Governo olha para leão como se fosse gato
As oposições já estão montando as barricadas para enfrentar a tramitação da emenda constitucional nº 50, que prorroga por mais quatro anos a vigência da CPMF e da DRU (Desvinculação de Receitas da União). Tão logo a PEC seja votada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) - o governo espera que isso ocorra na semana que vem, conforme promessa de dirigentes do PMDB ao Palácio do Planalto - ela será enviada à uma Comissão Especial da Câmara. É lá que começarão a se manifestar os mais diversos interesses políticos, partidários e setoriais. Estes vão da posição do DEM, radicalmente contra a prorrogação da CPMF e a favor do respeito à Constituição, que fez dessa contribuição um tributo provisório com data para terminar em 31 de dezembro, às pressões da bancada ruralista. Esta já avisou ao governo a intenção de trocar a aprovação da prorrogação da CPMF por nova renegociação de dívidas agrícolas de R$ 58 bilhões. Interesses que passam ainda pelo PSDB e PPS, que querem partilhar com os governadores e prefeitos a receita da contribuição e pelos que defendem uma redução gradual do tributo, até que ele incida sobre movimentações financeiras a uma alíquota residual, funcionando, à partir daí, como instrumento de fiscalização. Este é o teor da PEC apresentada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que tramita no Congresso. O DEM enxergou na PEC um espaço para travar com o Executivo e com a base aliada do governo uma guerra de "guerrilha" . São 513 deputados e 81 senadores que decidirão o destino de um tributo que renderá aos cofres do governo, em 2008, R$ 39 bilhões. A grande maioria dos parlamentares tem algum compromisso com sua base pela redução da carga tributária. A Fiesp e a Associação Comercial de São Paulo, junto com outras 40 entidades, aderiram ao movimento contra a CPMF. Para aprovar a PEC o governo terá que contar com quórum qualificado. Ou seja, precisará de 308 votos a favor do projeto na Câmara, e de 49 votos no Senado. Na Câmara, onde o governo tem maioria, será difícil, mas os analistas políticos sabem que no Senado não é impossível, já que as oposições necessitarão de apenas 33 votos para derrotar o governo. Só o DEM e o PSDB têm 30 senadores e há outros dez que são independentes. Isso num momento de grande instabilidade gerada pelo caso Renan Calheiros. É a partir dessa conta e com a disposição de fazer todos os movimentos protelatórios que o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), líder do movimento "Xô CPMF ", garante: "Essa PEC não sai da Câmara antes de setembro". Nisso, ambos, DEM e PSDB, estão de acordo. Setembro é, em princípio, o prazo legal para a contribuição ser votada e sancionada, cumprir a noventena e ser cobrada a partir de 1º de janeiro de 2008, embora haja dúvidas jurídicas quanto à questão da noventena. "O governo está olhando para um leão como se fosse um gato", avisa o deputado. --------------------------------------------------------------------------------Votação de PEC será uma guerra de guerrilha-------------------------------------------------------------------------------- O certo é que a PEC não será aprovada no Congresso sem uma grande negociação e com concessões por parte do governo. Ele próprio já reconhece que a CPMF produz grandes distorções no sistema produtivo, pois incide em cascata sobre toda a cadeia de produção, de forma cumulativa. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse em debate na FGV , recentemente, que a queda da taxa de juros está salientando esta e outras distorções da CPMF. Uma, evidente, é sobre operações de crédito de curto prazo. Dúvidas sobre a autonomia do BC Após dois dias de boatos, o BC negou de forma oficial que esteja tendo reuniões formais com representantes do mercado para explicar como ficará a política monetária depois da decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), que estabeleceu em 4,5% a meta de inflação de 2009. Isso não significa que diretores do BC não estejam conversando com o mercado sobre o assunto, diante dos estragos provocados nas expectativas inflacionárias. Mas isso o BC não confirma. Especialistas no regime de metas explicaram o movimento de elevação dos juros futuros por três dias consecutivos, na BM&F, por três razões: 1) incertezas quanto à autonomia do BC para perseguir meta de inflação abaixo dos 4,5% em 2008 e 2009, depois da decisão do CMN e das entrevistas das autoridades do governo sobre o assunto; 2) aumento muito acima do esperado da produção industrial; 3) nervosismo no mercado internacional e redução da exposição ao risco. Provavelmente as duas últimas razões não tivessem maiores consequências se não fosse a primeira delas. O voto do presidente do CMN, ministro Guido Mantega, na reunião que fixou a meta de inflação em 4,5% para 2009, tinha como uma das funções, aparentemente, esclarecer uma dúvida deixada pelo decreto que instituiu o regime de metas: se o BC tem autonomia para buscar uma inflação abaixo do centro da meta, como ocorreu em 2006, ocorrerá este ano e tende a se repetir em 2008 e 2009. O voto disse que sim, se houver condições macroeconômicas para tal. Declarações subseqüentes de autoridades do governo embaralharam a visão e levaram o mercado a aumentar os juros. A meta de 4,5% para 2009, segundo economistas do governo, se justifica pela expectativa de uma corcova inflacionária para os próximos dois anos. A leitura que o mercado faz, portanto, é que o governo espera aumento da inflação e desconsidera a possibilidade de o Copom se antecipar a isso e tomar providências, interrompendo a queda ou mesmo elevando a taxa Selic. Ora, se haverá mais inflação no futuro, para rolar a dívida mobiliária o mercado exigirá mais taxa de juros. Este é um aspecto importante para o governo esclarecer: se o BC terá ou não poder para buscar uma meta de inflação menor do que os 4,5% , se antecipando a pressões inflacionárias, como teve até agora. O BC, é bom lembrar, se reporta ao presidente da República e Lula já disse que não quer mais "sacrifícios" em nome de uma meta de inflação. Pela teoria das expectativas racionais, essa postura gerará mais inflação e isso aumentará o custo da política monetária para o Tesouro Nacional. Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras