Antes da sabatina, indicados analisam Receita Federal

29 Mar 2007
Conforme as regras estabelecidas para a formulação da lista tríplice, os sete auditores-fiscais que foram indicados nas fases local e regional participaram ontem de uma sabatina, em que eles tiveram a oportunidade de expor idéias e responder a perguntas. Antes da sabatina, cada um dos sete candidatos ganhou 15 minutos para falar espontaneamente sobre alguns temas propostos pela mesa, como fusão dos Fiscos; portos-secos; Projeto de Lei 536/07 (que retira dos auditores a condição de autoridades de Estado); correção da tabela do Imposto de Renda; independência da Corregedoria; segurança na atividade funcional, entre outros assuntos. Mauro Bogéa – O primeiro a falar foi o auditor-fiscal Mauro Sérgio Bogéa Soares. Ao iniciar seu discurso, ele procurou situar a Receita Federal num contexto histórico mais amplo. “O momento atual das administrações públicas e, particularmente, da administração tributária é muito delicado. O mundo atual é diferente, pois há hoje maior proximidade da nação com o aparelho do Estado, é um momento de maior vigilância e de maior cobrança”, avaliou. Nesse contexto, Mauro Bogéa delineou qual seria, atualmente, o maior desafio da administração tributária. “Seria o de equilibrar o dever de assegurar a arrecadação necessária ao Estado, inclusive para a estabilização macroeconômica, sem esquecer o respeito a outros princípios fundamentais de tributação”, argumentou. Sobre a fusão dos Fiscos, afirmou que ela se trata de uma “opção” que pode ser feita ou não. “Agregar funções não é o que vai levar necessariamente à eficácia da administração tributária. Num primeiro momento, certamente teremos o agravamento de antigos problemas e o surgimento de novos. Não é de forma alguma um fator imprescindível, é uma opção”. Sobre as ações de correição na Receita, ele também buscou situá-las num contexto mais amplo. Disse que a administração pública brasileira vive um momento novo em matéria de controle de ética e disciplina. Para ele, a Controladoria-Geral pontua bem esse momento. “Há quatro anos, ela dispunha de 60 funcionários e hoje conta com mais de 3 mil, caminhando para ser uma agência central de controle e de combate à corrupção. É um processo que está em formação”, falou. Acerca da Corregedoria da Receita Federal, ressaltou que a questão da independência é fundamental, não apenas no aparato de correição, mas em todas as funções desempenhadas na administração pública. Para Mauro Bogéa, o padrão ético não se resolve apenas nas corregedorias. “É preciso aumentar o escopo da atuação das políticas de promoção da ética e de combate à corrupção”, disse. Luciano Calixto– O auditor-fiscal Luciano Calixto traçou, logo de início, um paralelo entre o que ele imaginava ser modelo de eficiência na administração tributária e a realidade com que ele se deparou 20 anos após entrar na Receita Federal. A imagem primeira era de uma Receita eficiente em que auditores-fiscais desempenhavam suas funções e promoviam a satisfação do contribuinte, atingindo a justiça fiscal. “Passados 20 anos que estou na Receita Federal, a evolução foi muito pequena, salvo as mudanças tecnológicas que permitiram uma evolução de controle. Acredito que estamos hoje numa situação muito pior do que antes”, avaliou Calixto. Ele fez a crítica de que as recentes administrações priorizaram os controles informatizados como sinônimos de uma “boa administração tributária”, em detrimento das reais fiscalizações. “Estamos hoje basicamente acompanhando informações que os contribuintes estão prestando com um quadro de pessoal muito pequeno para revisar todas essas informações”, disse. Esse modo de operação causa a falsa impressão de que o volume elevado de dados recebidos se traduz num “bom” trabalho da administração tributária. Calixto defendeu a tese de que uma significativa mudança no sistema tributário só será possível se estiver atrelada a uma administração tributária eficiente. “E essa administração eficiente, a meu