Ética no serviço público é assunto de segundo plano

27 Mar 2007
O seminário que serviu de fórum para a discussão ampla e aprofundada do tema A Receita Federal e o Interesse Público , em Campinas (SP), pôs na mesa de debates um t ema que, embora indissociável da gestão pública, costuma ser relegado a um plano secundário pelas administrações. É tica foi um dos assuntos em pauta no terceiro e último dia do evento, que ocorreu entre 21 e 23 de março. O primeiro a se lançar no debate foi o auditor-fiscal Fernando Magalhães, que, desde o início da sua fala, centrou foco nos sistemas de integridade e transparência. Porém, fez questão de destacar que abordaria o assunto sob um viés mais amplo do que se costuma apreender. "Quando se fala em sistema de integridade, pensa-se logo em Corregedoria. Mas ele é muito mais amplo que uma Corregedoria”, delimitou. Para Magalhães, é fundamental compreender que um sistema de integridade eficiente deve estar atento ao servidor desde a sua fase de ingresso no serviço público, garantindo lisura e transparência ao próprio processo de seleção. Outro ponto destacado pelo palestrante é que esse mesmo sistema deve voltar sua atenção à forma como se dá a distribuição ou a concentração do poder dentro do órgão. “Todos já ouvimos a frase: ‘O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente’. Parafraseando, o poder concentrado corrompe concentradamente. Ou, em outras palavras, quando o poder é concentrado, a corrupção, quando existe, se dá no atacado”. Logo em seguida, Fernando Magalhães fez alusão a um dos temas tratados mais detalhadamente em um dos painéis do dia anterior: a questão dos cargos comissionados. Ele destacou que um sistema de integridade eficiente “também haveria de atentar para a forma como se dá a ocupação dos cargos em comissão”. Por fim, todo esse sistema de integridade teria de contar com uma “Corregedoria autônoma, independente e eficiente”. “Poder é impunidade. Entre as inúmeras possibilidades de definição do que é poder, essa é uma delas. Esse tipo de poder nós não podemos aceitar na Receita Federal. Daí a necessidade de termos uma Corregedoria autônoma, daí a importância deste Sindicato”, afirmou Fernando Magalhães. Corregedoria– Um outro palestrante a falar sobre ética foi o chefe da Corregedoria da 8ª Região Fiscal, Guilherme Bibiane Neto. Ele fez questão de ressaltar que, diante do tema relevante da corrupção, a Corregedoria da Receita Federal está empenhada em “em dar respostas à sociedade e à categoria para tentar depurar o que deve ser depurado”. Ele destacou a Corregedoria como instrumento estratégico para o fortalecimento do órgão e, em sentido mais amplo, do próprio Estado brasileiro. “Não dá pra falar na questão institucional, não dá para falar num Estado forte ou numa sociedade democrática e transparente se não tivermos o serviço público submetido a determinados crivos, a determinados controles, a determinados critérios”, argumentou. Mais adiante completou: “Um serviço público forte está relacionado a uma Corregedoria independente, que se pauta em critérios precisos e impessoais”. Erro ou desvio de conduta? - Ao falar do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o chefe da Corregedoria da 8ª RF fez questão de dizer que os corregedores sempre trabalham com o objetivo de delimitar claramente o que seria erro de trabalho e o que seria um desvio de conduta e um problema disciplinar. “Nosso foco é o dolo e o dolo comprovado, que é um requisito legal para vários enquadramentos administrativos”, disse. Tratando do mesmo assunto, o procurador da República no DF, Lauro Pinto Cardoso Neto, disse ficar preocupado quando se afirma que o foco é o dolo inconteste. Para ele, existem nuanças subjetivas, em que o dolo ou a culpa podem ser comprovados por meio de dedução lógica, de indícios e de circunstâncias. “O que aparentemente você trata como uma questão lícita, porque se cumpriram todos os normativos preexistentes para uma conduta, eu posso extrair dali um desvio de finalidade do interesse público, que é o conteúdo da moralidade administrativa com previsão legal e constitucional de repressão pelo Estado”, analisou. O procurador também fez crítica às funções de confiança, afirmando que não se pode vislumbrar a possibilidade de convivência harmônica entre a independência funcional e o cargo de confiança. “Precisamos fortalecer as instituições e não as pessoas. As instituições têm de caminhar visando ao interesse público, independentemente de quem esteja lá”, arrematou. Ética e Tributação– O último palestrante a falar foi Mauro Sérgio Bogéa Soares, secretário-executivo da Comissão de Ética Pública do Poder Executivo Federal, que fez um retrospecto histórico da relação entre ética e Fisco. De início, ele foi incisivo em dizer que nem sempre fez sentido falar em ética e administração tributária. Isso porque, historicamente, sempre houve um embaraço entre a forma de recolher e a destinação dos recursos. Segundo o palestrante, foi somente com a adoção dos princípios republicanos que começou a existir uma correlação entre uma coisa e outra. Falando do momento atual, Mauro Bogéa afirmou que existe em todo o mundo uma contradição entre “excelentes práticas do ponto de vista administrativo e graves conseqüências do ponto de vista ético”. Para ele, isso é resultado de más interpretações que geram conclusões equivocadas de alguns princípios tributários. Como exemplo ele citou o princípio de que a “Justiça Fiscal se faz pelo lado do gasto”. “Alguém pode discordar disso? Ninguém. Evidentemente o gasto serve também à justiça fiscal. Mas de forma alguma se pode concluir que os princípios éticos e sociais da tributação podem ser abandonados porque qualquer tipo de justiça se faz pelo lado do gasto público. Disso resulta o foco na arrecadação”, explicou. Prosseguindo seu raciocínio, o palestrante perguntou ao público: “Alguém discorda de que a administração tributária tributação tem de ter foco na arrecadação?” Ele mesmo respondeu: “Evidentemente que não. Mas isso não quer dizer que se deve abandonar a preocupação com o funcionamento da economia geral, com a Justiça Fiscal, com a eqüidade do sistema em função da necessidade de se garantir essa arrecadação”.