Ajuris gaúcha abre guerra contra a corrupção

11 Jun 2007
Consciente de que é preciso evitar a contaminação generalizada do poder judiciário, em especial dos juízes, nos casos de corrupção e desvios de conduta profissional, a presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Denise Oliveira Cezar, à frente da instituição que congrega os magistrados gaúchos, entende que a perda de credibilidade é um sério problema a ser enfrentado pela sociedade. Depois da entidade ter se mobilizado conjuntamente com outros órgãos públicos e privados, no dia 1 de junho, ela destaca que a Ajuris está fazendo a sua parte, posicionando-se frontalmente contra a prática da corrupção. A juíza também explica como é possível, com a aplicação de algumas medidas, aliadas a uma ação intensiva de educação, combater essa chaga que, a cada dia, contribui para a desagregação das estruturas públicas brasileiras.Jornal do Comércio - O que motivou a Ajuris a realizar o ato público do dia 1 de junho?Denise de Oliveira Cezar - O que motivou a Ajuris foi a sucessão de escândalos envolvendo agentes políticos e autoridade políticas, enfim, ao longo destes últimos anos se tem visto um número muito grande e preocupante de escândalos envolvendo até mesmo membros do Poder Judiciário, gerando, de certa forma, uma sensação de intranqüilidade na sociedade, de descrença nas instituições republicanas e nos poderes. Isso reflete em um índice bastante baixo de credibilidade institucional e, mais do que nunca, é preciso resgatá-la. Ao mesmo tempo a Ajuris, pela sua trajetória de um envolvimento sempre muito presente na afirmação dos valores éticos na conduta dos magistrados, se vê na obrigação de dar uma resposta à sociedade. Dizer muito claramente à sociedade do Rio Grande do Sul que a magistratura considera intolerável a corrupção e que não está confortável com essa situação. Queremos que a lição de casa seja feita pelo Poder Judiciários e pelos demais, e que a sociedade cobre ativamente essa conduta de todos os agentes políticos.JC - Apesar das várias mobilizações, de todos os poderes, tentadas ao longo da história, o que garante que agora as ações podem dar certo?Denise - Na verdade é muito pretensioso, mas talvez a corrupção não esteja aumentando e sim tornando-se mais visível. De alguma forma as nossas instituições estão mais aparelhadas para o exercício de meios investigatórios para poder verificar a ocorrência da corrupção. Quem pode nos garantir que não havia tanta corrupção quanto está se vendo agora, mas que apenas ela não era investigada, seja por falta de vontade política ou por não haverem estruturas aparelhadas para fazer frente a estas investigações? Acredito que a sociedade não possa ter nenhuma garantia que agora será melhor. Ela tem que fazer a exigência para que assim seja. O Falconi, quando divulgava a Operação Mãos Limpas, costumava dizer que no combate à corrupção são necessários basicamente três fatores: o primeiro deles é a presença de uma estrutura legislativa capaz de propiciar a investigação e a apuração dos fatos; que haja vontade política daqueles que orientam as instituições públicas, ou seja, polícia, Ministério Público e Poder Judiciário para que estas punições sejam feitas com serenidade e rigor; que haja a consciência da sociedade, que deve partir dela a cobrança por parte das instituições públicas para que a lei seja aplicada e para que haja uma vontade política prioritária no combate à corrupção. A sociedade não pode ter nenhuma garantia de que agora vai ser melhor. Ela tem que lutar para que doravante as investigações sejam regulares, para que continuem sendo cada vez mais transparentes, que todas as instituições sejam fiscalizadas pelas suas instâncias internas, para que os processos sejam efetivos e para que haja a recuperação dos desvios públicos nesses processos. Enfim, que a conduta dos agentes políticos seja exemplar, apta não só a punir, mas servir como prevenção. JC - Mesmo na Itália esse processo acabou retornando. Isso não mostra que Falconi estava equivocado?Denise - O ser humano tem uma tendência natural à transgressão. O que procura resolver esse processo é a educação, ou seja, voltada para valores éticos fundamentais que ensine cidadania. É isso capaz de assegurar à sociedade um afastamento da corrupção. Nada vai nos tornar absolutamente incólumes aos vícios da natureza humana. É verdade que eles continuam preocupados com a corrupção na Itália. No entanto, o que temos que considerar é que eles conseguiram diminuir significativamente a influência da máfia sobre as estruturas públicas. A corrupção continua existindo e continuará onde houver uma estrutura social formada por homens. O que temos que ter é uma definição política de que a coibição da corrupção é uma prioridade para o Estado. Para isso é preciso instrumentos legais que instrumentalizem a devida punição daqueles que cometem as infrações administrativas. Além de tudo isso é preciso a permanente luta da sociedade pelas instituições de valores éticos. É preciso fomentar os valores éticos em nossas famílias e em nossa comunidades e não a competição a qualquer custo. A sociedade tem que estar consciente de que devemos extirpar o patrimonialismo de nossa cultura, assim como toda a tendência que seja antidemocrática e que não promova a transparência na administração pública. Se nós não associarmos essas duas iniciativas vamos perder a luta contra a corrupção e a impunidade. JC - Quando a senhora afirma que nenhuma autoridade é intocável e todos estão ao alcance da lei, não há uma contradição com os que são passíveis de foro privilegiado e a aplicação da lei sobre o cidadão comum?Denise - O foro privilegiado em si não é um fator de impunidade. Ele foi instituído para proteger o cidadão, as instituições e a própria democracia. O que é prejudicial democracia, ao combate à corrupção e, por isso, acaba por gerar a impunidade é a extensão do foro de forma irrazoável, como está sendo proposta pela PEC 358. Contrário ao combate à corrupção é pretender se afastar do âmbito da abrangência da lei de improbidade administrativa dos agentes políticos, pois todos sabemos que os Tribunais Superiores, que têm a competência para exercer a jurisdição nestes casos em que o agente político tem a prerrogativa de foro, não tem condições de dar conta de um número tão grande de processos. Eles só não têm condições de dar conta dessa competência, como não estão aparelhados para isso. Por isso nós nos somamos às iniciativas da Associação dos Magistrados Brasileiros para cobrar do Poder Judiciário, em todos os âmbitos, que adote como uma política a especialização de varas para a apuração desses delitos envolvendo agentes políticos, ou que dizem respeito ao patrimônio público. Aqui no Rio Grande do Sul temos um exemplo do quanto isso é oportuno e vem ao encontro do interesse da cidadania. É o caso de uma câmara especializada no julgamento de prefeitos. Experiências como essa e as varas federais especializadas em crimes de lavagem de dinheiro. Portanto, experiências de especialização deveriam ser adotadas como política judiciária no âmbito de todas as esferas. Devido a essas condições parcas, de dar conta dessa demanda, entendemos que é necessário um mutirão para o julgamento desses projetos. Que esses tribunais superiores convoquem juízes auxiliares para que a resposta possa ser dada em tempo hábil. Dessa forma não se criará dentro da sociedade uma idéia de impunidade, que é tão nociva quanto a de corrupção. JC - Qual a sua opinião sobre a legislação atual, no que tange a aplicação de recursos públicos? É preciso mudá-las ou o que falta é fiscalização por parte das estruturas criadas para tal fim com o TCU e os TCEs e CGU?Denise - A legislação é boa e pode ser eficiente, tanto a lei de responsabilidade fiscal, como a lei de licitações têm instrumentos que dão condições para que o agente administrativo possa ter um controle sobre o processo que está sob sua responsabilidade. A idéia é que cada vez mais se deva utilizar os meios eletrônicos nas compras, porque pela simultaneidade das ofertas impedem a formação de cartéis que eventualmente ocorrem nas licitações. Temos também a idéia de que devem ser intensificados os controles dos tribunais de contas, de tal forma que eles não se restrinjam às prestações de contas que são apresentadas pelos agentes políticos. Mas que eles avaliem também os processos de onde se derivam estas prestações. Os tribunais de contas e as controladorias da União e dos estados são órgãos extremamente eficientes e bem aparelhados. Da mesma forma entendemos que deveria ser revisto o sigilo que envolve os processos e verificação de contas. Vivemos em uma época em que se exige a mais absoluta transparência quanto aos atos públicos. Entendemos que, embora o sigilo, nesses procedimentos, tenha sido instituído pela proteção à credibilidade da autoridade pública, de alguma forma acaba não servindo, tão-somente, a esta finalidade. JC - O processo de indicação, ou seja, o vínculo do Legislativo e do Executivo com os Tribunais de Contas não atrapalha?Denise - Entendemos que esses processos, sejam relativos aos membros dos tribunais