Editorial - A CPMF e a Lei de Murphy
Segundo os cínicos, cada povo tem o governo que merece. Pode ser, mas quem merece uma oposição que tenta piorar uma proposta do governo? A idéia de renovar por mais quatro anos o chamado imposto do cheque, a CPMF, já é muito ruim. A solução ideal seria derrubar a proposta e forçar o Executivo a conter o gasto corrente. A segunda melhor resposta seria aprová-la com emendas para atenuar seus efeitos. A oposição - com apoio de parlamentares da base governista - conseguiu conceber a pior das idéias: condicionar a aprovação do projeto à divisão da receita com os Estados e municípios. Até para o mais ingênuo dos brasileiros é evidente qual seria a conseqüência. Se tiverem esse dinheiro incorporado a seus orçamentos, governadores e prefeitos farão o possível para perpetuar a cobrança desse tributo teratológico. Segundo pesquisa da consultoria Arko Advice, 69,2% dos deputados defendem a renovação da CPMF com alíquota decrescente - até o nível de 0,08% em 2010, considerado por alguns como quase simbólico - e metade dos deputados é favorável à partilha da receita com os Tesouros estaduais e municipais. O governo rejeita as duas idéias, alegando não poder dispensar um centavo sequer da arrecadação obtida com a alíquota de hoje, 0,38%. Na verdade, nenhum dos governos - da União, dos Estados e dos municípios - "precisa" desse dinheiro. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem defendido sua posição com três argumentos: 1) a receita da CPMF, estimada em cerca de R$ 38 bilhões para o próximo ano, é indispensável à saúde financeira do governo central; 2) sem esse dinheiro, a União não terá como sustentar os programas sociais e haverá prejuízos para a saúde e para a educação; e 3) a perda financeira afetará a imagem do Brasil nos mercados internacionais, atrasará a conquista do grau de investimento e tornará o País mais vulnerável a choques externos. Todos esses argumentos são raquíticos. A arrecadação federal teria crescido, neste ano, mesmo sem a CPMF. Em segundo lugar, os gastos sociais - ou quaisquer outros considerados prioritários - não dependem, de fato, de um tributo específico, mas de uma correta alocação de recursos. Em terceiro, a imagem do Brasil seria muito mais sólida, perante a comunidade financeira, se houvesse uma efetiva austeridade fiscal e maior eficiência no uso de recursos públicos. Além disso, a extinção da CPMF, um tributo causador de múltiplas distorções, beneficiaria a economia brasileira, contribuindo para a redução de custos, para maior competitividade e para o aumento da produção e do emprego. Todos esses fatores contribuiriam para o aumento da arrecadação em todos os níveis de governo e para o fortalecimento da posição fiscal. O empenho do governo em manter a CPMF por mais quatro anos é explicável muito mais facilmente - e com maior realismo - por sua pouca disposição de conter a expansão dos gastos federais, de combater o desperdício e de renunciar à concessão de benefícios politicamente rendosos. A renovação da CPMF é praticamente certa, pois o governo tem conseguido manter a fidelidade de uma parte considerável de seus aliados. A barganha de cargos pelo apoio parlamentar já foi usada, nesse episódio, e continua sendo. Diante dessa perspectiva, congressistas poderão atenuar os efeitos de mais quatro anos de CPMF se conseguirem a aprovação de uma alíquota decrescente. Será uma solução precária, de toda forma, pois sempre haverá o risco de um retrocesso, enquanto o tributo permanecer em vigor. Esse risco será ampliado, de forma considerável, se governadores e prefeitos tiverem acesso à receita gerada nos próximos anos por essa contribuição. A maior parte deles tem mostrado escasso interesse numa efetiva melhora do sistema tributário. Arrecadar continua sendo sua prioridade, quando se trata de impostos e contribuições, mesmo à custa de prejuízos muito graves para o setor produtivo. Não vale a pena correr esse risco. Ao defender essa partilha, parlamentares assumem o risco de consagrar uma variante brasileira da Lei de Murphy: se algo é passível de piora, há de piorar.