Coluna - Cristiano Romero
Uma proposta para conter carga e gasto
O governo Lula fracassou, em seu primeiro mandato, nas tentativas de criar tetos para conter a expansão tanto da carga tributária quanto das despesas correntes. O que se viu, principalmente entre 2004 e 2006, foi o aumento brutal de receitas e despesas. A carga federal aumentou de 21,7 % do Produto Interno Bruto (PIB) em 2002, último ano da administração Fernando Henrique Cardoso, para 23,4 % do PIB em 2006. As despesas, com exceção das transferências a Estados e municípios, passaram, no mesmo período, de 15,7% do PIB para 17,3% do PIB. O único ano em que os gastos sofreram contração foi 2003, o primeiro da gestão Lula. Em 2007, a fúria fiscal do governo central continua. Nos primeiros cinco meses do ano, as receitas do Tesouro Nacional cresceram 13,51%, em termos nominais, e as despesas, 12,51%, ambas bem acima da taxa de expansão da atividade econômica. No primeiro mandato, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o então ministro da Fazenda Antonio Palocci bem que tentaram segurar a ímpeto arrecadador. Introduziram, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um teto para a expansão da carga tributária federal no ano seguinte ao de envio da proposta ao Congresso Nacional. Os esforços foram inócuos porque só se conhece efetivamente a carga em meados do ano posterior ao de arrecadação dos tributos. Reconhecendo que a carga ficou acima do teto fixado na LDO, o governo não tem, na prática, como devolver o que foi cobrado a mais. Restituir para quem? Além disso, na prática o que tem acontecido é que, a cada aumento da arrecadação, o governo sobe o gasto. "Não há possibilidade material de devolver-se o excedente da carga, para não falar na diversidade de interpretação nos conceitos de arrecadação e de PIB", explica o ex-secretário da Receita Federal Everardo maciel. Palocci e Bernardo tentaram também estabelecer um teto para as despesas. Novamente, a empreitada não funcionou. Primeiro, porque o Congresso, ao aprovar a LDO, criou exceções à base de cálculo do conjunto das despesas. O governo poderia realmente conter o gasto se aprovasse dispositivos legais nessa direção. Por exemplo: a proibição, por dez anos, de aumento dos gastos com pessoal. O problema é que medidas genéricas de controle das despesas perdem eficácia porque o governo não tem como controlar variáveis fora de seu controle. Um exemplo: as decisões judiciais. Justiça seja feita, o ministro Paulo Bernardo conseguiu incluir no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) projeto que, se não limita inteiramente, dá previsibilidade à expansão dos gastos com pessoal nos próximos dez anos. O difícil vai ser aprová-lo no Congresso, uma vez que a proposta contraria interesses do PT e das centrais sindicais abrigadas no governo. -------------------------------------------------------------------------------- Alíquotas e base ficariam congeladas por oito anos -------------------------------------------------------------------------------- A carga tributária, explica Everardo Maciel, pode subir por várias razões - porque a máquina arrecadadora ficou mais eficiente, por causa do crescimento heterogêneo do PIB, por razões conjunturais, como o fim das compensações de prejuízos acumulados das empresas, fato que aumenta a base de cálculo no momento seguinte etc. Estes são fatores sobre os quais as autoridades não têm controle absoluto - não se imagina, por exemplo, que o governo vá pedir à Receita Federal para não ser tão eficiente na cobrança dos impostos. Na avaliação de Maciel, o que aumenta efetivamente a carga é o aumento das alíquotas e da base de cálculo dos tributos. "O aumento de carga só é nocivo nessa hipótese. É o que efetivamente repercute na renda pessoal disponível ou na capacidade de investimento das empresas", sustenta o ex-secretário. Pensando nisso, com a assessoria técnica de Maciel, o deputado Guilherme Campos, do Democratas de São Paulo, apresentará à Câmara, em breve, proposta de emenda constitucional estabelecendo que, nos próximos oito anos (até 31 de dezembro de 2015), a União, os Estados e os municípios estão proibidos de aumentar as alíquotas ou a base de cálculo dos tributos e contribuições sociais (inclusive da contribuição sobre folha de pessoal). Nesse período, diz a proposta de Campos, está vedada também a criação de novos impostos. As exceções são as alíquotas ad rem, isto é, fixadas em reais sobre unidades físicas e que, por causa da inflação, precisam ser atualizadas de tempos em tempos. As alíquotas do IPI incidentes sobre combustíveis, bebidas e cigarros estão nessa categoria. Ainda assim, para evitar abusos na correção, o deputado Guilherme Campos proporá que a atualização dessas tarifas não exceda a variação do INPC. Não estarão sujeitos também à limitação os impostos patrimoniais, bem como os tributos regulatórios (IOF e os impostos de exportação e importação). Além de conter efetivamente o aumento da carga tributária, a emenda Campos, se aprovada, teria um efeito colateral muito positivo. O limite à elevação dos impostos obrigaria os três níveis de governo a conterem a expansão das despesas. O resultado dessa equação poderia ser mais eficiência tanto na arrecadação de tributos quanto na realização dos gastos. "Há uma interação viciosa no Brasil. A carga tributária sobe porque a despesa sobe e a despesa sobe porque a carga pode subir", diz o ex-secretário Everardo Maciel. Guilherme Campos, um estreante na Câmara - ele é presidente da Associação Comercial de Campinas (SP) e foi vice-prefeito daquela cidade -, apresentou semana passada sua proposta à Executiva Nacional dos Democratas. A proposição foi bem-recebida e, ontem, a cúpula do partido decidiu transformá-la numa bandeira da sigla. É bom lembrar que o Democratas lidera também a campanha pela não-prorrogação da CPMF. A proposta vem em boa hora. A carga tributária não pára de subir e o governo Lula, sem nenhum constrangimento, está pedindo ao Congresso para prorrogar, mais uma vez, a cobrança da CPMF. E faz isso sem acenar com a possibilidade de redução das alíquotas e dos gastos. Ao ser confrontado com o projeto de Campos, um petista influente reconheceu: "Será difícil alguém ficar contra". Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.