superiores, que em alguma medida sofrem alguma influência pelo fato dessas indicações serem feitas pelo presidente da República, ou nos tribunais de contas, poderia ser, de alguma forma, aprimorado. Como é o caso do Rio Grande do Sul, onde o ingresso dos conselheiros do Tribunal de Contas assegura que, posteriormente, eles possam exercer com independência a sua função. É claro que os tribunais de contas estão vinculados aos Executivos, mas cada vez mais eles são independentes e autônomos. Essa vinculação é apenas de origem e não de exercício. Talvez se pudesse aprimorar alguns critérios de escolha para assegurar essa independência. Contamos com algumas ações que blindam os membros das cortes dos tribunais de contas e ministros, no caso do Tribunal de Contas da União, de influências políticas. Talvez na indicação pudesse se fazer um aprimoramento para garantir de forma terminativa essa intenção. JC - Muitos legisladores estão destacando que os políticos são a representação exata do que se tem na nossa sociedade, portanto, podemos concluir que a sociedade sofre do mal da corrupção e acaba atingindo legisladores, administradores e até o Judiciário?Denise - Se não mantivermos a esperança de que seja possível romper esse círculo vicioso estaremos desacreditando na democracia brasileira. A magistratura do Rio Grande do Sul acredita que é possível romper e que, embora haja corrupção no tecido social brasileiro esta não é endêmica. Há diversos espaços, não só no âmbito da sociedade civil, que não estão contaminados pela corrupção, como também há um grande espaço na área pública não-contaminado. É uma injustiça muito grande com os brasileiros e com os parlamentares quando se diz que o brasileiro tem o político que merece, com isso dizendo que o político que se merece é o corrupto. É uma injustiça muito grande por que não são todos os políticos corruptos, assim como o brasileiro não é, endemicamente, corrupto. Assim como se generaliza em relação aos magistrados, também se é injusto com as demais instituições. JC - Como a senhora está vendo a atuação da Polícia Federal?Denise - Acredito que não foi de uma hora para outra que a polícia passou a fazer essas operações. Temos conhecimento de que se estabeleceram convênios de cooperação entre a Polícia Federal, Justiça Federal, Ministério da Justiça e convênios internacionais que visavam a capacitação dos nossos agentes públicos, dos nossos policiais federais, juízes e promotores, no sentido de habilitá-los a lidar com uma nova forma de criminalidade com a qual nós todos não estávamos acostumados. Esses convênios geraram condições de investigações inteligentes, que não só são aptas aos delitos mais comuns, mas também esses que envolvem sofisticação tecnológica. Esses resultados se devem à capacitação da Polícia Federal, Ministério Público e de uma perfeita integração entre esses agentes políticos e o Poder Judiciário, que acolhe essas investigações, defere as prisões temporárias, as escutas ambientais, as buscas e apreensões, as interceptações telefônicas. Dado isso, encaminham os resultados desses inquéritos ao Ministério Público, que depois as processa sempre observando o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. É certo que de alguma forma a atividade pública e o espetáculo não se combinam. Muitas vezes um certo alarde em torno de determinadas investigações acaba preocupando todos nós que temos um compromisso com a presunção de inocência e a descrição da investigação. Agora o que infringe a lei, os direitos de privacidade, deveres de sigilo e todas as garantias que a constituição dá a todo cidadão, seja rico ou pobre, seja agente político ou uma pessoa qualquer, não deve ser tolerado. JC - Dizem que as autorizações para as escutas telefônicas, por exemplo, têm sido concedidas após elas terem sido efetivamente realizadas? O que a senhora sabe a respeito disso?Denise - Essas são especulações. Não temos conhecimento oficial de que tenha havido esse tipo de conduta. Se de fato houve, não é compatível com a estrutura normativa vigente. A escuta deve ser previamente solicitada ao magistrado, que deve deferi-la para o futuro e não, absolutamente, para o passado. Se de fato, esse tipo de situação houve, isto representa uma infração à legislação vigente e, mais grave do que tudo, coloca em risco a validade das provas obtidas. Pode gerar uma frustração na sociedade, pois se obtidas por meio ilícito jamais poderão se prestar como provas em um processo criminal. Aí, ao invés de se estar combatendo à corrupção, a impunidade estará ocorrendo ao contrário.