Metade dos funcionários do Fisco processam o Estado em Portugal

25 Jun 2007
Paula Cravina de SousaO Fisco tem 283 processos a decorrer no Tribunal Administrativo interpostos por funcionários dos impostos. O número é do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), que afirma que estes processos envolvem cerca de metade dos funcionários do Fisco – de um universo de cerca de 12 mil funcionários – sendo que um trabalhador pode estar envolvido em mais do que um processo.Apesar da proximidade da Administração Tributária com os funcionários e de existir um aumento do desempenho dos serviços, com as cobranças coercivas a aumentar para níveis nunca antes registados, existe um grande nível de litigância entre as partes. Mas a que se devem estes processos? De acordo com o Ministério de Teixeira dos Santos, “os processos existentes referem-se, na sua maioria, a grandes grupos de questões, de natureza transversal, que, como tal, envolvem um elevado número de funcionários”. Nestes grupos incluem-se a mudança de nível por falta de regulamentação, as chefias tributárias e o caso do concurso de Setúbal (ver caixa). O sindicato argumenta, por seu turno, que a maioria dos processos se deve a questões salariais e relacionadas com as aposentações e concursos. O STI adiantou ainda que entre 2000 e 2005, o Fisco teve 915 processos em tribunal envolvendo 11.225 trabalhadores. Segundo o sindicato, a maioria dos processos foi resolvido, restando agora os 283. O Ministério das Finanças não confirma o número, considerando-o “excessivo” e garante que “o número de processos é inferior a 500”. “O facto de os processos ficarem pendentes de decisão por parte do tribunal durante um período nunca inferior a três ou quatro anos, implica, naturalmente, que o número de processos pendentes seja significativo”, acrescenta ainda o Ministério. O gabinete de Teixeira dos Santos diz ainda que “o facto de, entretanto, ter sido produzida regulamentação relativa a um conjunto de situações que da mesma careciam fez com que o nível de litigância tenha sofrido uma redução nos últimos anos”. A origem do descontentamentoUm dos pontos que mais processos trouxe à Administração Tributária refere-se ao sistema de avaliação permanente introduzido em 1999 pelo então ministro das Finanças, Sousa Franco. Com o novo sistema, os funcionários com avaliação não inferior a bom, durante três anos, e média mínima de 9,5 valores nos testes, poderiam subir de nível. No entanto, esta norma só foi regulamentada já no Governo de Manuela Ferreira Leite, em 2004, quando Paulo Macedo assumiu a Direcção-Geral dos Impostos. Este atraso fez com que os funcionários estivessem vários anos sem poder subir de nível, o que motivou a contestação dos funcionários e o levantamento de vários processos. O Ministério esclareceu que “nos casos relacionados com a mudança de nível que foram objecto de decisão judicial, a mesma foi sempre favorável à Administração Fiscal”.Já a maioria das situações relativas às reformas refere-se às alterações dos estatutos de aposentação introduzidas pela ex-ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite. O sindicato explica que, até 2003, os funcionários podiam reformar-se com 36 anos de carreira, independentemente da idade, e apenas com um parecer positivo do dirigente. As novas regras passaram a exigir mais requisitos e mais pareceres para conceder a reforma, tornando a aposentação mais difícil e morosa “E dos processos que já foram encerrados, houve muitas decisões favoráveis”.Os concursos são também um dos mais contestados. Na origem dos processos estão muitas vezes discordâncias relativamente às classificações dadas ou à exclusão de funcionários do concurso. Fonte da máquina fiscal afirmou que “estes processos são normalmente muito morosos, já que se um trabalhador reclama de uma decisão do concurso, todos os concorrentes têm de ser notificados”. “E envolvem muitas pessoas, na ordem das centenas”, acrescenta. Por outro lado, outra fonte próxima do Fisco afirma que dos processos conhecidos não houve decisões desfavoráveis à Administração Tributária.Processos contra o Fisco na primeira pessoaO caso de Setúbal - Maria M. (nome fictício a pedido da própria) sente que saiu prejudicada no concurso que foi anulado em Setúbal. “Passei no teste, mas o concurso foi anulado. Eu e os meus colegas sentimo-nos frustrados e desmotivados, porque depois do sacrifício e de todas as expectativas acabou por não dar em nada”, afirma. “Tomei a opção de não ir a mais nenhum concurso, mas vou agora subir de nível, por causa da decisão do Tribunal”. O caso de Setúbal remonta a 1999, com um concurso realizado por três mil funcionários, que acabou por ser anulado em 2001, pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rogério M. Fernandes Ferreira, por se ter concluído que houvera fraude nas provas. Mas, no final de Maio deste ano, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que o concurso não deveria ter sido anulado e que deveria ter havido a repetição de provas no distrito de Setúbal. Processo com 900 oponentes - Amândio Alves, do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, é um dos cerca de 900 funcionários que vai levantar novo processo contra o Fisco devido ao atraso na regulamentação da avaliação permanente. “Entrei nas Finanças em Agosto de 2000 e dois anos depois passei a efectivo”, afirmou. “Mas deveria ter feito um exame logo nesse ano para poder subir de nível, mas a regulamentação ainda não estava publicada”. “Só em 2005, depois do regulamento publicado é que pude subir de nível”, explica. O que Amândio Alves pede agora é o reembolso da diferença dos montantes no salário que deveria estar a receber agora. O sistema de avaliação permanente introduzido em 1999 por Sousa Franco, apenas foi regulamentado em 2004 com Manuela Ferreira Leite o que impediu a progressão na carreira durante cinco anos.Estágio de quase três anos - Afonso H. (nome fictício a pedido do próprio) entrou na Administração Tributária em 1999. Devido ao atraso na regulamentação das avaliações permanentes cumpriu quase dois anos e meio de estágio. “Deveria ter cumprido um ano de estágio, mas fiz quase o triplo – 30 meses”. Na altura, Afonso e os colegas levaram o caso a tribunal que obrigou o Fisco a regulamentar as regras de avaliação. “Tivemos cerca de dez mil euros de prejuízo devido a estes atrasos”, afirma. Afonso H. também já contestou os ‘numerus clausus’ de um concurso que requeria 95 juristas. “Houve 600 concorrentes e passaram 320, mas as vagas eram limitadas a 95, pelo que tentei alargar o número de funcionários admitidos”, explica. A contestação subiu de tom, quando viu anunciado, no início deste ano, novo concurso para integrar estagiários licenciados em direito. “Se no concurso anterior houve pessoas com boas notas prontas a ser colocadas, porque