A PF não pode ser controlada, diz Tarso Genro
O ministro condena "boatos" de que usaria a PF para enfraquecer a base aliada do governo. Vasconcelo Quadros Brasília - Um dos formuladores políticos do PT e do governo, o ministro da Justiça, Tarso Genro, vê com preocupação a crise que envolve o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL). Se diz impossibilitado de emitir uma opinião sobre o caso, por desconhecer detalhadamente as denúncias. Pessoalmente, no entanto, afirma torcer para que Renan escape do processo de cassação. "Nossa expectativa é de que tudo se esclarece e que o presidente do Senado seja estabilizado nas suas funções. Acredito e desejo que ele seja inocente", diz o ministro, em entrevista exclusiva a este jornal. Para Tarso, a crise não estremeceu a relação entre Executivo e Legislativo. Prova disso seria a aprovação pelos parlamentares de medidas do PAC. O ministro condena "boatos" segundo os quais usaria investigações para enfraquecer a base aliada do governo. Além disso, garante que o combate à corrupção – "uma demanda histórica reprimida" – é um processo inexorável que sobreviverá ao governo Lula. "Nós, os 98% de pessoas honestas deste País, temos é que festejar porque isso promove a democracia", diz Tarso. Segundo o ministro, as investigações contra a corrupção estão inseridas no novo ciclo republicano inaugurado com a Constituição de 1988. "A Polícia Federal não pode ser controlada e não aceita mais ser aparelhada. Não existem mais condições políticas para um governante pedir que não se investigue. Haveria um choque brutal com a ampla maioria da PF", justificou. Gazeta Mercantil - É possível absorver a crise envolvendo o senador Renan Calheiros sem maiores abalos na base aliada? Tarso Genro - Não sei qual vai ser a solução que o Congresso vai dar, mas tenho certeza de que a crise vai ser processada de maneira a retornar à estabilidade entre os partidos. Isso não está alterando as relações do Congresso com o governo. Nossa expectativa é de que tudo se esclarece, que o presidente do Senado seja estabilizado nas suas funções. Podemos apenas desejar que tudo saia de maneira republicana e democrática. Gazeta Mercantil - O senhor acredita na inocência do presidente do Senado? Não tenho condições de emitir um juízo. Não conheço o processo, não conheço detalhadamente as acusações, mas em termos pessoais acredito e desejo que ele seja inocente. Gazeta Mercantil - O senhor foi acusado de orientar a PF a investigar mais os aliados, a fim de enfraquecê-los no governo. Isso não é política, é intriga. Desqualifico esse tipo de alusão. Tanto é verdade que quando esses boatos estavam circulando apareceu uma matéria da revista Veja que nada tem a ver com a Polícia Federal, nada a ver comigo e nada a ver com as relações entre PT e PMDB. Boatos como esses até fazem parte do imaginário político. Jamais usaria o poder do Ministério para investigar qualquer partido ou em benefício de qualquer posição política. Está fora da minha agenda e seria indigno se fizesse isso. Gazeta Mercantil - A PF precisa ser controlada? A determinação do presidente Lula é não dar trégua à corrupção. Isso foi uma determinação muito clara quando a crise do mensalão se tornou fato político importante. O Ministério da Justiça e a Polícia Federal seguem essa orientação. O ponto de partida das investigações nunca são os políticos. Sempre são as quadrilhas, seja na questão do bingo, na do caça-níqueis ou na de qualquer outra questão de gravidade que seja da competência da Polícia Federal. Eventualmente, chega-se a determinados quadros políticos, mas essa eventualidade não caracteriza as investigações. É uma decorrência, e as investigações não podem parar porque tocam em determinadas figuras. Portanto, não há investigações sobre partido nem sobre político nem sobre quadro do Estado. O que há são investigações de fatos delituosos que têm metástase em várias regiões do Estado brasileiro. Em relação à questão do irmão do Lula quero esclarecer: ele não tem vínculo com as investigações dos caça-níqueis nem com as investigações dos bingos. O que foi flagrado foi uma conversa dele (Vavá), gravada com autorização judicial, de que supostamente estaria tendo influência sobre o governo, coisa que a própria PF disse que não houve. Essa questão tomou conta do noticiário porque era um fato jornalístico e não porque era grave, simplesmente porque ele (Vavá) é irmão do presidente Lula. Gazeta Mercantil - Como o presidente soube que o irmão era alvo de buscas da PF? Soube informado por mim a tempo de saber o que iria acontecer. Fiz essa informação rigorosamente dentro das minhas funções e com absoluta certeza de que o presidente não iria promover nenhuma intervenção. O presidente se limitou a perguntar se tudo estava sendo feito dentro da lei e eu respondi que sim. Se ele quisesse interferir, teria tempo para interferir. Mas tenho tal grau de confiança nele e no espírito republicano dele que quando o avisei sabia que não iria interferir. Gazeta Mercantil - A Polícia Federal está sob controle? A PF não pode estar sob o controle do ministro da Justiça. O órgão que faz o controle externo da PF é o Ministério Público. O que o Ministério da Justiça pode fazer é glosar permanentemente se suas ações estão dentro dos regulamentos, das normas, da legalidade e da Constituição. E isso fazemos regularmente. Sempre que tem uma operação importante fico sabendo, mas faço questão de não saber quem é que está sendo investigado. A PF se encontra numa situação de transição: as tecnologias de escuta, de informações e de investigação evoluem com a velocidade um jato supersônico, enquanto as normas legais que as regem evoluem como um Volkswagen 61. Temos de fazer um encontro da legislação com as novas tecnologias. O Guardião é um exemplo. Passa a operar a partir de uma licença judicial. Aí, o suspeito passa a ser acompanhado e entra na rede o telefonema de uma pessoa que não tem nada a ver, mas tanto pode abrir uma nova linha de investigação como morrer ali mesmo, se se tratar só de uma relação pessoal e social. Para que haja investigação dessa terceira pessoa, é necessária a permissão judicial. A PF não pode acompanhar esse que entrou e isso tem sido rigorosamente feito. Quando a massa de informações vai para o Judiciário ou cai nas mãos dos advogados, passa a haver uma distorção no processo informativo, derivado da revolução tecnológica. Precisamos é ter normas rigorosas. Gazeta Mercantil - A cada ação da PF a temperatura aumenta no Congresso? Estamos vivendo uma nova época, um ciclo que começou em 1988. As instituições passaram a funcionar com mais autonomia e as investigações deixaram de atingir o segundo e terceiro escalões dos poderes porque a PF passou a ter autonomia legal na prática. A Polícia Federal deixou de ter recomendação para conter investigações. Apesar de eventuais excessos que possam ter ocorrido, os 98% de cidadãos honestos têm é que vibrar, festejar o que está acontecendo.