"Reforma está nas mãos de Lula"

27 Jun 2007
Entrevista - Germano Rigotto "Reforma está nas mãos de Lula" Guilherme Arruda E a vontade política é determinante para enviar proposta ao Congresso, diz Germano Rigotto. Um sistema no qual quem paga, paga muito, enquanto muitos não pagam, devido a uma base estreita. É por isso que cada vez que há uma mudança na legislação significa aumento na carga tributária e a possibilidade de mais gente não pagar. As distorções estão relacionadas aos tributos indiretos sobre bens e serviços, acredita o ex-governador do Rio Grande do Sul e atual coordenador do grupo da Reforma Tributária no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Germano Rigotto. Ex-presidente da Comissão da Reforma Tributária na Câmara Federal, ele acredita que as conseqüências deste modelo é o desestímulo aos investimentos produtivos, insegurança jurídica, inexistência de neutralidade no comercio exterior em prejuízo da produção nacional, e o alto custo de cumprimento das obrigações tributárias. No Brasil há uma multiplicidade de legislações e competências tributárias: a União cobra PIS, Cofins, CPMF, CIDE e IPI, tudo sob a base de consumo de bens e serviço; os Estados cobram o ICMS, e são 27 legislações diferentes, e mais de 40 alíquotas, determinando uma guerra absurda entre eles, devido ao fato de o ICMS ser cobrado na origem e não no destino; e os municípios, que cobram o ISS, também estão entrando pesado na guerra fiscal para atrair investimentos e gerarem desenvolvimento. Qual seria a solução? A substituição dos tributos sobre bens e serviço - ICMS, IPI, PIS, Cofins, CIDE-combustíveis, podendo também ainda ter o ISS - por dois impostos: um Imposto de Valor Adicionado (IVA) estadual e um federal. O IVA estadual observaria os princípios do destino, eliminando a guerra fiscal, mas com a necessidade de debater, com os municípios, a integração do ISS à base do IVA. Seria o melhor dos mundos. "Haveria perdas num primeiro momento? Sim, mas esta é uma discussão que precisa ser estimulada", afirma Rigotto. Ele conheceu o outro lado do balcão quando governou o Rio Grande do Sul (2002-2006) e viu quanto é difícil cortar custos. A experiência dá a ele as credenciais para dizer que o avanço da proposta da reforma está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a vontade política é o fator determinante para encaminhá-la ao Congresso até setembro. "Hoje temos indicadores econômicos altamente favoráveis - inflação contida, risco Brasil em baixa - e o presidente com uma grande base de sustentação no Congresso. Com apoio da sociedade, ele tem todas as condições para fazer esta reforma. Mas, repito: somente se houver decisão política do governo federal. Se ele não decidir colocar como prioridade - não adianta mandar a reforma para o Congresso - daqui a dois anos estaremos falando de reforma tributária", alerta. "O presidente não é candidato a novo mandato, tem condições de conduzir esta reforma e aprova-la no Congresso. Mesmo com transição a reforma será positiva para atrair novos investimentos ao País", complementa o ex-governador. Rigotto destaca que para os estados e municípios a reforma representará uma oportunidade de aumento da arrecadação, sem onerar a sociedade, por meio da redução da evasão e da sonegação e o fim da guerra fiscal. Segundo ele, é possível construir um sistema de compensação entre perdas e ganhos em que não haja perdedores. "É possível, sim, dar início a uma revisão mais ampla do modelo de atribuição de competências e partilhas federativas", diz, sabendo, no entanto, que enfrentará a oposição já explicitada de alguns governadores que pretendem trabalhar pela permanência dos incentivos fiscais. Nesta entrevista, Rigotto analisa alguns pontos da proposta apresentada pelo ministério da Fazenda, os períodos de transição para o IVA estadual e o IVA federal. "Não dá para acreditar que na arrancada signifique uma redução da carga em relação ao PIB. Isso virá com o tempo", deixa claro. No dia 4 de julho haverá reunião para discutir temas específicos, entre eles, a desoneração da folha de pagamento. No próximo dia 19, a primeira versão do texto será apresentada aos membros do Conselho, mas devido à ausência de Rigotto (estará fora do País), a proposta será feita pelo consultor Antoninho Trevisan. PIS/Cofins "Em relação aos PIS e a Cofins a sobreposição dos regimes cumulativos e não-cumulativos. Lutamos para tirar a comulatividade. O que fez o governo FHC? Aumentou a carga tributária sobre o PIS. O governo Lula retirou a comulatividade da Cofins, mas elevou a carga tributária sobre a Cofins. Hoje o sistema cumulativo convive com o não cumulativo. Isso não pode