Filme de Bressane é aplaudido em Veneza
Ave, BressaneVENEZA - Boa recepção a Cleópatra, de Julio Bressane, primeiro brasileiro apresentado no Festival de Veneza. O filme, exibido fora de concurso na seção intitulada Mestres de Veneza, foi projetado na sala PalaLido, a maior do festival, com mais de mil lugares. Não dá para dizer que todas as poltronas estavam ocupadas e nem que não tenha havido deserções. Afinal, Bressane continua o cineasta fora de padrões convencionais que todos conhecemos. Mas meia casa ficou. E essa meia casa que ficou aplaudiu o filme demoradamente no final. Curtiu a maneira pouco usual como o cineasta brasileiro mostrou a história da rainha do Egito, interpretada por Alessandra Negrini (fotografada em ângulos por certo diferentes dos da novela da Globo), e seu envolvimento (político-erótico) com os romanos por Júlio César (Miguel Falabella) e Marco Antonio (Bruno Garcia). Independentemente da Negrini, o filme é de grande beleza visual (mais uma vez fotografado por Walter Carvalho) e denso em simbologia, utilização da música popular brasileira de maneira anacrônica, e implicações históricas, por exemplo nas considerações sobre o Império Romano que bem poderiam ser aplicadas a hoje. Mas certamente Bressane não autorizaria uma transposição assim tão imediata dessas referências. Fica o fato, confirmado, que Julio Bressane é cineasta bastante apreciado nos festivais europeus. Não, não é um grande sucesso, mas tem um nicho intelectual seguro, por assim dizer. 4 comentários Maratona de filmes: Haggis, Rohmer, Loachpor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 08:02:27.VENEZA – Na maratona em que se transformou esse fim de semana em Veneza, só posso dar a vocês uma idéia dos filmes que tenho visto. In the Valley of Elah, de Paul Haggis, deveria ser posto em continuação com Redacted, de Brian de Palma. Com linguagens e propósitos diferentes, tratam do mesmo assunto, os efeitos deletérios da invasão do Iraque sobre os próprios Estados Unidos. Tommy Lee Jones faz o pai de um soldado, recém-chegado do Iraque e que desaparece de repente. Ele procura pelo filho, à maneira de uma trama policial. E acaba descobrindo coisas que talvez não quisesse e o fazem mudar a concepção que tem do seu próprio país e do patriotismo. Um belo e intenso filme, do mesmo diretor de Crash, que ganhou o Oscar no ano em que todos esperavam pela vitória de O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee. Com Les Amours d’Astrée et de Céladon, o veterano Eric Rohmer busca a linha da fábula pastoril, na qual os dois amantes se desentendem, se separam e acabam se reencontrando depois de muitas situações equívocas. Ambientada no século 5 d.C., segundo uma narrativa do século 17. È incrível como Rohmer, em idade avançada, consegue manter o frescor de sua narrativa, e valoriza as ambiguidades das situações amorosas. Acabei de ver o novo Ken Loach, It’s a Free World, um título de evidente ironia, pois adota como tema a exploração de trabalhadores ilegais que chegam à Inglaterra em busca de uma oportunidade. Terminou a sessão e alguém me disse: “Ele sempre faz o mesmo filme”. Conversa. A preocupação social è a mesma. Os filmes são diferentes. O estilo è simples, extraindo interpretações intensas. E, quando os europeus, com sua auto-suficiência, culpam os imigrantes ilegais por tudo de ruim que acontece, Loach, um humanista de esquerda, repõe as coisas em seus lugares e mostra a parte que cabe aos países desenvolvidos por esse estado de coisas. No caso, a personagem principal é uma moça inglesa, explorada ela própria, que passa a explorar os outros, mais fracos do que ela, pois afinal “tem filho para criar e precisa sobreviver”. É assim: os peixes maiores comem os menores e os um pouquinho mais fortes devoram os outros para não serem devorados pelos de cima. Admirável mundo… Deixe seu comentário 31.08.07 Cidade dos Homenspor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Críticas s 15:24:40.Talvez quem espere de Cidades dos Homens uma continuação perfeita de Cidade de Deus venha a se decepcionar. Mas isso é que de melhor poderia acontecer com o filme de Paulo Morelli – não seguir os traços de sucesso daquele divisor de águas do cinema brasileiro da Retomada e dar um rumo pessoal à vida dos seus personagens.O risco de parecer uma contrafação do primeiro era, obviamente, muito grande. Afinal, os personagens Acerola e Laranjinha aparecem no curta Palace II, espécie de laboratório de Cidade de Deus. Depois do sucesso (público, crítica e internacional) do filme de Fernando Meirelles baseado no romance-depoimento de Paulo Lins, a Globo