Aduana Brasileira e interesse público em debate

26 Mar 2007
AFRF Dão Real diz ser inadequado destacar como missão da Aduana a "facilitação do comércio" O último painel do Seminário a Receita Federal e o Interesse Público, encerrado em Campinas (SP) na última sexta-feira (23/3), lançou um questionamento ao público e aos palestrant es: a agilização do comércio exterior exige a fragilização da fiscalização aduaneira? Como tema central do debate, O Auditor-fiscal e a Aduana Brasileira. “A resposta é não!” A fala veemente do AFRF Dão Real Pereira dos Santos, um dos palestrantes da mesa, abriu as discussões da noite. Ao responder à pergunta, o debatedor se propôs refazê-la. “É possível intensificar ou aumentar os controles e melhorar a qualidade da fiscalização sem prejudicar o comércio internacional e sem interromper os fluxos?”, perguntou Dão Real, que reúne vasto conhecimento sobre aduana. Para ele, o questionamento estaria mais adequado sob esse formato, pois a primeira pergunta (a agilização do comércio exterior exige a fragilização da fiscalização aduaneira?) parte da premissa de que os controles já seriam eficientes e de que o projeto de facilitação do comércio, construído mais especificamente no último ano, estaria fragilizando essa fiscalização. Antes de prosseguir no viés das interrogações, Dão Real pontuou que é consensual entre os auditores-fiscais e a administração da Receita Federal a necessidade de se construir uma nova aduana, mais ágil e moderna. Porém, antes de qualquer iniciativa nesse sentido, é fundamental esclarecer de que forma, para quê e para quem será feita essa nova aduana. “Essa questão antecede qualquer projeto de modernização”, disse. Em outras palavras, de acordo com o palestrante, é preciso definir que idéia de instituição se pretende construir e a que interesses ela deve atender. Para ele, qualquer tipo de inovação a ser implementada na aduana deve se voltar ao interesse público e não aos interesses das operadoras do mercado.Nesse sentido, seria inadequado destacar como missão aduaneira a facilitação do comércio, já que um dos princípios da aduana é a neutralidade. “Os controles aduaneiros devem agir de forma neutra. Não devem interferir no comércio de maneira positiva ou negativa, mas apenas regular o comércio de acordo com a norma”, afirmou. Seleção Parametrizada – O palestrante fez questão de destacar que, quando se fala em agilização do controle aduaneiro, a referência é direcionada a apenas 20% das operações. Isso porque cerca de 80% das mercadorias caem no chamado “canal verde”, em que são automaticamente liberadas sem fiscalização. Trocando em miúdos, significa que a Receita Federal trabalha com uma parcela reduzida dentro do universo total de operações. Diante dessa realidade, Dão Real avaliou como medida fundamental para o trabalho aduaneiro a melhoria da qualidade da seleção parametrizada com o objetivo de definir que tipos de mercadorias estarão sujeitas a determinados controles. O objetivo é evitar a contradição de que despachos com problemas acabem selecionados para o “canal verde” e de que outros sem maiores riscos fiquem sujeitos a controles mais rígidos (canais amarelo, vermelho e cinza). Outra conseqüência da má seleção, segundo o palestrante, é que ela desmotiva os fiscais que trabalham na aduana, já que acaba impedindo a identificação de fraudes. “Estamos correndo o risco de criar carimbadores de plantão ou despachantes aduaneiros de elite”, avaliou. Daí a necessidade de se eliminar o sentimento de frustração entre os fiscais. Uma segunda proposta apresentada por ele foi a de concentrar a seleção das mercadorias em apenas dois canais: um sem e outro com conferência física, em que somente o AFRF teria as informações sobre o nível de averiguação da carga. Esses dados não seriam fornecidos ao importador e ao exportador para evitar a previsibilidade das ações fiscais. Uma outra sugestão foi a de antecipar o procedimento fiscal para o momento imediatamente após a chegada da carga, obrigando o importador a registrá-la. Segundo o palestrante, isso poderia ser feito por meio de uma declaração de importação preliminar, sem a exigência de que o imposto fosse pago naquele momento. Com a adoção da medida, seria possível priorizar a identificação de elementos de fraude e a identificação física das mercadorias. Missão da Receita – Logo no início da fala do coordenador-geral da Administração Aduaneira da Receita Federal, Ronaldo Lázaro Medina, ele concordou com o palestrante anterior de que o comércio não exige a fragilização da fiscalização aduaneira. O tema