Opinião - Sistemas tributários e o debate sobre a tributação específica

02 Ago 2007
André Franco Montoro Filho Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, ensina, em seu tratado sobre economia do setor público, que são cinco as características desejáveis de um tributo: 1) eficiência econômica, ou seja, a não-distorção dos preços relativos; 2) simplicidade administrativa, tanto para o fisco como para o contribuinte; 3) flexibilidade, ou seja, capacidade de se ajustar automaticamente às mutantes condições econômicas; 4) transparência, pois o contribuinte deve saber quem paga o imposto e quanta paga; e 5) eqüidade ou justiça, que significa tratar igualmente situações iguais e desigualmente situações desiguais. Esta última característica está contemplada no primeiro parágrafo do artigo 145 da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece que "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte". Observa-se que este mandamento constitucional enfatiza "sempre que possível" e, assim, não necessariamente em todos os casos, apesar de ser recomendável que o sistema tributário, ou seja, a totalidade dos tributos, obedeça à capacidade contributiva. É possível mostrar que, entre os impostos existentes e suas variadas formas de cobrança, não existe um que seja superior aos demais em todos os quesitos. Desta forma, é preciso, em cada caso específico, analisar suas vantagens comparativas para verificar, em vista dos fatores mais relevantes para esta situação concreta, qual deles se afigura como o mais indicado. Em outras palavras, a escolha ou avaliação depende, em cada caso, da importância ou do peso que é conferido a cada uma das características listadas. Para os impostos sobre as vendas ou sobre o consumo, é possível calcular o imposto a ser cobrado de duas formas distintas. Uma - a mais conhecida e mais aplicada no Brasil - é calcular o imposto sobre o valor da transação. São assim impostos "ad valorem". A outra, que era impossível de ser utilizada no Brasil da superinflação, é estabelecer um valor fixo para cada unidade transacionada. Este imposto é conhecido como imposto específico ou "ad rem". Tome-se o exemplo de um imposto sobre a venda de cervejas. O imposto pode corresponder a uma percentagem, chamada de alíquota, do valor vendido - 30%, por exemplo - ou a um montante específico por unidade vendida, digamos 30 centavos por lata de cerveja. Com o preço da lata igual a um real, os dois impostos redundariam no mesmo valor. Caso os preços nunca variassem, seria possível provar que o sistema "ad rem" é, em todas as características, superior ou equivalente ao sistema "ad valorem". Como os preços variam, a análise relevante é, então, avaliar os sistemas quando há variação de preços. Nestas circunstâncias, o sistema "ad valorem" é superior no quesito de flexibilidade. É exatamente por causa desta superioridade que, em períodos de alta inflação, o sistema "ad rem" ou o imposto específico é praticamente abandonado. --------------------------------------------------------------------------------Não há um tipo de imposto que seja mais indicado para todas as ocasiões e para todas as finalidades--------------------------------------------------------------------------------Pode-se também argumentar que, como para a mesma categoria de bens os preços podem, por variadas razões - especialmente qualidade ou sofisticação - ser diferentes, o imposto "ad valorem" seria o mais justo, pois são os mais abonados que compram os bens mais caros e, portanto, deveriam pagar mais impostos. Esta é uma característica muito importante no caso de impostos onde se deseja fortes efeitos distributivos. Não é este, em geral, o objetivo dos impostos sobre as vendas e sobre o consumo de bens não essenciais ou de bens que não sejam de primeira necessidade, como no caso de cervejas, cigarros, refrigerantes e combustíveis para transporte individual. Nestes casos, outras características ou objetivos se tornam mais importantes. Entre estes, a simplicidade administrativa ocupa um lugar de grande destaque. Neste quesito, os impostos específicos ou "ad rem" apresentam grande superioridade em relação aos impostos "ad valorem". A facilidade de cobrança e de fiscalização de impostos específicos é uma poderosa arma de combate à sonegação e de prevenção a desequilíbrios de concorrência. Seu benefício é tão superior que fez com que, recentemente, o governo brasileiro acolhesse a demanda da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT) para tributar a importação de produtos têxteis mediante utilização da alíquota "ad rem". O Brasil, assim como freqüentemente fazem os Estados Unidos e outros países desenvolvidos para diversas mercadorias, passará a tributar a importação de têxteis como base em um valor fixo, em reais, por quilo do produto. Com esta medida, procura-se combater a concorrência desleal chinesa e dificultar ação dos sonegadores. Concluindo, o lançamento de impostos se depara com uma grande variedade de circunstâncias e tem múltiplos objetivos. Não há um tipo de imposto que seja o mais indicado para todas as ocasiões e para todas as finalidades. Um bom sistema tributário deve, assim, incluir diversos impostos e diversas formas de cobrança. André Franco Montoro Filho é Ph.D. em Economia pela Universidade Yale, professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) e presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), que lançou recentemente o livro "Tributação Específica", disponível para download no site www.etco.org.br