Editorial - A questão do veto

27 Mar 2007
É da competência privativa do presidente da República vetar, no todo ou em parte, projetos de lei (Constituição, artigo 84, V). Na proposta de iniciativa do Executivo que criou a Super-Receita, o Congresso aprovou emenda supressiva, que tomou o número 3, com votos de 304 deputados e de todos os senadores. Assim, retirou-se da fiscalização fazendária prerrogativa para invalidar contratos celebrados entre empresas e prestadores individuais de serviços organizados como pessoa jurídica. O exercício do veto ocorre quando, por avaliação própria, o presidente da República julga inconveniente ao interesse público, carente de eficácia, sem legitimidade, contaminada de injuridicidade ou inconstitucional matéria aprovada pelo Congresso. Uma ou mais causas do gênero convenceram o Palácio do Planalto da necessidade de manter o dispositivo suprimido por meio de veto à emenda número 3. Em outras palavras: restabeleceu a competência da Super-Receita para desconstituir os mencionados contratos. Trata-se de questão que, por envolver a liberdade contratual do sistema econômico, é natural despertar reações e discussões no plano político-legislativo. Mas o que sobreleva, agora, não é a discussão sobre o mérito ou não da conduta presidencial. Está em causa a execução das prerrogativas do Congresso quanto aos mecanismos que movimentam a atividade congressual, desde o impulso gerador da lei até sua efetiva aplicação. Se permanecem inertes, é sinal de que a instituição passa ao largo dos deveres que lhe são impostos pela ordem constitucional. É obrigação do Poder Legislativo, mediante ação das duas Casas, Senado e Câmara, apreciar os vetos no prazo sancionado na Constituição. Eis o que diz o artigo 64, § 4º: “O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de 30 dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em escrutínio secreto”. A rejeição, portanto, necessitará ser aprovada por 257 votos na Câmara e 41 no Senado, sem identificação dos votantes. E, caso não seja objeto de deliberação no prazo, deverá figurar na ordem do dia da sessão seguinte do Congresso, “sobrestadas todas as demais proposições, até sua votação final” (§ 6º do mesmo artigo 64). Mais claros e isentos de dúvidas não poderiam ser as normas constitucionais pertinentes. O que se observa, contudo, é o jogo oblíquo das Mesas e os conchavos de lideranças filiadas ao Palácio do Planalto no sentido de empurrar a questão para futuro incerto e ignorado. Faz parte dos maus costumes legislativos desdenhar a apreciação de vetos pela recorrência a um expediente indecoroso: não convocar sessões conjuntas das duas Casas do Congresso. Explica-se, assim, por que, desde 1994, hibernam nos arquivos do Legislativo, sem deliberação, nada menos de 174 vetos, totais e parciais. Urge entender que a omissão acaba por tornar irreversíveis vetos prejudiciais a direitos e garantias assegurados aos cidadãos e às instituições privadas. Em relação ao que foi aposto pelo presidente da República à Emenda nº 3, a apreciação imediata é exigência incontornável, até por se tratar de questão posta acima de conveniências partidárias. E, sobretudo, para que o Congresso se recomponha ante o senso crítico da sociedade e cumpra os seus deveres. -