ver, é aquela que deixar transparecer ao contribuinte que ele pode ser alcançado”, definiu. Ele avaliou que, por conta da situação do autolançamento cada vez mais em evidência, o auditor está se transformando em mero controlador de valores informados por contribuintes. “A situação no Brasil é a seguinte: a administração tributária identificou quais são os contribuintes controláveis e os que não são. Hoje acontece uma transferência de renda dos contribuintes controláveis para os não controláveis. Daqueles que controlamos, tiramos o que é possível para compensar a nossa ineficiência de buscar o tributo devido daqueles que não pagam”, considerou. Osíris Lopes Filho– O ex-secretário da Receita Federal, Osíris Lopes Filho, começou sua fala com uma referência ao economista Nicholas Kaldor, para quem, nos países subdesenvolvidos, as pressões políticas conduziam a uma legislação falha e a uma administração inoperante. Trazendo essa avaliação para o Brasil, Osíris disse considerar a legislação tributária indutora de evasão fiscal. “Exceto no IPTU e no IPVA, em que a administração diz quanto o contribuinte deve pagar, ela só fica a estabelecer controles em todo o restante, pois ela depende de informações dos contribuintes”, salientou. Segundo o ex-secretário, o combate à evasão depende “da teoria do risco de conquistar a mente do evasor”. Para ele, seria um problema de marketing. “Quando o evasor, pelas ações da Receita Federal, achar que a taxa de risco de ele ser apanhado está se elevando, ele começará a melhorar seu comportamento tributário, a cumprir melhor seus deveres. Esse é o grande desafio da administração tributária”, sugeriu. Outro problema destacado por Osíris Lopes foi a desvalorização do Congresso como entidade representativa popular. “Aqui no Brasil, é mais importante o ponto de vista do secretário da Receita Federal do que o do Congresso. Na realidade, um grande problema que enfrenta a Receita é que o acréscimo da arrecadação que se consegue é pela manipulação da norma jurídica tributária, sempre aumentando a carga”, arrematou. Leônidas Quaresma– Outro indicado para compor a lista, o auditor-fiscal Leônidas Quaresma centrou seu discurso na necessidade de se criar na Receita uma cultura da capacitação profissional como um dos requisitos para se atingir eficiência. “Essa questão da capacitação funcional é muito importante. Não falo daquela capacitação que vem de cima para baixo. Mas daquela em que a gente busca conhecer todas as possibilidades de utilização dos instrumentos disponíveis”, avaliou. Ele defendeu o ponto de vista segundo o qual se essa capacitação for atingida, com vistas ao uso eficiente das “ferramentas”, a Receita irá potencializar sua eficiência sobre aqueles que sonegam. Para Leônidas, a administração tributária causa um enorme incômodo àqueles que não são efetivamente contribuintes. “A expectativa da Receita são 23 milhões e 500 mil contribuintes. Entretanto, se focar mesmo em quem realmente interessa, a quantidade é menor. Deixamos apavorado um número imenso de contribuintes quando a gente sabe que de onde deveria vir maior arrecadação, não há nenhuma preocupação com isso, porque as pessoas sabem que não serão alcançadas”, avaliou. Ao final, disse que esse fato configura uma “maldade”. “Deveríamos lutar pra corrigir esse erro. Devemos colocar o foco naqueles que efetivamente são contribuintes”. Celso Fernandes– O auditor-fiscal Celso Fernandes considerou estar fazendo parte de um processo que marca uma mudança de “patamar” dentro da categoria. “Estamos saindo do recuo de tantas perdas registradas nesses últimos dez ou 12 anos.”Para ele, sociedade e auditores estão cada vez mais se pautando por princípios éticos e cobrando mais responsabilidade da Administração. O que configura uma contradição já que, segundo Fernandes, “a cúpula não tem se pautado pelos princípios constitucionais da boa administração”. Ele também fez a crítica de que a administração tributária é um instrumento da política tributária injusta que se