Há 4 anos, luta contra a fome era ´missão de vida´

29 Mar 2007
Em 146 discursos, ele a defendeu como “única guerra que interessa” Gabriel Manzano Filho Foi um voto quase religioso o que fez o presidente Lula no discurso de posse de 2003: “Se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão de minha vida”. Sua guerra contra a fome, grande marca daqueles primeiros meses, viajou em 146 discursos oficiais pelo mundo inteiro e foi por ele definida, numa crítica à invasão do Iraque, como “a única guerra que nos interessa”. Quatro anos depois, no discurso de janeiro passado em Davos, o tom era outro: “O comércio justo e uma OMC transparente constituem um dos pilares da nova ordem mundial que defendemos”. E mais adiante: “É na possibilidade de crescimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda que vamos viver num mundo tranqüilo”. Adeus, Fome Zero. É tempo de Rodada Doha.“O que ele busca, agora, é um modelo de diplomacia presidencial, seguindo os passos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”, diz o ex-chanceler Celso Lafer. “Lula sempre fez de FHC uma referência e quer provar que é capaz de tratar de temas complexos e ser ouvido em grandes fóruns mundiais.”Ele não perde chance de valorizar o novo peixe. “O mundo está observando, com atenção, o evento de hoje”, afirmou ao lado de George W. Bush a 9 de março, quando visitavam uma usina de etanol em Guarulhos. Horas depois, na entrevista com Bush no Hotel Hilton, tirou do colete, do nada, a urgência de se ajudar a África. O etanol será fundamental, insiste ele, “para a geração de renda e redução da pobreza em muitos países pobres do mundo”.Outro estudioso das atitudes de Lula, o professor de filosofia Roberto Romano, da Unicamp, também acha que o presidente sonha com esse papel de grande diplomata, para rivalizar com Fernando Henrique e dispõe de muitos recursos para chegar lá. “Sua estratégia é eficaz: ele vai se produzindo como personagem à medida que percebe a extensão do seu poder. Tem um pragmatismo inegável. A cada nova configuração vai adaptando sua figura.”Esse pragmatismo, para o cientista político Rubens Figueiredo, é peça-chave de sua evolução. Ele não se afastou de suas causas, “mas sua obsessão por mudança, em 2003, era bem maior que agora. Ele se colocava sempre no centro das mudanças”. Com o tempo, “ele viu como a máquina pública é emperrada e foi se distanciando.” O presidente mostrou também, diz Figueiredo, “uma capacidade de absorção gigantesca e um notável instinto de sobrevivência”. Mas a estrutura do discurso permanece inalterada, diz Roberto Romano. “Ela é circular, começa e acaba no Lula. Ele sabe e manobra isso bem. Enquanto muitos riem, as platéias simples gostam, aplaudem e votam nele.”