encampou o projeto na série de TV Cidade dos Homens. Agora, o filme homônimo chega às telas. O que ele tem de mais?Muita coisa, a começar pelo ponto de partida, o eixo que Paulo Morelli estabelece para balancear sua história – a questão paterna. Acerola (Douglas Silva) é pai precoce. Tem um filho de dois anos para criar e sua cabeça não parece muito mais amadurecida do que a do menino de colo. A coisa se complica para ele quando a mulher vê-se obrigada a arranjar emprego em São Paulo e ficar fora por um bom tempo. Acerola terá de assumir, sozinho, a guarda da criança.Já o problema de Laranjinha é outro. Ele é filho de pai desconhecido e quer descobrir suas origens. Começa a remexer no passado e, como se diz, quem procura acaba achando, mesmo que não seja aquilo que deseja. Aliás, em geral não é.Enquanto os dois procuram resolver seus problemas, o morro onde vivem ferve com a guerra de quadrilhas do tráfico. Madrugadão (Jonathan Haagensen) e Nefasto (Eduardo BR) disputam a liderença e envolvem os outros na violência.É o ambiente de Cidade de Deus, mas fotografado em seu inverso. Se no filme de Fernando Meirelles via-se quase apenas o lado dos traficantes, como se não houvessem pessoas honestas na favela, aqui é o exato contrário. O tráfico faz o papel de incômodo pano de fundo; no primeiro plano, estão as pessoas normais, pobres com muitas dificuldades para existir e sobreviver. Em Cidade de Deus (em especial na segunda parte) o ritmo é frenético, um comentário audivisual do pique da cocaína. Aqui, procura-se movimento mais lento, largo, talvez mais reflexivo. Afinal, Acerola e Laranjinha são dois garotos, agora com 18 anos, que desejam escapar à determinação de ferro do lugar onde nasceram e cresceram.Esse é o horizonte de Cidade dos Homens. Existe um caldo de cultura desfavorável, tudo empurra a dupla para o caminho do crime. Mas sempre existe uma saída, então o determinismo não é completo, não vigora a lei de ferro da causalidade mecânica. Em Cidade de Deus também havia, e essa exceção era representada pelo personagem Busca-Pé, que se torna fotógrafo e sobrevive. Mas ele era o narrador, alguém que via, quase de fora, a história se desenrolar e a registrava, com participações mínimas.Agora os que procuram escapar são os dois protagonistas. O mundo não tinha saída para Zé Pequeno e Bené, mas parece mais aberto para Acerola e Laranjinha. Não por acaso eles encontram a via de escape no processo que desencadeiam ao responder a uma pergunta: o que é ser um pai? Pergunta que remete à identidade de cada um. Buscando saber quem são, Acerola e Laranjinha encontram uma liberdade possível. Pode ser uma fábula feliz, mas mesmo assim ainda é bonita. Deixe seu comentário 30.08.07 O horror segundo De Palmapor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 21:08:55.VENEZA - Acabei de sair da primeira sessão mundial de Redacted, filme de Brian De Palma sobre a presença norte-americana no Iraque. Acabou a projeção e um silêncio tumular caiu sobre a platéia. Não se ouviu um aplauso. Não se ouviu ninguém conversar com ninguém. As pessoas foram saindo, quietas, com se o peso do mundo tivesse caído sobre cada uma delas. Não sei se gostaram ou não. Sei que o filme calou fundo. Eu fiquei muito impressionado. Pela coragem, pela utilização de vários materiais e recursos do documentário e do docudrama para reconstituir uma das tragédias daquela invasão: o caso do massacre de uma família de iraquianos por um grupo de soldados, que invadiram a casa, violentaram uma garota de 15 anos, depois a mataram e queimaram o corpo, e assassinaram o resto da família que havia presenciado a cena, mãe, irmãs, o avô. Um horror. Muito ainda terá de ser dito sobre esse filme especial, desde já, a meu ver, um dos mais fortes libelos contra a guerra em geral, e esta em particular, dos últimos anos. Simbolicamente, tiro meu chapéu para De Palma. 18 comentários Sleuth, remake de prestígiopor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 20:57:39.VENEZA - O outro concorrente é um remake de prestígio, Sleuth, no qual Kenneth Branagh “relê” o original de Joseph Mankiewicz, de 1972. No primeiro filme temos um duelo entre o veterano Laurence Olivier e o então jovem Michael Caine. Agora, Caine faz o papel do mais velho e Jude Law assume o personagem que era de Caine no filme de Mankiewicz. Como remake, é brilhante, com os diálogos esculpidos a navalha por Harold Pinter.Mas quem conhece o original não deixa de sentir certa sensação de déjà vu ao longo da sessão. Afinal, aquele sofisticado duelo entre dois homens, um tentando esmagar psicologicamente o outro, já está