Redefinição de autoridade administrativa é requisito para retirada da prerrogativa de lançamento

29 Mar 2007
Não é à toa que os atos administrativos internos da administração da Receita Federal têm continuamente buscado modificar o alcance de expressões do texto legal, em particular a distinção entre quem é a “autoridade administrativa” e quem é a “mão-de-obra fiscal”, atribuindo sempre o primeiro conceito aos detentores de funções em comissão e o segundo aos AFRFs, muitas vezes acompanhados de outros cargos da SRF. O Código Tributário Nacional (CTN) afirma que “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento”. Por isso, a retirada da prerrogativa de lançamento do auditor-fiscal sem a necessidade de uma lei complementar vem sendo engendrada pela administração da Receita Federal, desde os anos FHC, juntamente com a redefinição do conceito de “autoridade administrativa”, nos textos dos atos infralegais. Em 1999, o ex-secretário Everardo Maciel propôs alterar o CTN para transferir a prerrogativa de lançamento do AFRF para “servidor da administração tributária, em nome desta”, o que permitiria até que a prerrogativa passasse a ser delegada a outros servidores. O que se observa é que desde a derrocada desse projeto, no ano de 2000, essa tentativa continua sendo feita de forma progressiva. Começou por atos normativos inferiores à lei, entre os quais alguns passaram de portaria a decreto, ou acabaram virando lei. Hoje, o exemplo é a tentativa que está sendo feita por via do Projeto de Lei 536/07, elaborado dentro da SRF (veja aqui o texto). Antes da época da instituição do MPF (Portaria 1.265/99), os textos legais e de decretos regulamentares identificavam claramente as noções de “autoridade administrativa” no campo tributário, “autoridade fiscal” e “autoridade aduaneira” com o cargo de AFRF, em contraposição à portaria do MPF e outros atos normativos com base nesta, que passaram a identificar como autoridades os detentores de cargos em comissão, tratando os fiscais da ponta como “mão-de-obra fiscal”, igualados até mesmo a outras categorias de servidores da SRF. Um exemplo é o decreto das atribuições de 2000, que criou uma confusão não acidental entre os cargos de fiscal e técnico e tratou ambos como “mão-de-obra fiscal”, da mesma forma que a portaria do MPF. Exposição da procuradora – Sobre essa questão tratou o painel Autoridade e Poder – O Fortalecimento da Autoridade Funcional para a Defesa do Interesse Público do seminário A Receita Federal e o Interesse Público, no dia 22 de março, em Campinas (SP). Em sua palestra, a procura dora da República no Distrito Federal Valquíria Quixadá Nunes lembrou que tanto o Código Tributário Nacional (CTN) como a legislação que instituiu o Procedimento Administrativo Fiscal (PAF) (Lei 5.702/66 e Decreto 70.235/72) sempre destacaram o AFRF como autoridade administrativa com competência final para constituir o crédito tributário pelo lançamento. No decorrer do tempo, essa definição de autoridade administrativa foi sendo alvo de várias tentativas de redefinição, como o Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) e a Portaria SRF 6.087/2005. No Quadro de Avisos do site do Unafisco encontra-se disponível para download o material de apoio à exposição da procuradora no seminário de Campinas. O material trata do “fortalecimento da autoridade funcional para a defesa do interesse público”. Denuncia a limitação ao AFRF no cumprimento do seu dever legal, por meio de mecanismos como o MPF – comparando-o com a antiga FM (Ficha Multifuncional) – e a dificuldade criada na lei para a representação ao Ministério Público de crimes tributários. A procuradora também trata das diferentes formas como se obstou a elucidação e a punição dos crimes de sonegação e de lavagem de dinheiro no Brasil, e dos absurdos contidos nos sucessivos programas denominados Refis, equiparando o sonegador ao inadimplente e contribuindo também para a impunidade. Ao final, trata também da Portaria SRF 4.491/05, voltada aos membros de comissão disciplinar de inquérito no âmbito da SRF, impedindo ou dificultando o acesso do Ministério Público a dados sigilosos, sob investigação, que podem ser lesivos ao patrimônio público. A portaria retira toda a autonomia da Comissão Disciplinar no âmbito da SRF, por submeter o envio de informações e documentos a órgãos externos (Ministério Público, Polícia Federal e até o Judiciário) à autorização obrigatória da autoridade instauradora, que é indicada pela Administração. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a portaria.