Falta de vontade política atrasa reforma tributária

09 Mai 2007
A Associação dos Fiscais de Tributos Estaduais do Rio Grande do Sul (Afisvec) realizou no final de semana passado, em Bento Gonçalves, o nono encontro da classe. Com a participação de personalidades como a governadora do Rio Grandeo do Sul, Yeda Crusius, o secretário estadual da Fazenda, Aod Cunha de Moraes Junior, o ex-governador Germano Rigotto e o deputado federal Beto Albuquerque (PSB-RS), o encontro abordou o tema Receitas Estaduais e Federalismo - É Possível Harmonizar? Entre outros tópicos, foram discutidos o pacto federativo, a reforma tributária, gestão administrativa e as atribuições e dificuldades do fisco gaúcho. Luziane Medeiros, de Bento GonçalvesA discussão sobre a reforma tributária e o pacto federativo mobilizaram grande parte das atenções durante o do 9º Encontro Estadual do Fisco Gaúcho. Unanimidade entre os participantes, a falta de vontade política é apontada por todos como o motivo para que as mudanças não tenham sido concretizadas. "Este é o momento ideal para que a reforma seja feita. Lula não concorre à reeleição, tem respaldo popular, o Congresso Nacional foi renovado e, infelizmente, estamos perdendo a oportunidade de avançar nesta questão", afirma o ex-governador Germano Rigotto, que debateu sobre o tema com o deputado federal João Eduardo Dardo (PDT-SP). Rigotto vem participando de várias reuniões sobre a reforma juntamente com o governo e espera a ajuda de entidades e contribuintes para a formatação do projeto que será encaminhado ao Congresso Nacional. "Até aqui, vi apenas movimento do Executivo, não presenciei ações do Congresso para entrar no debate. O apagão aéreo merece atenção, mas este é o ano para fazermos as reformas tributária e política. A Câmara e o Senado não têm demonstrado ações concretas neste sentido", critica o ex-governador. O deputado federal concorda com Rigotto que esta é a hora certa para que a reforma seja concretizada e diz que ela deve produzir a redução das contribuições que não são compartilhadas pela União com os estados e municípios. "O governo federal fica com 60% das receitas tributárias, estados com aproximadamente 25% e municípios com 15%. A União transferiu responsabilidades e serviços, esquecendo-se de repassar os recursos necessários para que estados e municípios os mantenham. O tributo caminha por longas jornadas, nas quais se perde, e precisamos reverter isso", diz Dardo . Para ele, a redução do número de contribuições existentes no País é essencial. "Não é possível que freqüentemente sejam criados novos impostos. O governo está tentando prorrogar até 2012 na Câmara Federal a cobrança da Desvinculação de Recursos da União (DRU) e da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Os recursos provenientes delas não são compartilhados pela União, são aplicados onde o governo quer. Servem ao capital e não à população", explica. A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, diz que a intenção, ao cobrar a reforma tributária e o pacto federativo, é que os impostos arrecadados em um estado ou município, por exemplo, recebam recursos em retorno. "Não podemos deixar que eles se percam nos caminhos do Brasil", diz. O deputado federal Beto Albuquerque (PSB-RS), palestrante no painel Receitas Estaduais e o Contexto Federativo, diz que o governo abriu um novo debate para discutir o que deve ser incluído na reforma tributária. Ele citou a criação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) como uma alternativa para a sua realização. O ex-governador Germano Rigotto diz que a questão da redistribuição das contribuições sociais faz parte do novo pacto federativo. "Quando estados como São Paulo e Minas Gerais estabelecem em zero a alíquota sobre o arroz, sem ao menos produzirem o grão, estão impactanto diretamente sobre os que são produtores. Ações deste tipo devem ser combatidas. A guerra fiscal não está resolvendo a desigualdade social. Estados do Nordeste, que deram incentivos para empresas do setor coureiro-calçadista, hoje não têm mais condições de mantê-los." Ele sugere a criação de projetos regionais que não signifiquem apenas o repasse de dinheiro, mas sim de ações que levem ao desenvolvimento.Governo gaúcho acredita na harmonização das receitasA governadora Yeda Crusius diz que é possível harmonizar as receitas dos estados e o sistema federativo. "Há uma excessiva concentração de receitas na União, em detrimento de estados e municípios." Yeda afirma que o ímpeto descentralizador da Constituição de 1988 não levou em consideração que poderia ser criada uma redistribuição regional injusta da receita tributária. "Com o pretexto de corrigir distorções de algumas regiões em relação às outras, estados foram prejudicados."Levantamentos recentes mostram que os governos da região Norte obtiveram repasses em torno de R$ 360,00 por habitante, enquanto a região Sul recebeu R$ 180,00 por habitante. No caso da Previdência, ela lembrou que o Nordeste participa com 8% da receita e responde por 20% da despesa. Em relação ao PIB, o montante de benefícios previdenciários pagos representa 6% em regiões como o Rio Grande do Sul. No Nordeste, o índice chega a 10% do PIB. "Este é mais um exemplo do injusto tratamento que estamos recebendo", diz a governadora. O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Aod Cunha, participou do encontro falando sobre a gestão de receita orçamentária. Aod afirmou que o ajuste fiscal é de extrema importância para o Estado, uma vez que não existem mais os instrumentos que em outras épocas financiaram o déficit estrutural ao longo dos últimos 36 anos. "A rede de gastos não cabe na estrutura das