Editorial "O Estado de São Paulo" - Malha fina demais
As declarações do Imposto de Renda Pessoa Física relativas ao ano-base de 2006 podem ser apresentadas à Receita Federal até o fim de abril e boa parte dos contribuintes já programa o destino que dará à restituição a que tem direito. Mas, para mais de 1 milhão de brasileiros que pagam Imposto de Renda, declarações anteriores, algumas entregues há cinco anos, ainda não foram processadas, pois ficaram retidas na malha fina da Receita.É cada vez maior o número de contribuintes sujeitos à espera para receber de volta o Imposto de Renda que recolheram a mais durante um exercício ou para regularizar sua situação perante o Fisco, por meio do recolhimento do tributo devido. Desses contribuintes, muitos nada devem ao Fisco, não sabem os motivos pelos quais sua restituição não foi creditada junto com as dos demais declarantes, nem têm como obter explicações para a demora. Só lhes resta esperar, às vezes até por cinco anos, quando o valor a que têm direito lhes é devolvido - corrigido, é verdade, mas sem nenhuma explicação para tanto atraso.Estão na malha fina 1,14 milhão de declarações. A maior parte delas (526,2 mil), como mostrou o Estado na segunda-feira, foi entregue em 2006. De 2005 são 396,1 mil declarações retidas na malha fina e, de 2004, outras 173,4 mil. As demais se referem a 2003 e 2002.Entre 2002 e 2006, de 98,2 milhões de declarações entregues, 7,08 milhões ficaram retidos na malha fina. Há explicações técnicas para esse volume tão grande de declarações que a Receita Federal considerou incorretas ou insatisfatórias. Programas e computadores mais rápidos e de maior capacidade aumentaram muito a eficiência do trabalho da Receita na conferência das declarações apresentadas pelos contribuintes e na detecção de erros e omissões. Esse ganho de qualidade na atuação da Receita explica, em parte, o aumento do número de declarações de rendimentos de pessoas físicas retidas na malha fina.O Fisco cruza informações de fontes pagadoras com as prestadas pelos declarantes e, quando há discrepâncias, prende na malha fina as declarações suspeitas. O acesso a informações sobre compra e venda de imóveis e veículos aumentou sua capacidade de conferir a precisão das declarações. Pagamentos que dão ao contribuinte o direito a abatimento da renda tributável são cotejados com as rendas declaradas por aqueles que receberam esses pagamentos. Quando há divergências, a declaração é retida na malha fina.Erros, às vezes pequenos, até mesmo de digitação, são motivo para a retenção da declaração e da devolução devida. Omissões de fontes de renda, mesmo de baixo valor, também levantam suspeitas sobre a declaração.Não são raros, porém, os casos em que a retenção prolongada da restituição devida se deve não a questões técnicas e sim a meras suspeitas do Fisco. Um dos critérios para reter uma declaração na malha fina é aquilo que a Receita considera “lançamento fora do padrão”, como no caso em que o contribuinte lançou como despesas médicas dedutíveis da renda tributável um valor fora do que o Fisco considera normal. Sem nenhuma explicação para o contribuinte, a declaração fica simplesmente retida durante alguns anos. Quando está para se esgotar o prazo de cinco anos permitido pela legislação para a retenção das restituições devidas, a Receita faz a devolução, sem nenhuma explicação, e sem que, no período em que reteve o dinheiro do contribuinte, o tenha procurado para esclarecimentos que considerasse necessários. Dá a impressão de que a retenção se deve apenas à necessidade de evitar o desembolso, para garantir resultados melhores para as contas públicas.A Receita tem o dever de combater a sonegação, reduzir os espaços para a fraude, exigir declarações precisas dos contribuintes e, desse modo, garantir a quem paga impostos corretamente que ele não está sendo passado para trás pelo sonegador. Dispõe de mecanismos cada vez mais eficazes para bem desempenhar seu trabalho. Mas é preciso impor limites toleráveis para sua margem de manobra, especialmente quando sua ação se volta contra os interesses dos contribuintes.