O simulacro de reforma trabalhista

04 Abr 2007
Centenas de entidades representativas da sociedade brasileira, entre as quais a OAB, as Centrais Sindicais e a Anamatra, organizaram uma ampla manifestação no Congresso Nacional em apoio ao veto do presidente Lula à Emenda 3 no texto da lei que criou a chamada Super-Receita. A Emenda precariza os direitos trabalhistas ao esvaziar a fiscalização do trabalho e permitir a continuidade das irregularidades nas relações de emprego, sob a fachada dos chamados "PJs" (pessoas jurídicas), que, mesmo recebendo baixos "salários", são privados de toda e qualquer proteção constante nas leis trabalhistas.Além disso, a Emenda 3 peca pela sua inconstitucionalidade e por contrariar o interesse público, ao condicionar a fiscalização, típico exercício de poder de polícia a cargo do Executivo, à decisão prévia do Poder Judiciário. Esse dispositivo afronta também a Constituição na medida em que impede o Poder Executivo de proceder a inspeção do trabalho nas atividades corriqueiras de fiscalização. Nunca é demais lembrar que o atual ordenamento jurídico relativo às relações do trabalho conta com dupla proteção: a administrativa, exercida pela inspeção do trabalho no âmbito do poder de polícia; e a jurisdicional, exercitada pelo Poder Judiciário. Uma não exclui a outra, antes se completam. E, na medida em que afasta a proteção administrativa dos direitos trabalhistas, a emenda ainda viola o art. 7º da Constituição, ao qual se deve dar máxima efetividade. A nota das entidades que resistem a esse arremedo de reforma trabalhista lembra que "no plano internacional (a emenda) contraria o Tratado de Versalhes, a Convenção 81 e a Recomendação 198 da OIT, que determina aos Estados-membros lutar contra as relações de trabalho encobertas, no contexto, por exemplo, de outras relações que possam incluir o recurso a formas de contratos que ocultem a verdadeira situação jurídica.Resumindo: a emenda impede a fiscalização de fiscalizar e retira do trabalhador, especialmente o de baixa renda, o direito de ser protegido pelo Estado contra a prática de contratação sob formas precarizantes, disfarçadas de trabalho autônomo, eventual ou sem vínculo de emprego. Trata-se de uma fraude aberta contra a legislação vigente que, por ignorância ou má-fé, alguns pretendem perpetrar, utilizando-se de forma oportunista das condições adversas ainda vividas pelo trabalhador brasileiro. Se mantida, a emenda não criaria empregos, mas sim falsas pessoas jurídicas, cooperativas de trabalho de araque e representações comerciais sem nenhuma legitimidade, utilizadas apenas para camuflar relações que algumas empresas não querem assumir para se verem livres dos encargos. Por outro lado, como diz a nota das entidades, "a imunidade à fiscalização do trabalho estimularia maus empresários a aumentar, vertiginosamente, tais simulacros, jogando com a demora do Judiciário, que será ainda mais congestionado. Assim, não haverá como exigir férias, FGTS, 13º salário, normas de segurança e saúde, pagamento de horas extras, aposentadoria, licença-maternidade, entre outros. Ou alguém acha que o empregado espoliado vai ingressar na Justiça para ser demitido?"Felizmente, o presidente Lula foi sensível a essa realidade e vetou a Emenda 3, dando início à discussão, no Congresso, de um projeto de lei que seja capaz de regulamentar os contratos de trabalho sem comprometer as relações de emprego e a justa proteção que o trabalhador tem pela lei e pela Constituição.Esperamos e vamos lutar para que os parlamentares tenham sensibilidade para manter o veto à Emenda 3, pois estarão com isso indo ao encontro do interesse maior dos que constroem a riqueza deste País.Antonio Neto é presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social