Coluna - Antonio Delfim Netto
´Bombando´ sem causa? Há quase dois séculos e meio, Adam Smith observou historicamente e teorizou, adequadamente, que o desenvolvimento econômico, ou melhor, a "riqueza das nações" depende de umas poucas coisas: Um Estado que tribute levemente seus súditos e utilize eficientemente tais recursos para: 1) assegurar a paz interna pelo monopólio da força; 2) garantir a propriedade privada; 3) proporcionar um razoável grau de justiça; 4) construir uma adequada infra-estrutura; e 5) manter um comportamento amigável com relação ao setor privado e aos mercados, mas que estimule duramente a competição. Quando isso se realiza, o crescimento econômico acontece quase por gravidade: será o resultado da ação dos empresários em busca do lucro e do comportamento dos consumidores na busca de melhor e maior satisfação de suas necessidades. Elas se harmonizam pela liberdade de escolha de cada um através do sistema de preços dos fatores de produção e dos bens de consumo. O velho Smith estava, entretanto, longe de ter - como alguns ainda pensam - uma crença ingênua nas virtudes do regime de concorrência pura e na amoralidade da atividade econômica. Este desvio foi resultado do trabalho de alguns economistas entre 1850 e 1950 quando, mimetizando os modelos da física clássica e inventando uma psicologia conveniente, construíram uma "ciência econômica" que repudiava os juízos de valor. O ano de 1883 foi o "anno humanae salutis" dos economistas. Ele viu morrer um (Marx) e viu nascer dois (Schumpeter e Keynes) dos maiores contestadores desse cientificismo inconseqüente, que ainda infesta alguns dos nossos brilhantes "neoliberais". Talvez seja um exercício útil, mas assustador como o passeio por um "túnel de horror" de alguns parques de diversão, comparar a simplicidade do processo descrito por Adam Smith e a confusão que se armou na sociedade brasileira nos últimos anos. Vamos lá. 1) Tributação leve e eficiência no seu uso: o gráfico abaixo fala por si. Temos a maior carga tributária para países com a nossa renda per capita e um medíocre crescimento, revelado pelos números dentro dos pequenos círculos. Quanto à eficiência dos gastos públicos, o Brasil é 119º classificado em 125 países examinados pelo "World Economic Forum" de 2007! 2) Paz interna: já faz muito tempo que a insensatez de governos locais transacionou o monopólio da força com o jogo, a droga e a bandidagem no Rio de Janeiro. Hoje, pelo menos lá, em São Paulo e em Pernambuco há dois "Estados": um legal e outro marginal. Só agora parece nascer a vontade política, apoiada, infelizmente, em recursos ainda "a definir", de eliminar o "Estado-marginal" que controla a periferia dos grandes centros urbanos; 3) Garantia da propriedade privada: tem havido violação crescente e cada vez mais freqüente à propriedade física e temos respeitado pouco a propriedade intelectual; 4) Razoável grau de justiça: o gráfico revela que, lamentavelmente, somos o 92º país entre 125 com relação à independência do Judiciário, segundo a avaliação do "World Economic Forum" de 2006; 4) Construção de infra-estrutura: ocupamos o 79º lugar entre os 125 países analisados pelo "World Economic Forum" de 2006, o que mostra a necessidade imperiosa da rápida execução do PAC no setor de energia, transportes etc; 5) Comportamento amigável com o setor privado: aqui temos um desastre. O Brasil é o 124º colocado entre os 125 países analisados pelo Fórum com relação ao "peso da regulação governamental", e o 119º colocado entre 155 países analisados no "Doing Business 2005", do Banco Mundial, com relação à "facilidade de produzir". Mesmo esquecendo a maior taxa de juro real e a moeda mais valorizada do mundo, os fatos acima sugerem que o Brasil está "bombando" sem causa... Parece que, agora sim, estamos vivendo um verdadeiro milagre. Todos sabemos que o crescimento econômico é um "estado de espírito" apoiado em condições objetivas. O primeiro existe pela soma de um aumento virtuoso do crédito e uma ação divina que eliminou a vulnerabilidade externa; o segundo não! A dúvida é até quando ele durará se não atendermos às lições de Adam Smith... Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento