Fusão dos fiscos consolida atual modelo de tributação regressiva
No painel O Pacote da Administração Tributária: Fusão dos Fiscos, ProPessoas e Portos-Secos. Alternativas Para uma Administrativa Tributária a Serviço do Interesse Público, do Seminário A Receita Federal e o Interesse Público, na tarde de sexta-feira (23/03) em Campinas, dois administradores da Receita Federal debateram, rapidamente, com os colegas sobre a fusão dos Fiscos e o ProPessoas. Nas apresentações, os AFRFs Marcos Noronha, coordenador da transição da fusão dos Fiscos, e Expedito José de Vasconcelos Gonçalves, gerente nacional do ProPessoas, deram a versão da administração superior da SRF para a criação da Receita Federal do Brasil e para a implantação do ProPessoas (Programa Integral de Gestão de Pessoas). O colega Marcos Noronha iniciou sua fala reconhecendo que palestrava pela primeira vez sobre a fusão dos Fiscos em um evento do Unafisco. Ele fez um rápido histórico do surgimento da Previdência Social e do seguro social no Brasil, listando os impostos com os quais Secretaria de Receita Previdenciária e a SRF trabalham e com os quais a Receita Federal do Brasil trabalhará. O coordenador da transição, sem dar mais detalhes, afirmou que os Fiscos foram fundidos na Inglaterra, Holanda, Suécia, México, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Bulgária, Finlândia e Croácia. Ignorou, porém, dados como o do fiasco que a fusão causou na Argentina, vizinho brasileiro que está passando por nova reforma da Previdência. Depois de rápido retrospecto da tramitação do projeto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, Marcos Noronha disse que, organizacionalmente, a Receita Federal do Brasil começará a operar no dia 2 de maio. “Tudo será feito gradualmente. Organizacionalmente, nós estaremos unificados em 2 de maio, mas, em termos físicos, teremos uma unificação gradual”, disse, lembrando que a Receita Federal do Brasil manterá os órgãos regionais e não terá duplicidade de delegacias, por exemplo, numa mesma localidade. O novo órgão terá, segundo o chefe da transição, 32 mil servidores, sendo 22 mil da atual SRF e 10 mil da SRP, em números arredondados. Haverá transferência gradual da dívida ativa previdenciária para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Segundo Marcos Noronha, a estrutura central “será enxugada” no que for possível. Em 2007, a previsão de arrecadação da RFB é de R$ 550 bilhões. Marcos Noronha afirmou que os recursos da receita previdenciária, elogiada por ele em sua “gestão de riscos”, serão destinados “exclusivamente para o pagamento de benefícios”. Entre as supostas vantagens da fusão dos Fiscos, o coordenador da transição destaca a redução de custos para o Executivo e um tratamento de “excelência” aos contribuintes. Ele não apresentou, no entanto, dados que comprovem essa possível economia para a União. O presidente do Unafisco, Carlos André Soares Nogueira, lembrou que o modelo de maximização da arrecadação e da redução dos custos da máquina tributária não resultará, se houver, necessariamente em eficiência. Tributos sobre faturamento – “Lembro do que me falou o colega Dão Real quando discutíamos esse modelo de maximização da arrecadação e redução dos custos da máquina tributária. Dão dizia que esse índice de relacionar a arrecadação maximizada com os custos da redução deve-se ao fato de a Receita Federal não conseguir ser eficaz para implantar um sistema tributário justo para sociedade, assim, ela apela para um modelo tributário regressivo com base nas contribuições que incidem sobre o faturamento, o que resultou em um aumento de carga tributária indireta nos últimos dez anos de 110%. É, portanto, um índice de ineficácia da administração tributária”, ponderou Carlos André. Em sua fala, Marcos Noronha usou vários termos comuns na iniciativa privada, o que se repetiu na participação do coordenador do Propessoas, criado sob inspiração da Fundação Getúlio Vargas. Falou em “armadilhas culturais” e “no papel do líder” no processo da transição, onde reconheceu as falhas na comunicação dentro da Receita Federal. “Por mais que a gente disponibilize as informações, muita gente não recebe”, disse. O coordenador da transição disse que a fusão tem por