volta contra o assalariado. “O Unafisco tem vários estudos que mostram que a carga tributária está sobre o consumidor, sobre quem tem baixo poder aquisitivo. Isso é uma imoralidade. E isso não sai do Congresso, não sai da Casa Civil. Sai da cabeça de alguns dos nossos ilustres e pensantes colegas”, avaliou. Por fim, ele destacou que deve haver esforço concentrado pela moralização da Receita Federal. “Na administração pública, sempre existiram desvios de conduta. Era comum que saíssem dos trilhos da moralidade, impessoalidade, legalidade, mas eles eram sempre retomados. O problema agora é que tentam dar caráter de legalidade por meio de normas e decretos”, ressalvou.Tadeu Matosinho – O foco do discurso do auditor-fiscal Luiz Tadeu Matosinho foi a recente fusão dos Fiscos. Para ele, foi um processo que não deveria ter ocorrido. Entretanto, diante da situação já posta, devem-se buscar formas para enfrentá-la. “Se esse processo fosse para ocorrer, ele deveria levar dez anos de discussão, de preparo, de integração. Seria necessário preparar as duas estruturas, criar sistemas, legislação e procedimentos comuns, treinar pessoal. Só depois dessa integração se poderia pensar em fundir as administrações tributárias e previdenciárias, mas fizeram o inverso”, avaliou. Mais grave que isso, segundo Matosinho, é que a fusão já está acontecendo com a destruição das estruturas existentes na Receita e na Previdência e a criação de um novo sistema híbrido, com total desconhecimento do que se busca. “Tudo indica que vamos tatear por um bom tempo para achar um rumo”, analisou. Sobre o papel do auditor, Tadeu Matosinho disse que a administração da Receita está fechando atualmente um ciclo que começou há cerca de 12 anos. A tentativa de retirar dos auditores a precedência da autoridade de Estado, que antes se restringia a normas e decretos, poderá ganhar forma definitiva sob o viés de lei. “Na verdade, a autoridade de Estado do auditor não é para que ele seja autoritário, mas é para que ele se apresente como representante do próprio Estado”, definiu. Logo em seguida, emendou o assunto com a questão da moralidade e da Corregedoria. “Nossa autoridade tem sido tolhida em nome da pseudomoralidade, do falso controle ético”, ressaltou, fazendo referência ao argumento da Administração de que o auditor com poder pode fazer mau uso das suas funções. “O papel da autoridade passa pela discussão do nosso limite ético com uma Corregedoria forte, mas nunca pode ser tolhido, pois o que está sendo atingido é o poder de fiscalização do Estado”, concluiu. Dão Real dos Santos – O auditor-fiscal Dão Real dos Santos, que reúne vasto conhecimento sobre questões aduaneiras, começou seu discurso ressaltando que a formulação da lista tríplice é, na sua essência, uma busca da “desapropriação privada das instituições públicas”. Para ele, há uma questão de fundo que está posta na administração pública e, sobretudo, na administração tributária: “ou conseguimos identificar o interesse público na nossa atividade ou não estamos fazendo nada”. De acordo com Dão Real, na Receita Federal, uma premissa deveria ser perseguida. “Deveríamos simplificar pagamentos e dificultar sonegação. Mas, às vezes, fazemos o contrário. Na aduana, o trabalho deveria ser o de facilitar o comércio lícito e dificultar o ilícito. Mas, no dia-a-dia, fazemos o contrário.” Ele ressaltou a necessidade de se incutir no sistema tributário outras finalidades além da simples arrecadação. “Finalidades que foram identificadas pelo constituinte de 88, que exigiu que toda administração pública e todo o Estado levassem em conta a capacidade contributiva, a progressividade dos tributos, os aspectos redistributivos de renda e a solidariedade.” Esses princípios seriam o eixo orientador de uma mudança: “Se nós, enquanto agentes públicos, e o secretário [da Receita Federal], como agente político, não lutarmos permanentemente por esses princípios, seremos sempre ineficientes – arrecadando muito e tributando muito pouco de forma eficiente”.