proposto para o debate guarda relação direta com a recente mudança na definição da missão da SRF, que abandonou o “combate ao contrabando” e adotou a “facilitação ao comércio” como missão. Medina explicou que a modificação se tratava apenas de uma mera alteração de terminologia, que estava expressa ali de maneira resumida e que era comum às instituições reescreverem suas missões em intervalos médios de dois anos. A palestrante e auditora-fiscal Nory Celeste Sais de Ferreira, que atua na área aduaneira, discordou do viés banal que o coordenador atribuiu à alteração, afirmando que qualquer terminologia é totalmente ideológica. “Essa alteração da missão da Receita é sintomática e profundamente ideológica. Definiu-se que o objeto não é mais o combate ao contrabando, porque não temos mais um projeto de país, e que agora só vamos facilitar o comércio”. Para Nory, o processo de reformular a missão da Receita não foi democrático na feitura e na proposição. “A sociedade não foi perguntada. E como o Dão falou a aduana deve ser neutra, não pode dificultar nem facilitar”, avaliou. “Nenhuma palavra está no lugar errado. Elas impregnam. A opção de alterar o combate ao contrabando pela facilitação do comércio tem que ter sido uma escolha consciente. Se não é, então voltem atrás. É preciso se ter responsabilidade, porque estão tratando de interesse público, tema que continua ausente nos debates da Receita Federal”, arrematou. Tempos de Despachos– Fazendo mais uma citação do que havia dito Dão Real, Medina destacou a importância do controle físico dos despachos, destacando que esse tipo de verificação não pode ser banalizada e que deve ser especializada para permitir a identificação de mercadorias com problemas. Pontuou também que qualquer órgão que trabalha com controle necessita de um aparato de inteligência como suporte. Admitiu ainda que a aduana brasileira carece desses sistemas: “Nossos sistemas de vigilância em zona primária são muitos frágeis, não temos padrões, procedimentos nessa área”. Ao tratar dos resultados obtidos pela Receita, o coordenador-geral da Administração da Aduaneira mostrou que, nos últimos anos, houve uma considerável diminuição dos tempos médios de despachos, muito embora ainda sejam elevados com relação aos Estados Unidos, que consegue fazer despachos em algumas horas. Ao falar sobre o assunto, Nory Celeste citou pesquisa realizada com exportadores do porto do Rio Grande. Como resultado, ela disse que dentre os 30 itens apontados por eles como entraves, apenas um se referia ao canal vermelho. “Tem que se considerar que existem outros problemas que interrompem esse fluxo”, afirmou. Força Policial– O auditor-fiscal João Luiz Fregonazzi, ex-inspetor da alfândega de Vitória (ES), lançou uma proposta durante sua exposição sobre aduana: “Incluir na Constituição brasileira a Receita Federal como instituição de segurança pública. É o caminho que temos que trilhar para facilitar o fluxo do comercio exterior, que é conseqüência de uma aduana mais eficiente, que não será conseguida apenas com análise de risco e foco no despacho aduaneiro”. Antes de chegar a essa proposta, ele percorreu o histórico das aduanas, mostrando que em alguns momentos e em alguns países, inclusive no Brasil, os aduaneiros já tiveram um papel de defesa até armada. Atualmente, aduanas como a dos EUA, onde a aduana tem um braço policial. Sobre os controles aduaneiros no Brasil, ele disse que é essencial hoje haver um controle baseado no gerenciamento de riscos, já que há pessoal insuficiente para o controle de 100% das mercadorias. “Mas sempre penso em como legitimar essa análise de risco. Eu entendo que a melhor forma de se fazer isso é por meio de um gerenciamento feito pelo órgão central que vai estudar a fundo a questão e encaminhar indicadores e indicativos para as unidades. Essas unidades também vão fazer localmente uma seleção a partir do histórico, da memória e do conhecimento do resultado do dia a dia”, apontou. Porém, ele destacou que seguindo todos esses cuidados existirão crimes invisíveis ao despacho aduaneiro e à análise de riscos. “Infelizmente, nossos grandes portos exportam drogas e importam armas sem o nosso conhecimento e sem que a gente veja. Essa, na verdade, é nossa crítica ao modelo”. Para Fregonazzi, o Brasil está tomando como exemplo aduanas eficientes de outros países, mas está se esquecendo de que elas têm uma atuação policial. Essa força policial é que seria a responsável por municiar a análise de risco. “Isso vai permitir um tiro mais certeiro e vai permitir a redução do tempo de despacho”.