A Previdência Social está ruindo...
Espaço AbertoPaulo César Régis de SouzaA Previdência Social pública brasileira movimentou, entre maio de 2006 e abril de 2007, recursos financeiros superiores a R$ 420 bilhões. Um mega-orçamento sem igual na América Latina. Hoje, mais de 35% da população nacional sobrevive com o recebimento de benefícios previdenciários e assistenciais pagos pelo INSS a 25 milhões de pessoas. Tudo isso construído ao longo de 84 anos com competência, notadamente dos servidores previdenciários de todos os tempos. Mas, esse patrimônio gigantesco, um dos maiores programas sociais em todo o mundo, está ameaçado. O “governo dos trabalhadores”, tão ansiosamente esperado, como capaz de alavancar ainda mais o regime geral de previdência social, intensamente defendido por todos eles antes de assumirem o poder, mostrou-se demolidor de esperanças, um aliado novo de antigos adversários da previdência pública. Em 50 meses do “governo dos trabalhadores” cinco ministros diferentes, com média de 10 meses de gestão, na administração um órgão do porte e da relevância da Previdência. Excetuando o governo Collor, todos os demais, mesmo os governos militares, preocuparam-se em nomear ministros da Previdência com perfil político-profissional compatível com as necessidades e demandas dessa área, geradora de renda, de poupança e de tranqüilidade social. Um dos cinco ministros nomeados no atual governo, num momento de elevada lucidez e competente auto-crítica, publicou artigo na imprensa dizendo que o problema da Previdência Social não se resolve com reforma, mas com gestão, ou melhor, com gestão eficiente. A lucidez foi punida com sua demissão, deixando entrever que bem gerir não é preocupação primeira do governo, nessa área. Outra coisa que causa espécie na Previdência é a pouca (ou nenhuma) capacidade de seus administradores em ouvir os representantes dos segmentos envolvidos com o setor, notadamente se tratar de dirigentes de entidades de aposentados e de servidores. Críticas, então, mesmo as notoriamente construtivas, são liminarmente rejeitadas. O governo tudo sabe, nada precisa aprender, está atento a tudo, e nenhuma contribuição valiosa pode ser levada em consideração, salvo se “oriunda de suas entranhas”. Esse comportamento, a que se poderia chamar de “arrogância do poder” tem levado dirigentes os mais diversos (presidentes, ministros etc), em todas às épocas, a verdadeiros desastres, com graves conseqüências pessoais e administrativas. A história político-administrativa brasileira é rica em exemplos. Quem sabe ouvir, quem convive bem com o contraditório, quem aceita argumentos ainda que divergentes daqueles que defende, esses sim, têm boas chances de realizar uma administração de bom nível. Não é um conselho, é uma constatação universal. É preciso retirar a Previdência desse quadro de conformismo, de quase-paralisia, fruto, entre outras, das perdas de poder havidas recentemente. Há um grande espaço a ser ocupado pela Previdência. Impõe-se que todos nós, governo, trabalhadores, empregadores, aposentados e servidores nos empenhemos, sem distinções ideológicas ou “aparelhamentos” de qualquer natureza, em sua concretização. Algumas propostas podem ser suscitadas: * criação do Sistema Nacional de Seguridade Social, envolvendo Saúde, Previdência, Assistência Social e, extensivamente, Trabalho. A Anasps está trabalhando no detalhamento do sistema, mas, em princípio, além das atividades típicas de qualquer sistema, busca-se especialmente o fortalecimento desses órgãos, mantidas suas respectivas identidades e atribuições, mas na melhoria e expansão desses programas que, embora tendo recursos próprios volumosos, a cada dia, vêem perdendo importância e trabalhando em regime de escassez. O Sistema proposto é uma decorrência natural da Constituição Federal, artigos 193 a 203;* criação (ou recriação) da Previc, voltada para a administração da previdência complementar, tanto a fechada quanto a aberta, eis que isso é incumbência constitucional da Previdência Social (Título VII, Cap. II, Seção III – Da Previdência Social – CF);* criação de estímulos inteligentes para conquistar a filiação à Previdência Social dos mais de 40 milhões de trabalhadores do mercado informal sem qualquer cobertura previdenciária ou trabalhista;* criação de uma verdadeira e efetiva Carreira Previdenciária, constituída dos cargos temáticos de Especialista, Analista e Técnico do Seguro Social (nível superior, nele incluídos os atuais Técnicos do INSS), os de Agente de Serviços Diversos (nível intermediário) e os de Auxiliar de Serviços Diversos (nível auxiliar). A remuneração, nessa proposta, seria a partir de uma nova Tabela de Vencimentos, representando o somatório dos vencimentos atuais e das parcelas fixas (GAE, GESS, VPNI, etc.) integrantes da retribuição de hoje, além da GDASS, incidente sobre o maior “novo vencimento” de cada nível funcional, no percentual de até 100%, extensivo a aposentados e pensionistas. Ainda assim, a remuneração média dos servidores previdenciários seria inferior à média dos servidores de outros órgãos federais que exercem funções equivalentes. Mas, já seria um primeiro passo na busca da dignificação funcional e salarial dos servidores, instrumento básico para a melhoria e qualificação dos serviços previdenciários;* refundação do INSS, uma autarquia à beira da ruína, investindo-se na melhoria das instalações físicas, hoje caindo aos pedaços, em condições degradantes para segurados e servidores; recuperação urgente da plataforma tecnológica, sistemas, programas, de modo a combater sem tréguas as fraudes e desvios; incorporação de mais 10 mil servidores concursados, a partir da criação da Carreira tratada no item anterior. Isso porque, com o atual nível de salários do INSS, abre-se o concurso, são convocados os classificados que, em seguida, “pedem o boné”, em razão da baixa remuneração e da complexidade e responsabilidade do trabalho.* devolução à autarquia INSS de sua receita, gestão, fiscalização, cobrança, combate à sonegação e recuperação de crédito, inclusive na dívida ativa e administrativa;* eliminação de todo o tipo de renúncia contributiva, pois cada 1 centavo de renúncia deverá ser coberto por toda a sociedade. E mais: qualquer renúncia imprescindível ao crescimento da economia que seja coberta com recursos fiscais;* solução definitiva para o financiamento da previdência rural, tal como ocorreu com os benefícios assistenciais. Propomos a criação da Assistência Social Rural, se mantidos os atuais parâmetros de financiamento que não cobrem o custeio, com a conseqüente transferência de recursos fiscais para sua cobertura. .Evidentemente, são apenas algumas propostas, mas são todas destinadas a recuperar a Previdência pública. Antes de se pensar em qualquer nova reforma, castradora de direitos – já que não há reforma sem que não seja atingida a expectativa de direito e o direito adquirido -, é preciso investir firmemente em gestão competente, eficaz e duradoura, como de resto em todo e qualquer órgão ou empresa, pública ou privada. Previdência em todos os tempos e em todas nações é algo que deve ser levado a sério e com responsabilidade. É um pacto de gerações. Não é brincadeira de um partido e de um governo. Basta! O trabalhador brasileiro merece respeito. Paulo César Régis de Souza é presidente da Anasps (Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social)