objetivo “a reorganização da administração tributária federal”, na qual se busca também “o fortalecimento da Previdência Social”, para que se preste “melhor serviço público” ao contribuinte. Citou, inclusive, a possibilidade de se acabar com as filas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e que a RFB passará a administrar, literalmente, a arrecadação. “É um caminho sem volta. Não dá para acreditar em separação”, arrematou Noronha, admitindo que SRF e SRP têm culturas completamente diferentes. O colega evitou polemizar quanto à constitucionalidade da Receita Federal do Brasil, contestada desde a tramitação da MP 258/2005 pelo Unafisco e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. “A área jurídica tratará no momento oportuno", esquivou-se. ProPessoas – Outro programa que impõe à Receita Federal a lógica da iniciativa privada é o ProPessoas. Nas palavras de seu coordenador, denominado gerente do ProPessoas, tenta-se levar à nossa casa o sistema gerencial de carreira, tal qual existe hoje em empresas de telefonia, bancos, grandes magazines, etc. Ao abrir sua fala, Expedito Gonçalves disse que não iria “discutir os fundamentos nem o início do Propessoas”. Ele fez um panorama de como os administradores chegaram à idéia do programa, mas em momento algum, como anunciou na abertura de sua participação, falou do conceito do programa, que entendemos que impõe a um órgão público mecanismos típicos do ramo empresarial. Segundo o gerente do Propessoas, o programa, na sua “opção central”, "trata da modelagem da política de gestão de pessoas na SRF”. Isso a partir do que o gerente chamou de “eixos estruturantes”. Estabelecido pela Portaria 1.100, assinada pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, o Propessoas investe numa suposta reorganização da SRF. Nele, continua Expedito Gonçalves, haverá projetos ordenadores, estruturação do plano de carreira de todos os servidores da Receita Federal, a Lei Orgânica, além de “mapeamento da competência” do corpo funcional do órgão e de uma série de estudos técnicos e afirmativos. O coordenador do Propessoas fez questão de frisar que o programa ainda estaria em gestação. Ou seja, ainda poderia receber a colaboração dos servidores. Negou que houvesse uma determinação, como chegou a divulgar um administrador da 8ª Região Fiscal, da não participação de sindicalistas no processo. “A partir do momento em que 97,5% dos auditores são sindicalizados, de certa forma, o sindicato está presente. Gostaria que tivesse mais presente. Todos os trabalhos serão colocados à disposição dos grupos de trabalho. O sindicato pode incentivar os colegas a se candidatar. Não posso obrigar ninguém”, afirmou o gerente do Propessoas. Embora não tenha explicado porque a cúpula da SRF nunca se pronunciou quanto ao Plano de Carreira dos AFRFs, aprovado pela categoria em todas as suas instâncias, ainda no início de 2004, Expedito Gonçalves disse que levará em consideração as sugestões do Sindicato. Ele acredita que o Propessoas poderá resolver problemas históricos do órgão como a lotação ideal e os concursos de remoção. "É uma oportunidade ímpar para se pensar o que ocorre na casa”, disse. “Todas as categorias poderão se juntar e fazer uma propostas como é o caso da LOA (destaque-se que chamou o projeto previsto de “LOA” e não de “LOF”, pois de fato trata-se da previsão de uma lei orgânica das auditorias federais – no caso da RFB incluiria os técnicos – e não dos fiscais ou da fiscalização) ou dos concursos de remoção. O Propessoas é uma construção coletiva de todos os servidores da Receita Federal, não é da administração da Receita Federal”, discursou. Em toda sua fala, percebeu-se uma preocupação de destacar o “trabalho hercúleo” do ProPessoas, mais do que de discutir em si os conceitos embutidos no programa, além de caracterizar o programa como “técnico” – apesar do fato de que abre a discussão de atribuições entre várias carreiras e aponta a própria redefinição das carreiras, além de indicar a concentração de poder em uma chamada carreira gerencial. O gato, o labirinto e a caverna – O AFRF Alberto Amadei disse que o tema do painel foi feliz ao classificar a criação da RFB, que ele chama de ajuntamento dos Fiscos, o Propessoas e a nova