Os piratas que se cuidem...
Uma bem-sucedida parceria entre Estado e empresas tira o Brasil da lista de paraísos da falsificação de produtos e do software ilegalR$ 30 bilhõesé quanto a economia brasileira perde a cada ano para os negócios da pirataria Se há uma guerra que o brasil tem vencido, é contra a pirataria. Em 2006, o total de produtos apreendidos por falsificação no país superou a casa dos R$ 870 milhões - um salto de 46% em relação ao ano anterior. Entram nessa conta de remédios a calçados, passando por aparelhos eletrônicos e peças de automóveis. O aumento no total de apreensões poderia significar que há mais mercadorias falsas à venda, mas ocorre o contrário. Há dois anos, de todos os CDs e DVDs vendidos no Brasil, 59% eram piratas. Hoje, são cerca de 40%. Na semana passada, a Business Software Alliance divulgou que a porcentagem de programas de computador ilegais usados no Brasil é a menor dos últimos quatro anos. Números da polícia mostram que a repressão às quadrilhas que lucram com a pirataria tem sido mais eficaz. Em 2004, apenas 39 pessoas haviam sido presas por esse crime no Brasil. Em 2005, foram cerca de 1.200. O que explica esse êxito? A resposta leva a dezembro de 2004, quando foi criado o Conselho Nacional de Combate à Pirataria. O órgão, ligado ao Ministério da Justiça, reúne integrantes das polícias Federal e Rodoviária, da Receita e das empresas mais prejudicadas por esse tipo de crime. A estratégia do Conselho tem seguido três diretrizes bem claras. Uma é apertar a fiscalização nas fronteiras, nos portos e aeroportos, para impedir a entrada de contrabando. Outra, atacar as linhas de produção que existem no país. Em 2005, foram fechadas 109 fábricas clandestinas que produziam algum tipo de produto pirata. Em 2006, foram 145, quase 40% a mais. Por fim, em vez de apenas apreender mercadorias no varejo, polícia e Receita Federal agora miram as grandes quadrilhas que atuam na pirataria, desarticulando sua estrutura financeira. Em alguns casos, o patrimônio dos contraventores é bloqueado. ROLO COMPRESSORDestruição de CDs e DVDs de origem ilegal em São Paulo. A proporção dos pirateados caiu de 59% para 40% Os resultados já foram percebidos fora do país. No fim de abril, um documento elaborado pelo escritório de representação comercial dos Estados Unidos retirou o Brasil da "lista negra" de países que exigem maior atenção no que diz respeito à pirataria. Em 2005, o relatório, chamado Special 301, equiparava o Brasil à China e à Rússia. Agora, a cotação brasileira é a mesma do Canadá e da União Européia. Sair da lista não melhora da noite para o dia as relações comerciais com os Estados Unidos, mas é uma vantagem competitiva em relação a Rússia, China e Índia, os outros emergentes do grupo batizado de Bric. Além de favorecer as exportações, o respeito à propriedade intelectual pode atrair investimentos de fabricantes que priorizam negócios nos quais existe combate à pirataria. "Sair da lista ajuda o Brasil a negociar com mais igualdade, a exigir regras. Os parceiros comerciais nos respeitam mais se nós cumprimos as normas internacionais", diz Luiz Paulo Barreto, secretário-executivo do Ministério da Justiça e presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria. Tão importante quanto a mudança de atitude em relação à pirataria é divulgá-la: o governo passou a elaborar relatórios sobre as ações desenvolvidas no combate à pirataria e a apresentá-los em congressos internacionais para representantes dos governos dos Estados Unidos e da Europa. Para combater essa forma de crime organizado, a Polícia Federal modernizou a delegacia fronteiriça de Foz do Iguaçu e construiu outra em Cascavel, na mesma região do Paraná. Melhorou o intercâmbio de informações com a Interpol (a polícia internacional) e as polícias dos países do Mercosul. Há oito meses, a Receita inaugurou um posto aduaneiro para controle das pessoas que atravessam a Ponte da Amizade. O maior rigor na fiscalização provocou protestos dos comerciantes paraguaios. A medida, segundo Barreto, provocou uma queda de 70% na entrada de produtos ilegais por aquela fronteira. A Polícia Rodoviária Federal incluiu a pirataria na lista de itens verificados em abordagens na estrada. Com isso, o número de apreensões de CDs e DVDs nas rodovias saltou de 450 mil em 2004 para 7,3 milhões em 2006. R$ 870 milhõesem mercadorias piratas foram apreendidos no brasil, em mais de mil operações, em 2006 Apesar de todas essas conquistas, brinquedos e roupas falsificados continuam fáceis de achar em shoppings populares. Camelôs vendem CDs, jogos eletrônicos, programas de computador e DVDs com filmes que acabaram de estrear nos cinemas. Sinal de que a demanda continua alta, apesar da repressão. "As mercadorias falsificadas movimentam R$ 56 bilhões no Brasil. Com elas, a economia brasileira perde R$ 30 bilhões e 2 milhões de empregos formais deixam de existir", diz Antonio Borges Filho, diretor-geral da Associação Antipirataria Cinema e Música, entidade criada oficialmente em abril e que reúne os interesses de dois setores que antes combatiam a pirataria isoladamente. A união de esforços é estratégica, uma vez que música e filmes são pirateados de forma semelhante, em CDs e DVDs com a mesma procedência e à venda nos mesmos pontos. Por trás de cada ambulante que vende CDs piratas há uma cadeia de produção que, estima-se, lucra mais que o narcotráfico: US$ 522 bilhões por ano no mundo todo, contra US$ 360 bilhões dos traficantes. Uma das razões é que, ao contrário do que acontece com as drogas, o consumo de produtos falsificados não é visto como tão condenável. "Ao comprar um CD pirata, o consumidor percebe a vantagem financeira imediata, e não que está cometendo um crime", diz Borges Filho. Para mudar essa percepção, o governo pôs no ar campanhas de conscientização. Na semana que precedeu o Dia das Mães, um anúncio de rádio alertava os consumidores quanto aos riscos de comprar produtos piratas. Uma campanha parecida havia sido feita antes do Natal. "Neste ano, gastamos R$ 750 mil com as inserções nas rádios", afirma Luiz Paulo Barreto, do Conselho Nacional de Combate à Pirataria. Além do consumidor, o Ministério da Justiça tem procurado conscientizar os agentes da fiscalização. Na Receita, fiscais têm sido treinados para identificar produtos falsificados. Grupos de 50 fiscais são reunidos em cursos de dois ou três dias, em várias cidades do país. Além de aprender a diferença entre o original e a cópia ilegal, saem das aulas compreendendo melhor o papel que exercem no combate a essa modalidade de crime.