perdurar. A CIDE e a CPMF não conferem o crédito, implicando ônus às cadeias produtivas. No caso do ICMS, a guerra fiscal entre estados tem provocado distorções da tributação do comércio exterior. Essa guerra custa hoje R$ 25 bilhões ao ano pela loucura dos incentivos fiscais. Além da renúncia, temos a multiplicação de Ações Diretas de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, porque um estado dá incentivo e um outro não reconhece, e goza o crédito. Se não resolvermos esta guerra gerada por essa legislação, vamos ter perdas de investimentos. Dá para citar outros problemas. Exemplo: na importação, o ICMS pertence ao estado destinatário da importação e os estados têm concebido uma série de benefícios fiscais para importações; há também dificuldade para desonerar as exportações em função do acumulo de créditos." Distorções do ISS "São três as distorções do ISS: a comulatividade nas cadeias produtivas, impossibilitando sua desoneração nas exportações e nos investimentos; conflitos de competência com o ICMS; e, conflitos entre municípios. A guerra fiscal já esta acontecendo entre os municípios." Guerra Fiscal "A proposta do governo, no longo prazo, determina uma mudança da origem para o destino, o que significa frear a guerra fiscal. Se não der para proibir o incentivo fiscal na totalidade teremos que ter, obrigatoriamente, limitadores. Hoje estado que não entra na guerra fiscal perde investimento. A guerra fiscal está fazendo com que o incentivo não seja mais fator de desenvolver regiões menos desenvolvidas, porque os estados ricos estão entrando. A guerra fiscal já está acontecendo entre os municípios, que estão brigando entre si pelo ISS, principalmente para atrair o setor de serviços. Existe na reforma tributaria a possibilidade de trazer o ISS para dentro do novo IVA, mas os municípios maiores vão resistir para que o ISS vá para a base do novo IVA, porque arrecadam muito com ISS. O que diz a proposta do governo? Indo para a base do IVA, pegaria mais gente, a arrecadação cresceria e eles ganhariam mais do que estão ganhando hoje. Os municípios, num primeiro momento, têm a posição de não abrir mão da competência de cobrar e fiscalizar. É uma discussão, porque a maior parte das pequenas cidades não cobra ISS, e, pela proposta, seriam beneficiados no momento que o Estado traz o ISS para a base do IVA. Os grandes teriam que ter a certeza da não haverá perda de receita. Ao contrario: teriam aumento de arrecadação em cima de uma base maior. Além disso, o novo sistema poderá reduzir a elisão fiscal e, com isso reduzir cargas setoriais. Os governos não perdem receitas e teremos cargas setoriais reduzidas." Resistências "Visitei Goiás recentemente, falei com o governador e representantes de várias entidades empresariais e qual o pensamento deles? Se a proposta acabar com incentivos fiscais vamos trabalhar para derrubar. Eles não aceitam o fim dos incentivos. Não acreditam nos fundos de desenvolvimento. O governo federal pode esvaziá-lo a qualquer momento; e porque estes fundos foram usados para enriquecer pessoas e não para gerar desenvolvimento como deveriam nas regiões menos desenvolvidas. Eles dizem que o que garantiu o desenvolvimento (ganharam a John Deer, a Mitsubishi e da Hyundai) foi incentivo fiscal. Se acabar não levam empresa nenhuma. Passaram recado que vão puxar Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e outros estados para movimentar as suas bancadas dentro do Congresso para impedir o avanço da reforma tributária se não tiverem a certeza de que terão ferramentas para desenvolver regiões menos desenvolvidas. Isso preocupa, porque acreditava que seria mais fácil fazer a migração da origem para o destino. Acho que existe possibilidade de limitar o incentivo fiscal. Hoje o Rio Grande do Sul produz arroz e trigo. São Paulo não produz arroz e trigo. E o que faz? Zera o ICMS dos dois. E o que faz o RS: se não zera o ICMS perde competitividade; se zera, perda receita. Está insuportável a situação entre os Estados. Qual a minha resposta para o pessoal de Goiás? Os Estados mais ricos estão entrando na guerra fiscal e dando as mesmas coisas que os Estados menos desenvolvidos. Esta história de acreditar que o incentivo fiscal pode significar solução, não representa mais. Temos que achar uma alternativa transparente ao incentivo fiscal. Pode ser uma limitação do IVA ou do ICMS para concessão de novos incentivos. E sem quebra de contrato para o incentivo já existente. Colocaríamos, sim, uma tranca a partir de agora, no sentido de segurar esta guerra fiscal. Como convencer os governadores que hoje estão pedindo a elevação da participação do CIDE de 29% para 46%? Não haverá