receitas, esse é um fato importante a enfrentarmos." Ele explicou que um dos motivos do desajuste estrutural que o Estado enfrenta é por ter uma das menores relações entre ICMS e PIB. "A carga tributária estadual é baixa em relação ao PIB quando se compara com outros estados." Aod lembra que o Rio Grande do Sul possui uma das melhores estruturas de arrecadação e fiscalização do País. "Temos um dos níveis mais baixos de inadimplência", diz. Segundo ele, o governo busca ampliar as ações de fiscalização e de combate à sonegação. São necessárias também medidas para reduzir a pressão da dívida que, no mês de julho, deve ficar em R$ 190 milhões.O diretor da Receita Estadual, Júlio Grazziotin, destacou o projeto do governo gaúcho de consolidar a modernização do Fisco. "Cabe ao gestor aplicar a lei, com o máximo de receita e menor custo." A autonomia do Fisco também faz parte do processo de modernização para garantir que os serviços de administração tributária sejam oferecidos com qualidade. Implantação da Nota Fiscal Eletrônica agiliza os processosO coordenador do projeto nacional da nota fiscal eletrônica, Eudaldo Almeida de Jesus, destacou a importância da implantação do mesmo. O novo sistema reduz custos, simplifica e agiliza os processos. É considerado um dos caminhos para a transformação da realidade tributária no País, ao emitir e armazenar, digitalmente, as transações comerciais entre empresas de diferentes unidades da federação, compartilhando informações sobre os impostos entre estado origem, estado destino e Receita Federal. Conforme ele, a implantação da NF-e está sendo massificada com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) proposto pelo governo federal. Jesus lembra que o Rio Grande do Sul é o campeão em emissões de NF-e, com 300 mil já autorizadas. "O Fisco, com muita garra, vem construindo a NF-e. Ele deve agir como órgão de estado, fazendo cumprir a lei e atuando com uma certa independência", defende. Além da NF-e, Jesus cita o projeto desenvolvido com o objetivo de evitar a adulteração das NF-e e sonegação de impostos. O passe fiscal, elaborado por fiscais da Bahia, está sendo usado em 19 estados brasileiros, inclusive o Rio Grande do Sul. Ele funciona nos postos de recolhimento de impostos nas divisas dos estados. "Os motoristas de caminhões apresentam o passe na entrada e saída dos estados. Com ele é possível reduzir o tempo de espera nos postos de fronteiras. Isso acontece porque as secretarias da Fazenda integradas ao projeto já dispõem das notas informando sobre as mercadorias transportadas."Auditor fiscal da Secretaria da Fazenda da Bahia, Jesus diz que o desenvolvimento do chamado governo eletrônico deve ser intensificado com a criação de novos serviços. Ele acredita que a criação de sites que não sejam apenas informativos mas que possibilitem acesso a vários serviços proporcionarão maior facilidade aos contribuintes em geral. "A tecnologia da informação deve ser usada intensivamente em suporte à administração tributária." A integração entre os fiscos dos estados é outra medida defendida por Jesus para fortalecer a cooperação fiscal. Classe enfrenta escassez de pessoalA nomeação dos 45 agentes fiscais, aprovados em concurso público em 2006 e feita na semana passada, não resolve a falta de funcionários no setor. A afirmação é do presidente da Associação dos Fiscais de Tributos Estaduais do Rio Grande do Sul (Afisvec), Renato Salimen. "A busca pela redução das despesas por parte do governo estadual tem deixado de lado a oxigenação do quadro de pessoal, fazendo com que, das 1,1 mil vagas previstas na legislação para o Fisco gaúcho, tenhamos 685 ocupadas atualmente, restando 415 para adequar-se." Cidades como Pelotas, Bagé e Uruguaiana apresentam a maior deficiência em seus quadros de fiscais. "Todas as regiões estão no seu limite, inviabilizando transferências de um município para outro. A falta de fiscais reflete no trabalho e atendimento prestados aos contribuintes", lamenta. A entidade encaminhou pedido ao governo para a realização de um novo concurso público que possa preencher o restante ou parte das vagas existentes. Salimen lembra que o processo demanda tempo. "Entre a realização das provas e a nomeação propriamente dita, perde-se mais um ano", diz. A governadora Yeda Crusius reconhece a importância do setor para o desenvolvimento do Estado, mas diz que, em função da situação atual das contas públicas, não há previsão para nomeação de mais servidores. "O Fisco é questão relevante para o Rio Grande do Sul consolidar seu crescimento, e o trabalho dos agentes influencia para o alcance deste objetivo." Além da reivindicação da realização de novo concurso, Salimen diz que a associação entregou à Yeda e ao ex-governador Germano Rigotto um documento com as sugestões da Afisvec para um modelo de reforma tributária, elaborada a partir de estudo feito juntamente com outras entidades. "O que atrasa a reforma tributária é a vontade política. Na hora de fazê-la, discute-se o que deve ser feito, e o governo federal acaba por fazer nada. A partir de uma mobilização conjunta de vários setores, acreditamos que será possível caminhar rumo ao pacto federativo e às mudanças no sistema para a reforma tributária", afirma. Salimen comemorou o êxito do encontro e destacou a participação dos novos agentes fiscais nomeados. "Foi importante que eles tiveram a oportunidade de discutir os temas de interesse da classe no início de suas carreiras." Participaram do evento 300 agentes tributários, entre ativos e inativos do Rio Grande do Sul, além de representantes dos estados da Bahia, Ceará, Amazonas, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal.