Editorial - O exportador espoliado
Estados devem R$ 15 bilhões a exportadoras - valor correspondente a créditos fiscais acumulados pelas empresas. O levantamento foi feito pelo Ministério da Fazenda e põe na berlinda os governos estaduais, habituados a reter as compensações devidas aos contribuintes. As autoridades dos Estados não negam o calote imposto às empresas, mas cobram do Tesouro da União maiores transferências para cobrir, segundo eles, perdas causadas pela Lei Kandir. Enquanto uns apontam dedos para os outros, empresários continuam forçados a enfrentar os estrangeiros, dentro e fora do Brasil, em condições muito desfavoráveis de competição. Até o auxílio federal prometido aos setores mais prejudicados pela valorização do câmbio está atrasado, e ninguém sabe se de fato será concedido. O acesso ao crédito fiscal é um velho problema do exportador brasileiro. Tornou-se mais sensível quando o dólar começou a despencar, barateando o produto importado e encarecendo as exportações. Esse crédito é parte essencial do mecanismo do ICMS, o principal tributo recolhido pelos Estados. Em cada elo da produção e circulação o imposto é recolhido, e em cada elo o tributo pago na fase anterior é descontado. O objetivo desse mecanismo é eliminar a tributação em cascata, pois o ICMS deve incidir, em cada etapa, somente sobre o valor adicionado. Sem isso, o algodão seria tributado como fibra, como fio, como tecido e como camisa. Mas, como a venda ao exterior não é tributada diretamente, o exportador não tem como descontar o ICMS da operação anterior. A saída é receber uma compensação do Estado, mas tem sido muito difícil evitar o calote. De fato, nem se sabe quando os exportadores poderão aproveitar a maior parte daqueles créditos, disse ao Estado o assessor especial do Ministério da Fazenda André Paiva. Na prática, a exportação acaba sendo tributada de forma indireta. Isso afeta os produtores de manufaturados e o agronegócio. Indústrias de óleos situadas em São Paulo e no Paraná e abastecidas com soja do Centro-Oeste não têm conseguido repassar o crédito correspondente à operação interestadual - uma complicação especial do péssimo sistema brasileiro. Isso levou ao fechamento de várias unidades processadoras, que se transferiram para a Argentina. De vez em quando, algum desavisado sugere a tributação das exportações de matérias-primas, como a soja, para estimular a exportação de produtos com maior valor agregado, como o óleo e o farelo. É um palpite erradíssimo. O problema não está no preço da soja em grão vendida aos concorrentes, mas no sistema tributário defeituoso. Grandes concorrentes do Brasil, como os Estados Unidos, não só não tributam a matéria-prima (soja, milho, etc.), como ainda subsidiam suas vendas ao exterior. Já se fez, há alguns anos, a lamentável experiência de tributar o couro exportado, com o pretexto de não entregar matéria-prima barata a outros produtores de calçados. Esse couro acabou saindo pelo Uruguai. O poder de competição da Itália no comércio de sapatos não depende do preço do couro, mas da qualidade do produto, especialmente do desenho. A reclamação dos Estados quanto ao valor das “compensações” pela Lei Kandir não justifica o atraso na liquidação dos créditos do ICMS. Essa lei isentou do imposto estadual as exportações de produtos básicos. A União comprometeu-se a ressarcir os Tesouros estaduais por um período limitado. Esse período foi estendido durante anos, por meio de pressões políticas. As perdas, nesta altura, são altamente discutíveis, mas os governos de Estados continuam reclamando. De toda forma, não tem sentido envolver nessa discussão os exportadores detentores de créditos contra os Estados. Eles não são partes desse imbróglio. Enquanto isso, o governo federal continua adiando o socorro prometido pelo ministro da Fazenda aos setores mais afetados pela valorização cambial. Uma das compensações deveria ocorrer na forma de cobrança de contribuições trabalhistas, mas o governo central não descobriu como fazê-lo. Se encontrar uma solução, será mais um remendo num sistema ruim. Se for aplicado, funcionará por algum tempo e criará outros problemas. Remendos não substituem reformas.