Governo vai propor novo projeto alternativo à Emenda 3
Parece caminhar rumo ao fim o impasse acerca da Emenda 3, criado desde que o presidente Lula decidiu vetá-la ao sancionar o projeto que fundiu Receitas Federal e Previdenciária na Receita Federal do Brasil (RFB). Depois da intensa mobilização de trabalhadores país afora, o governo anunciou finalmente que pretende regulamentar a atuação dos prestadores de serviço de caráter “personalíssimo” sem, no entanto, interferir no trabalho de fiscalização do Estado. O desfecho que o governo quer dar ao assunto foi divulgado na manhã de ontem pelo secretário Jorge Rachid, durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília. A idéia é enviar já na próxima semana um outro projeto que, em tese, substituirá o PL 536/07, enviado ao Congresso pelo Executivo como alternativa inicial ao texto da Emenda 3. O novo projeto, que ainda está em preparação, visa a definir os critérios, estabelecer os casos e indicar as categorias de profissionais que poderão ser contratadas como Pessoa Jurídica (PJ) de caráter “personalíssimo”, sem que essa relação signifique uma afronta às leis trabalhistas ou uma tentativa de burlar o Fisco. Dessa forma, a intenção é afastar qualquer dúvida na avaliação daquelas situações em que a contratação de uma PJ, em vez de se caracterizar como uma prestação de serviço, esconder, na verdade, uma relação de trabalho entre o contratado e a contratante. Essa nova proposta tenta resolver uma questão não solucionada pelo PL 536/07. Distorções – Como já havia alertado o Unafisco, em carta encaminhada ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, o PL 536/07, sob o argumento de sanar anomalias, também padece de várias distorções. Algumas delas com agravantes, se comparadas às da Emenda 3. Ao tentar regulamentar a relação de trabalho das chamadas PJs, o projeto em questão continua comprometendo a atribuição constitucional do Estado de fiscalizar. Mais grave que isso é o fato de o PL redefinir o que seria “autoridade administrativa”, ao propor uma migração das atribuições dos auditores-fiscais para os cargos comissionados. Mas o governo decidiu ceder e reformular a proposta. Os prejuízos acerca da Emenda 3, que já eram anunciados pelo Unafisco desde a tramitação do projeto da Fusão, ganharam eco depois que a proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados e enviada à sanção presidencial. Ao proibir fiscais da Receita e do Trabalho de desconsiderar pessoa, ato ou negócio jurídico, a Emenda 3 fragilizava as relações de trabalho e impedia o combate dos chamados “laranjas”. Prejuízos – Durante a audiência pública desta quinta-feira, representantes de diversas categorias envolvidas no tema, inclusive o Unafisco, puderam dimensionar os prejuízos que serão causados a todos os trabalhadores e à sociedade brasileira em geral, caso o texto da Emenda 3 ou mesmo do PL 536/07 entre em vigor. José Nilton Pandelot, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), destacou que a aprovação de qualquer uma dessas propostas irá inviabilizar a atuação da Justiça do Trabalho. Segundo Pandelot, os fiscais do trabalho expediram, em 2006, 115 mil autos de infração, que alcançaram um total de quase 31 milhões de trabalhadores. Somente parte desses casos chegou ao Judiciário. De cada dez autos, segundo informou o magistrado, apenas um subiu à Justiça do Trabalho. “Imaginem modificar essa relação? De dez autos, os dez chegarem à Justiça”, questionou Pandelot. Em seguida, asseverou que a relação proposta era extrema, já que nem todos os autos tratam de desconsideração de PJ, mas ainda assim, segundo ele, qualquer alteração ainda significaria inviabilizar o trabalho da Justiça. Carlos André Soares Nogueira, presidente do Unafisco, disse que finalmente a nova proposta está voltada ao cerne verdadeiro do debate: estabelecer critérios para a relação profissional dos prestadores de serviço de caráter personalíssimo e, ao mesmo tempo, proteger outros trabalhadores de relações desiguais e injustas. O presidente do Unafisco destacou ainda que se tratava de uma distorção centrar o foco dessa discussão no trabalho dos fiscais, em vez de tentar solucionar a “zona cinzenta” que envolve a contratação de pessoas jurídicas. “O que traz insegurança jurídica não é a fiscalização. Ao contrário, ela traz segurança. A insegurança é causada pela falta de clareza da norma”, ressaltou Carlos André. Ele fez ainda um paralelo entre o texto da Emenda 3 e o do PL 536, afirmando que as duas propostas padecem do mesmo mal, pois procuram barrar o trabalho da fiscalização. Carlos André também ressalvou o equívoco de o PL propor um redirecionamento da “autoridade administrativa” dentro da RFB. “Mero palpite” – Comentário do representante da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Antônio Carlos Rodrigues do Amaral, causou indignação entre muitos participantes da audiência pública. Ao defender a Emenda 3, ele disse que a sociedade não poderia ficar à mercê de “mero palpite” dos fiscais, que baseados tão-somente em critérios subjetivos propunham a desconsideração de PJs. Ao falar em seguida, a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores- Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Campos Jorge, rebateu o ataque: “O fiscal é fiscal da lei. Ele não emite ‘mero palpite’, até porque palpite não faz parte da alçada de um agente público”. Arquivamento – O deputado federal Paulinho Pereira da Silva (PDT), presidente da Força Sindical, propôs durante a audiência a retirada de pauta do PL 536/07. “Não adianta fazer proposições em cima desse projeto. É preciso tirar o foco dessa discussão do fiscal”, sugeriu. Ao que tudo indica, o relator do projeto, deputado Milton Monti (PR), irá insistir na reformulação da proposta que já tramita na Câmara. “Não vejo problema algum de se fazer alterações no projeto que já existe”, defendeu. O deputado federal João Dado (PDT-SP), que assinou o requerimento da audiência juntamente com Nelson Marquezelli (PTB-SP) e Rodrigo de Castro (PSDB-MG), destacou que, diante de todo o debate, ficou claro que a Emenda 3 não serve aos interesses da nação e que, portanto, deve ser afastada. Ele também ressaltou o caráter nocivo do PL 536/07: “A autoridade fiscal não pode ser retirada de quem, verdadeiramente, a exerce segundo o Código Tributário Nacional (CTN)”. Participaram também da audiência os três deputados federais representantes das comissões que propuseram a audiência: Antônio Palocci (PT), da Comissão de Finanças e Tributação; Nelson Marquezelli (PTB), da Comissão de Trabalho; e Wellington Fagundes (PR), presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico, além de outros parlamentares e o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.