enviar ao Congresso um projeto de lei que tentará esclarecer melhor o papel da fiscalização. Seria uma forma de atender aos apelos das diversas entidades que se mobilizam na defesa da preservação de limites estabelecidos em lei ao fiscal da Receita.Se assim for, haverá um desfecho positivo. Caso contrário, não restará ao Congresso a não ser derrubar o veto. Em nome da Constituição, da segurança jurídica de milhares de empregos e da modernização do mercado de trabalho.