problema. A CIDE estará dentro do novo IVA federal e será partilhado com os estados e municípios. A partilha é outra discussão: não é porque a CIDE estará dentro do IVA que os governadores vão perder. Eles têm consciência disso. O fato de você ter a fusão de tributos não significa que essa fusão trará prejuízos para estados e municípios. Na verdade, haverá uma partilha. Se mais gente pagar já teremos um sistema melhor." Carga tributária "A questão da carga tributária não é os 38,8% sobre o PIB. Pior é ela estar concentrada em quem paga. O trabalhador de baixa renda que paga uma carga tributária absurda embutida sobre o consumo, nem sabe o que esta pagando de imposto. O sistema tributário está baseado na tributação sobre o consumo. Está errado. Ele penaliza quem produz e quem trabalha. Temos muito menos tributação sobre o capital especulativo que deveria ter. E temos tributação sobre investimento. É um absurdo cobrar imposto sobre um equipamento que vai gerar emprego, renda e mais arrecadação para os governos. Precisa desonerar os investimentos. Há imperfeições no sistema atual, mas não adianta acreditarmos que de uma hora para outra União, Estados e Municípios reduzindo drasticamente suas despesas. É muito difícil reduzir despesas (estados e municípios). Eu sei o que foi cortado de ativos no meu mandato, tudo na ponta do lápis, mas há limites. Não há como demitir professores, policiais para reduzir gastos. Com o novo sistema tributário teremos uma base mais ampla que vai possibilitar a redução de cargas setoriais, isto é, daqueles setores mais penalizados." Transição "Na arrancada, qual é a grande vantagem do novo sistema? Atacar o problema da sonegação, diminuir a informalidade, reduzir a chamada elisão fiscal (a busca pelo Judiciário). Temos hoje três formas de evasão fiscal: sonegação, informalidade e elisão fiscal. Na arrancada, a reforma não reduzirá a carga tributária e o peso no PIB. Ela virá com o tempo. Para reduzir, a União, os estados e municípios teriam que tirar receita e eles não têm condições de perder recursos na arrancada da reforma. Somente com o tempo. A partir do momento da implantação do novo sistema, obrigatoriamente, já poderá começar a correção, ampliando o numero de contribuintes, elevando a base tributária e reduzindo cargas setoriais. A reforma não entra em vigor de um dia para o outro, passará por uma transição, será por etapas. O conjunto de modificações será feito de uma só vez, mas a implantação será em etapas. Criar o IVA, por exemplo, não significará acabar de uma só vez com o ICMS, o PIS, Cofins, ISS. Terá a transição e neste período já terá início da correção. A partir de que momento a sociedade vai perceber as mudanças? Não dá para definir, mas quando ela começar a vigorar, dentro de dois ou três anos, já nestes dois ou três anos, ela terá que reduzir." Presidente Lula "Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realmente colocar como prioridade e se houver decisão política efetiva, com o governo na linha de frente, não tenho duvida de que ela possa avançar, mesmo que os efeitos não se façam sentir tão rapidamente quanto se gostaria. Se não houver decisão não adianta enviar projeto. O fato de saber que haverá um sistema novo, que terá uma mudança nos tributos que recaem sobre o consumo, sem dúvida, é algo muito positivo. Ate setembro veremos se o projeto fica pronto, e a partir de setembro ver se o governo vai priorizar." Pacto Federativo "O ideal é que juntamente com a reforma tributária viesse uma redefinição do pacto federativo, fazendo com que se defina mais claramente o que é atribuição de cada ente e o que vai financiar estas atribuições. E pacto federativo esta vinculada a reforma tributária. Terá que ser uma negociação conjunta. Teríamos uma republica federativa autentica. Hoje não é assim. Existe uma concentração de poder e de recursos na União e o empobrecimento gradativos de estados e municípios. Como fortalecer a federação? Definindo as atribuições e as competências de cada ente federativo e o que vai financiar. Isso vai diminuir o passeio do dinheiro público, que hoje leva ao fisiologismo, ao clientelismo e a corrupção. Não acontecem por quê? Porque há resistências corporativas, resistências conservadoras, de gente que ganha muito com este sistema, e não quer mudar. Terá que ser feito um trabalho de conscientização para conseguir maioria e vencer estas resistências localizadas. O IVA estadual vai atacar a guerra fiscal, mas se acreditarmos que a migração da origem para destino acontecerá rapidamente, nós não teremos apoio para aprovar a reforma. Não teremos rapidez, mas ali adiante haverá reordenamento nesta questão da guerra fiscal."