Filosofia: a democracia segundo Norberto Bobbio

09 Ago 2007
Entrevista: Celso Lafer, cientista polític0, ex-ministro, professor da USP GABRIEL BRUST O italiano Michelangelo Bovero e o brasileiro Celso Lafer são os próximos palestrantes do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, promovido pela Copesul Cultural em Porto Alegre. Eles vão falar sobre as ameaças que pairam sobre a ordem mundial. Trarão como importante autor de referência o filósofo Norberto Bobbio, falecido em 2004. Dois lembretes importantes: o encontro tem os ingressos esgotados e, desta vez, ocorre em horário e local diferentes dos das palestras anteriores. Será às 20h, no Salão de Atos da PUCRSFilósofo político, historiador e senador vitalício na Itália, o pensador Norberto Bobbio (1909 - 2004) estará no centro das discussões do próximo encontro do ciclo Fronteiras do Pensamento. O italiano, responsável por centenas de títulos entre obras de ensaio, direito, ética, filosofia, além de comentários políticos, será invocado pelo brasileiro Celso Lafer, doutor em Ciência Política pela Cornell University e chefe do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, e pelo também italiano Michelangelo Bovero, professor de Ciências Políticas da Universidade de Turim. Membro efetivo da Academia Brasileira de Letras, Lafer trará a Porto Alegre uma reflexão sobre a democracia e as relações internacionais sob a perspectiva de Norberto Bobbio. As convicções do pensador italiano - figura importante no embate ideológico do século 20 - constituem importantes pistas para se pensar a realidade política atual, até mesmo a brasileira, carente de transparência, como demonstra o ex-ministro Lafer:- Bobbio diz que uma das características da democracia é o exercício em público do poder comum, ou seja, a idéia da transparência do poder.Sob uma ótica mais ampla, Michelangelo Bovero falará sobre perspectivas da democracia, mas a marca do pensamento de Bobbio nem é preciso ser explicitada no título de sua palestra. Além de conterrâneo, Bovero foi aluno, colaborador e, para muitos, seu sucessor, tendo sido responsável pela interpretação e reconstrução sistemática do pensamento de Bobbio, organizando duas de suas principais obras: Dal Fascismo alla Democrazia (1997) e Teoria Geral da Política: A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos (1999). Para saber mais sobre a colaboração de Norberto Bobbio para o pensamento da política atual, Cultura conversou, por telefone, com o professor Celso Lafer: Cultura - Qual a marca principal da visão de Norberto Bobbio sobre democracia e relações internacionais?Celso Lafer - Bobbio, na sua obra, diz que as condições para uma humanidade mais pacífica, mais estável, são duas: o aumento do número de Estados democráticos no sistema internacional e o avanço dos processos de democratização do sistema internacional. Existem obstáculos que podem dificultar isso. Há dois fenômenos que estão nessa linha. O primeiro é o unilateralismo norte-americano corporificado pela invasão do Iraque, que gerou hegemonia e, ao mesmo tempo, criou insegurança quanto ao padrão de conduta aceitável no plano internacional. Isso se dá em um sistema internacional que se tornou heterogêneo: os Estados que o integram não têm uma concepção comum sobre como organizar a vida coletiva. O segundo: o aparecimento, junto com este que eu chamo de solipsismo da soberania - que se volta somente para si e não para o outro - da razão terrorista. Ela também é solipsista, é, no fundo, o pacto dos violentos voltado para impedir a estabilidade da ordem mundial. Ele não é novo, mas tem uma dimensão transnacional. Você tem de um lado o unilateralismo e, do outro, o terrorismo. Os dois convergem para dificultar. Cultura - Qual a importância do pensamento de Bobbio hoje?Lafer - Para que o cidadão possa exercer sua atuação de cidadão livre, segundo Bobbio, ele precisa ser informado, e, para isso, é preciso que haja publicidade. O terrorismo contribui para complicar a democracia no campo interno, porque reduz a possibilidade da visibilidade do poder. Isso aparece, diz Bobbio, através de aspectos como o cripto governo, o que atua na sombra, por serviços secretos, e o poder unividente, que tudo vê, através de meios técnicos que permitem isso. Tanto o terrorismo quanto esse empenho de dominação atuam na sombra e impedem a transparência do poder. O Patriot Act (projeto de lei aprovado pelo congresso norte-americano logo após o 11 de setembro ampliando o combate ao terrorismo) é uma expressão disso. Ele complica a democratização internacional. Com isso, se têm um plano internacional mais estável e uma situação que favorece a violência. Cultura - De que maneira o Brasil se encaixa nesse contexto internacional?Lafer - Do ponto de vista do Brasil, é importante, para a condução da política externa brasileira, saber em que mundo estamos inseridos. A avaliação da dinâmica do sistema internacional é importante para a condução da política externa. Toda política externa é a tradução de necessidades internas. E as externas estão dadas pelas dinâmicas que eu vou procurar descrever em Porto Alegre na terça-feira. Cultura - O que esperar de Michelangelo Bovero?Lafer - Bovero é o sucessor de Bobbio na cadeira de Teoria Política da Universidade de Turim, é um dos grandes conhecedores da obra do Bobbio. A ele se deve a organização da Teoria Geral da Política, do Bobbio, que está também publicada em português e que mostra amplitude do conhecimento que ele tem da obra de Bobbio. Já o Contra o Governo dos Piores é uma gramática da democracia. O que ele pretende discutir são os dilemas que a democracia hoje enfrenta para se afirmar. O que ler De Michelangelo Bovero: No livro Contra o Governo dos Piores: Uma Gramática da Democracia (Editora Campus, 2002), Bovero redefine e restabelece a utilização das palavras relacionadas à soberania popular. Ao passar pelos conceitos de igualdade, liberdade, tolerância, direitos humanos e cidadania, discorre sobre a importância da mídia e adverte para o risco de controle da opinião pública, o qual ele denomina ¿telecracia política¿, em que o eleitor será escolhido e moldado por aquele que está elegendo. De Norberto Bobbio: Organizados por Michelangelo Bovero, os 40 ensaios que compõem o livro Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições Clássicas (Editora Campus, 1999), de Norberto Bobbio, foram selecionados a partir de dois critérios principais: (1) a competência de cada texto em expressar o melhor do pensamento bobbiano sobre temas específicos e (2) a pouca ou nenhuma circulação de alguns textos. Através do tratamento sistemático de conceitos políticos fundamentais, a obra oferece uma representação geral do universo político de Norberto Bobbio dividido em seis partes. De Celso Lafer: No livro A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira (Editora Perspectiva, 2001), o ex-ministro das Relações Exteriores (1992) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (1999) oferece uma interpretação das forças que regem a política externa brasileira com embasamento na relação entre identidade nacional e política externa.