Os novos heróis do Brasil
Paulo Sant´ana 12/06/2007 Os novos heróis do BrasilA mais formidável sucessão de operações policiais da história do Brasil - Xeque-Mate, Navalha, Hurricane - está por ser obscurecida por uma operação que tem o potencial de acabar com todas as suas antecessoras. Ela atende pelo famigerado nome de Operação Abafa. Esta operação não prende. Em vez disso, oculta algemas, dificulta escutas telefônicas e torna menos eficaz a coleta de provas. Sorrateira, a Operação Abafa se infiltra nos gabinetes do Executivo, do Congresso, do Judiciário e até na imprensa, com a idéia de que a PF está indo longe demais. O objetivo final não ousa dizer seu nome: frear o ímpeto com que, pela primeira vez desde onde a memória alcança, corruptos e corruptores vêm sendo empurrados para o córner no Brasil. Não que as operações em si tenham ou terão o poder de manter corruptos na cadeia. Que ninguém se iluda. Em um país onde um ex-ocupante de cargo idêntico ao meu, o ex-diretor de Redação de O Estado de S. Paulo Pimenta Neves, mata pelas costas uma repórter e segue livre, não há muito o que se esperar em termos de justiça terrena. Com tal cipoal de leis, recursos e chicanas legais, somados a questionáveis direitos disso e daquilo, bons advogados tiram quase todo mundo de trás das grades. O grande mérito das operações da PF não é, portanto, fazer os corruptos amargarem longas penas. É, sim, criar a sensação de que todos devem pensar duas vezes antes de delinqüir. O sujeito que frauda a licitação, que belisca uma propina, que suborna o funcionário pode não apodrecer em um presídio. Mas a perspectiva de ver seu manto social corroído por uma gravação comprometedora reproduzida no Jornal Nacional guarda a mais poderosa força inibidora da sociedade: a vergonha diante de amigos e parentes. Imagine alguém que por anos ergueu sua rede social sobre dinheiro sujo ver, de uma hora para outra, desmantelada sua vida cotidiana. É de vergonha que o Brasil - individual e coletivamente - precisa. Não foi por isso que sempre clamamos? É esta dose de vergonha que a PF passou a servir à nação diariamente, e é a ela que as forças da reação e da corrupção começam a se opor. Na semana passada, ao comentar a Operação Xeque-Mate, o presidente Lula expressou o melhor conselho que alguém podia dar a familiares, amigos e brasileiros em geral: o sujeito que não quer ser importunado pela PF não deve se meter em encrenca. Grande sabedoria - pena que tenha durado o tempo exato de o presidente constatar o tamanho da encrenca em que seu irmão e um compadre haviam se metido. Pisado no calo, Lula passou a criticar o vazamento das investigações - mais um a favor de trancafiar a vergonha. E olha que Vavá nem era personagem novo: em 2005, no auge do affair Marcos Valério, o irmão trapalhão foi apresentado publicamente - inclusive por ZH - como adepto do tráfico de influências na Esplanada dos Ministérios. Além de prevenir a incineração de uma enorme quantia de dinheiro público, as operações da PF devem entrar para a história também por mais uma notável razão. Elas fizeram o país descobrir que há uma rede de homens de bem no serviço público, anônimos servidores dispostos a bloquear a sangria da corrupção e mudar a escrita. São muitos, e estão na própria PF, nos Ministérios Públicos, no Judiciário, nas controladorias-gerais, em órgãos técnicos de tribunais de contas. Já temos monumentos a generais, imperadores e presidentes. Faltam agora aos agentes federais honestos e aos contadores públicos que varam madrugadas em busca de furos nas licitações. O Brasil deve muito a eles - não aos mentores da Operação Abafa.