A execução fiscal administrativa
Sacha Calmon A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional criou uma lei de execução fiscal, dando poderes às Procuradorias da Fazenda para executar, fora do Judiciário, os créditos em dívida ativa, por ser moroso o Judiciário. O anteprojeto é inconstitucional. Nos deteremos em três sítios da Constituição: o que prevê o monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário; o que prescreve a perda da propriedade, seja por desapropriação, seja pela tributação, somente após o devido processo legal judicial, obstando ao Estado Administração expropriar e executar sem o concurso do Poder Judiciário; e o que prescreve, tanto na esfera administrativa quanto na Judicial, o devido processo legal, com os meios e os recursos a ele inerentes. O artigo 5, XXXVI, da Constituição dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão, ou ameaça a direito. A lei, é verdade, consagra a discussão do crédito tributário na esfera administrativa. Mas lei alguma poderá dar ao Estado Administração o Poder de, como parte, excutir os bens do devedor, sem o concurso do Poder Judiciário. O direito de propriedade é garantido na Constituição. O artigo 5 Inciso XXII da Lei Maior elenca: É garantido o direito de propriedade". O poder de tributar e o direito de propriedade são temas constitucionais. A execução "manu militari" de bens particulares, feita pela própria administração fiscal, subverte o respeito à propriedade privada porque a Administração é parte interessada, e nesta condição, deve catar submissão ao devido processo legal, sob jurisdição. Prescreve a Constituição: (Artigo5.Inciso LV) – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos que lhe são inerentes." O devido processo legal implica fundamentos sob pena de tornar-se um arremedo, um desvalor, a saber: um corpo de julgadores imparciais; um litígio com objeto definido; um sistema de provas capaz de identificar, a verdade material; um conduto procedimental suficiente para acomodar às provas conducentes à verdade material; um sistema eficaz de recursos apreciados por sobrejulgadores; uma duração, que desejavelmente seja curta, mas suficiente ao exaurimento das questões de direito e de fato presentes nas controvérsias; a assistência das partes por advogados; a motivação séria e convincente das decisões. Esses requisitos foram deferidos aos juízes, armados, por isso, das garantias da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, além do ingresso na carreira por concurso, para escaparem da ingerência dos Poderes Políticos. O anteprojeto significa sem mais nem menos truculência, insegurança jurídica e arbítrio. Quer subtrair ao Judiciário o controle dos atos administrativos de lançamento e tornar a Fazenda órgão de execução forçada, em prejuízo do Direito de Propriedade, do devido processo legal e da supremacia do judiciário. Sacha Calmon - Advogado tributarista, professor titular de direito tributário da UFRJ e sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.Próximo artigo do autor no dia 1 de agosto.