política que administração quer para a aduana de facilitação do comércio exterior de Pacote da Administração Tributária. “Temos o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e o PAD”, observou. Alberto Amadei ressaltou que todos andam muito preocupados na Receita Federal com a fusão em andamento. “Lembro do sermão de Padre Antônio Vieira em que ele começava dizendo que há dias que há muita luz e dias com muita sombra. Estamos enfrentando uma situação em que há um pouco de sombra”, comparou. O colega inclui a idéia da criação da “Super-Receita” no rol da crítica do formalismo que, segundo ele, tenta adaptar modismos vigentes (no caso o processo de fusão de outros países) em realidades tão distintas quanto as do Brasil e da Finlândia. O colega lembrou também que a grande conclusão do Seminário Internacional de Previdência Social, realizado em São Paulo em 2006, era de que a fusão era – e é – inconstitucional. Para explicitar melhor aos administradores presentes ao debate como está o grau de tensão dos AFRFs com a extinção de suas carreiras e as incertezas jurídicas que pesarão sobre nossos ombros, Alberto Amadei citou A Caverna, de Platão, e Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. “Para definir a condição humana, Platão não encontrou nada melhor que a idéia de os prisioneiros no fundo de caverna. Para eles, só havia uma saída, deixar a caverna ou ficar no escuro. Nesta saída, vou para Lewis Carroll em Alice no País das Maravilhas na figura do gato. O sujeito estava perdido no labirinto e se depara com o gato. Onde fica a saída? O gato responde, depende para onde você queira ir. É essa situação que nos encontramos com a angústia do Executivo e a angústia da organização que não sabe o que vai acontecer amanhã”, comparou Alberto Amadei. Ele reforçou aos representantes da administração da SRF a perplexidade instalada em todas as unidades Brasil afora com a aprovação da fusão dos Fiscos. “É como se o tema tivesse sido colocado em público ontem à noite”, destacou, dado o grau de inquietação e de rejeição dos colegas à idéia do ajuntamento dos Fiscos. Em nome do INSS – O presidente da DEN, Carlos André Soares Nogueira, reafirmou o que havia dito na abertura do seminário: a categoria passa pelo momento mais delicado da carreira nos últimos trinta anos, posição essa confirmada pelos colegas aposentados presentes, como o ex-presidente do Unafisco, Fernando Marsillac. “Há uma grande rejeição dos colegas à fusão dos Fiscos em todo o Brasil. A consciência sobre o projeto e sua rejeição cresceram muito na categoria. A fusão não é um projeto de reestruturação da administração tributária federal. É uma reestruturação administrativa”, avalia Carlos André. Não bastasse acabar com nossa carreira, o projeto avança sobre a Constituição Federal, entre outros pontos ao retirar a expressão, do capítulo dedicado à Seguridade Social, que dizia “em nome do INSS”. Ao transferir toda a arrecadação tributária para a Secretaria da Receita Federal do Brasil, a fusão retira a titularidade do crédito tributário do INSS. “A fusão é um grande projeto de concentração de poder. Concentra toda arrecadação da União em um único órgão, retirando a parte que cabe ao INSS. Veio para consolidar, aprofundar, um modelo de tributação, de Estado e de administração tributária”, afirma Carlos André. Com essa opção pela tributação regressiva, o Executivo deixou de valorizar o trabalho dos AFRFs, uma vez que conseguiu duplicar sua arrecadação com a tributação fácil, baseada no consumo e distante das grandes fortunas e lucros dos bancos e do mercado financeiro. “O que permitiu esse crescimento nos dois governos [FHC e Lula], sem valorizar os AFRFs na mesma medida, foram os mesmos mecanismos da arrecadação perversa que a fusão veio para consolidar”, observou o presidente do Unafisco. Em resposta a um colega que perguntou quando o Sindicato entraria na discussão da fusão dos Fiscos (durante toda a tramitação, a administração não discutiu o projeto com a sociedade), o coordenador da transição leu uma carta do SRF Jorge Rachid, enviada via Notes, na qual Rachid informava que a fusão terá início em 2 de maio, pedia o esforço de todos e admitia que o processo, como toda “mudança”, não será “indolor”.