Municípios bancam 2/3 dos programas sociais
São os municípios - e não a União - que bancam a maior parte dos custos de alguns dos principais programas sociais do governo federal. Numa amostra de cinco grandes programas de execução descentralizada analisados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para cada R$ 100 repassados pelos ministérios em 2006, as prefeituras tiveram que gastar mais R$ 233 em recursos próprios. Com esse argumento na lista dos que serão usados para pedir mudanças que reforcem seus orçamentos, mais de 3 mil prefeitos são esperados hoje, em Brasília, para a décima edição da marcha promovida anualmente pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Desde a primeira, em 1998, muitas reivindicações foram atendidas pelo governo e o Congresso, reconhece Paulo Ziulkosky, presidente da entidade. Entre as mais significativas, ele cita a lei que ampliou as atividades tributadas com o Imposto sobre Serviços (ISS, municipal), o repasse direto do salário-educação (sem interferência dos Estados) e a participação na receita da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). O problema é que, ao mesmo tempo em que cederam em diversos pontos, Executivo e Legislativo federais também tomaram medidas e aprovaram leis que aumentaram as responsabilidades dos municípios com o atendimento à população, sem aumentar, na mesma proporção, os repasses de recursos ou a fatia deles no bolo tributário, nos últimos anos. Um exemplo disso são os programas federais executados por intermédio das prefeituras. A pedido da CNM, a UFRGS fez uma pesquisa sobre o impacto deles nas finanças municipais. O trabalho não ficou integralmente pronto. Mas o resultado preliminar, que pega cinco programas de grande impacto social (ver quadro), foi suficiente para confirmar que muitas ações propagandeadas como sendo do governo federal e que, portanto, ajudam a alavancar a popularidade do presidente Lula, são bancadas, em maior parte, pelas prefeituras. O aspecto de quem fatura politicamente é o que menos interessa à CNM, diz Ziulkosky. A questão é que a transferência de responsabilidades criou uma sobrecarga tal que está tornando os municípios "quase ingovernáveis". Os municípios enfrentam dificuldade de compatibilizar suas maiores obrigações sociais com o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, que cria, entre outros, limites para gastos com pessoal relativamente à receita. Por causa disso, embora essa não seja ainda uma recomendação da CNM, já há prefeito pensando em recusar a ampliação de programas existentes ou a adesão a novos, alerta. Um dilema emblemático é o criado pelo Saúde da Família. O programa exige das prefeituras a contratação de médicos, dentistas, enfermeiros, auxiliares e assistentes em regime de dedicação exclusiva. O governo federal paga ao município, quando inclui dentista, pouco mais de R$ 8 mil mensais por equipe. Mas só em gastos com pessoal, incluídos encargos, cada uma não sai por menos de R$ 20 mil por mês aos cofres municipais. Se forem considerados outros custeios que não pessoal (transporte por exemplo), a despesa passa de R$ 24 mil por equipe. Para evitar que os gastos com o programa impactem o limite da LRF para despesas com pessoal, que é de 60% da receita líquida do município, boa parte dos prefeitos contrata esses profissionais de saúde como prestadores de serviço. Mas, por ordem do Ministério Público, muitos estão sendo obrigados a promover concurso e integrá-los ao quadro estável de servidores. Assim, muitos prefeitos ficam entre cumprir a LFR ou atender ao MP ou ainda desistir do programa. A ordem dos promotores públicos preocupa a CNM, pois, em função de um programa federal que não tem qualquer garantia de continuidade, os municípios estão sendo obrigados a assumir uma despesa permanente. "O que as administrações vão fazer com esses profissionais se o programa acabar?", pergunta Ziulkosky. Uma das questões que também preocupa a confederação são as obrigações que decorrerão da implementação do Fundeb, fundo de financiamento à educação que substitui o Fundef, incluindo ensino médio e creche. Por isso, além da rediscussão do custeio dos programas, mudanças no rateio dos recursos do Fundeb também estão na pauta de reivindicações da marcha de prefeitos. A solenidade que marcará o início da marcha será aberta pelo presidente da República, às 10h. Lula quer anunciar medidas de impacto para amenizar a pressão dos administradores municipais. A agenda de possíveis concessões será acertada pelos ministro da Fazenda, Guido Mantega, da Casa Civil, Dilma Rousseff, e das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guias, em reunião uma hora antes. Uma das principais reivindicações da marcha está há pelo menos três anos na pauta: o aumento de um ponto percentual no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os prefeitos querem o apoio do governo para separar esse ponto do resto da reforma tributária, que já tramita no Congresso. Mas a equipe econômica resiste em concordar com tal desvinculação, para não perder o interesse dos municípios na reforma. Um dos pontos a serem anunciados no encontro com os prefeitos não está na pauta de demandas: é a abertura de escritórios da Caixa Econômica Federal em nove capitais - Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Esses escritórios serviriam para orientar os prefeitos na elaboração de projetos financiados pela CEF, o que facilitaria a liberação dos recursos.