Assédio moral: servidores devem lutar por dignidade no trabalho
A DEN e as DSs de Curitiba, São Paulo, Limeira (SP) e Campinas (SP) participaram ontem de uma videoconferência em que foram discutidas formas de combate ao assédio moral, problema que afeta servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada em todo o Brasil. O evento celebrou o Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral, 15 de maio, instituído pelo Conselho de Delegados Sindicais. Na videoconferência, o ex-prefeito de Iracemápolis João Renato Alves, autor da primeira lei de combate ao assédio moral no país, fez um histórico de sua luta contra o assédio moral e sugeriu uma série de ações para o combate desse mal na sociedade brasileira. João Renato Alves contou que foi vítima de assédio moral quando trabalhava na iniciativa privada em 1994. À época, não havia qualquer punição na legislação brasileira. “Em 2000, apresentei projeto com base na experiência que vivi”, conta João Renato Alves. O ex-prefeito de Iracemápolis participou da videoconferência direto da sede da Delegacia Sindical do Unafisco em Limeira (SP). Autor do livro Assédio Moral, Dando a Volta por Cima (2000), João Renato Alves diz que lutar contra o assédio moral é lutar “pela dignidade” no trabalho. Permitir ou fechar os olhos ao problema, continua o ex-prefeito, é estimular “a humilhação” dos trabalhadores. João Renato Alves disse ainda que oito projetos tramitam no Congresso Nacional sobre o assunto. Todos já passaram pelas comissões e podem ir a plenário a qualquer momento. O surgimento de uma lei específica, apesar de ser um desejo dos servidores públicos, é também motivo de preocupação para o autor da primeira lei sobre assédio moral no Brasil. Para ele, a lei só será eficiente se levar em consideração a jurisprudência sobre o assunto, bem mais abrangente que os projetos em tramitação no Congresso. Por isso, João Renato Alves sugere que o grupo de trabalho parlamentar do Unafisco e de outras entidades dos servidores do serviço público reúna toda a jurisprudência e repasse para os parlamentares. “Se isso não for feito, teremos prejuízo”, alerta. Em 2002, o assédio moral passou a ter jurisprudência em uma sentença do Espírito Santo, ampliada em outros tribunais em todo o Brasil. A diretora de Estudos Técnicos do Unafisco, Clair Hickmann, que representou a DEN na videoconferência, lembrou que o assédio moral vem sendo discutido pelos auditores-fiscais desde os Conafs de 2000 e 2002 em teses submetidas à aprovação da categoria (disponíveis no banner especial sobre o debate no site do Unafisco). Disse, também, que o tema é de grande interesse para os AFRFs. “Sentimos no dia-a-dia o assédio moral e, às vezes, não percebemos. Há dificuldade de identificar e saber o que fazer”, afirmou Clair Hickmann. O presidente da DS/Limeira, Roberto Andrade, disse que, ao aprovar o Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral, no CDS, os auditores tinham em mente os problemas que decorrerão do processo de fusão da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária, em andamento. ”No serviço público, na SRF, como em qualquer órgão, o assédio é persistente. Temos de desmistificar no dia-a-dia e conscientizar colegas que são vítimas e colegas que são agressores. O problema existe e não podemos ficar calados”, concluiu. Perseguição e denúncia anônima no sul Um dos mais emblemáticos casos de assédio moral dentro da Receita Federal foi vivido pelos AFRFs Wilson Torrente, ex-presidente do Conselho de Delegados Sindicais (CDS), e Edson Araújo, ex-secretário-geral do Sindicato. Em 1998, após se recusar, juntamente com outros dois colegas, a diminuir o valor do auto de infração de uma empresa, Edson passou a ser perseguido sistematicamente pelo então delegado da Receita Federal em Florianópolis, Janir Cassol. Usando até mesmo o expediente da denúncia anônima, Cassol aproveitou-se da função de confiança para submeter os colegas a uma série de situações constrangedoras. Reservar apenas empresas de menor porte para fiscalização dos AFRFs, transferi-los para o plantão fiscal ou para o setor de arrecadação foram algumas das estratégias usadas por ele para “punir” os colegas. “Ele fazia isso de maneira sutil, como se estivesse apenas exercendo suas prerrogativas de chefe, o que dificultava a caracterização do assédio, até porque quem saísse em nossa defesa também era perseguido”, afirmou Edson Araújo. Foi o que aconteceu com Wilson Torrente, que saiu em defesa dos colegas, e com Carlos André Nogueira, então presidente da DS/Florianópolis. Durante o período em que chefiou a Receita, Cassol tinha como marca a perseguição a servidores, notadamente aqueles que exerciam atividade sindical. Muitos colegas foram transferidos por ele para cidades do interior de Santa Catarina, e alguns chegaram a pedir demissão da Receita para não se mudarem de Florianópolis. Acuado por denúncias de favorecimento a empresas, entre 2002 e 2003 ele resolveu apelar: encaminhou ao Ministério Público Federal (MPF) cartas apócrifas acusando os colegas de vários crimes, entre os quais o de cobrar propina de empresários durante fiscalizações. As acusações eram falsas e, graças ao empenho do procurador da República, Marco Aurélio Aydos, o Ministério Público conseguiu provar que Cassol era o autor das denúncias anônimas. Um exame grafotécnico constatou que era de Cassol a caligrafia da "assinatura" - com codinome - numa das cartas. Com base nesse laudo, a Justiça autorizou uma operação de busca e apreensão na casa do ex-DRF, quando computadores e documentos foram apreendidos pela Polícia Federal. O procurador Aydos constatou que Cassol teria "se aproveitado da função de confiança que exercia na Receita e utilizado informações sigilosas para dar um caráter mais real às falsas denúncias". Para o procurador, "os elementos apurados demonstraram que o ex-delegado agiu por motivos de vingança e ambição". A perseguição durou até 2003, quando a Justiça Federal de Santa Catarina condenou o AFRF e ex-DRF em Florianópolis, Janir Cassol, às penas de reclusão, detenção e multa, com perda do cargo público, pelos crimes de denunciação caluniosa e violação de sigilo funcional. Para Edson Araújo, a sentença comprova a sua inocência e é uma demonstração de que a Justiça foi feita. “Ela demora um pouco, mas neste caso veio. Esse reconhecimento sempre é bom”, afirmou. Edson Araújo lamenta, no entanto, que a imprensa não tenha dado o mesmo destaque quanto deu na época em que as denúncias anônimas foram feitas. “Embora eu tivesse a consciência tranqüila e o apoio dos meus amigos e familiares, não é boa a sensação de ser massacrado pela imprensa”, comentou. Na época em que as cartas de Cassol foram enviadas à imprensa e ao Ministério Público, Edson Araújo tinha sido indicado pela senadora Ideli Salvati (PT-SC) para ocupar a Superintendência da Receita Federal na 9ª Região Fiscal, que engloba o Paraná e Santa Catarina. Os colegas que se sentiram atingidos processaram Cassol por danos morais. No caso de Edson, no início deste ano a Justiça deu ganho de causa à ação em primeira instância, determinando o pagamento de uma indenização de R$ 130 mil.