na peça original de Anthony Shaffer, matriz dos dois filmes. Na cena, os dois duelistas, o rico Andrey Wyke (Caine) e o ator novato Milo Tindle (Law), amante da mulher de Wyke. Branagh faz um trabalho de direção refinado, mas um tanto estiloso a mais, como se precisasse provar, com a escrita da câmera, que não estamos diante de teatro filmado, impressão que acaba por se impor, sem que isso seja necessariamente um mal.Na coletiva, amplamente dominada pelo charme e humor de Michael Caine, a equipe tentou provar o tempo todo que esse novo Sleuth era mais do que um remake, turbinado como está pelo texto de Pinter. “Não tenho nada contra revisitar um clássico, mas aqui acho que temos algo mais nessa história da rivalidade sexual entre dois homens”. De fato, a questão homossexual de fundo não aparecia na primeira versão de maneira tão clara como nesta. Mas este ponto a fará tão diferente assim da outra? 1 comentário O escândalo de Ang Leepor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 20:55:05.VENEZA - Se Jie (Lust Caution), baseado no romance de Eileen Chang, que muitos definem como a Jane Austen chinesa é o novo filme de Ang Lee. A história desse filme de 156 minutos ambienta-se na Xangai dos anos 40, ocupada pelos japoneses. Yee (Tony Leung) é um truculento colaboracionista do governo títere. Wong Chia Chi (a estreante Tang Wei) é uma jovem atriz, que entra para o movimento de resistência à ocupação japonesa. O problema da resistência é chegar até Yee, alvo em aparência inalcançável, cercado da mais rígida segurança. A garota será o único meio de atingi-lo e o caminho será o do sexo, naturalmente. O filme veio precedido dessa fama escandalosa que todo ano cerca alguns concorrentes (festival sem escândalo não é digno do seu nome, dizem os entendidos). Dizia-se que as cenas de sexo eram longas e tórridas. E são mesmo, no limite do hard core. Mas não se vê, em momento algum, uma única cena que seja gratuita. Se lá estão é porque têm razão dramática para existir. E será em torno do relacionamento entre os personagens de Tony Leung e Tang Wei que esta história de amor, espionagem e política ganhará seu sentido. Um sentido que o leva à fronteira entre a paixão e morte, como acontecia, em outro contexto, com Império do Desejo, de Nagisa Oshima, por exemplo. O sexo, e também algumas cenas de violência, podem chocar almas mais sensíveis. Mas o centro do filme se quer em outra parte – “Quis falar nem tanto do sexo, mas da ambivalência radical do ser humano”, diz Ang Lee que, há dois anos ganhou o Leão de Ouro aqui em Veneza com O Segredo de Brokeback Mountain, a famosa história dos caubóis gays. Talvez agora, em outro registro, Lee tenha continuado a falar desse descentramento fundamental que é o desejo, impelindo as pessoas para direções bem diferentes das apontadas por seus projetos racionais. Mas, se na produção americana o taiwnês se acomoda ao registro melodramático característico daquela cinematografia, agora, ao voltar a filmar em seu país de origem, pode retrabalhar esse tema com estatuto trágico. Uma bela evolução, ou variação, provando que Ang Lee é cineasta de múltiplos registros – o que não é necessariamente um ponto a seu favor.Acho, até agora, o trabalho mais consistente apresentado no festival. 1 comentário A crise de Kitanopor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 20:49:52.VENEZA - Kitano não pirou, mas está em clara crise criativa. Kontoku Banzai! (Glória ao Cineasta), continuação de seu trabalho anterior, Takeshi’s é expressão dela. No primeiro, ele tentava trabalhar, uma contra a outra, suas duas “personas”, o popular “beat” Kitano e o cult Takeshi, diretor de filmes de arte. Em Glória ao Cineasta, ele desdobra sua personalidade em um boneco de plástico e tenta gêneros novos, para ele. Ensaia um filme à maneira de Ozu, a comédia rasgada, a ficção científica e por aí vai. “A motivação para essa obra veio com uma constatação: meus filmes não fazem sucesso na bilheteria; como atingir o público?”, disse. À pergunta sobre o perigo desse cinema auto-referente se esgotar em si mesmo, Kitano respondeu de maneira sincera: “Ainda vou fazer um terceiro filme sobre essa questão, com o objetivo mesmo de desmantelar tudo, não deixar pedra sobre pedra e recomeçar do zero”. Só se pode desejar que essa psicanálise selvagem termine logo. 1 comentário Kitano pirou?por Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 06:27:54.VENEZA - Daqui a pouco vou para a entrevista com Takeshi Kitano. Mas a pergunta que deveria ser feita, e a boa educação nao recomenda, seria: o sr. pirou? É o que vem à cabeca ao ver o seu filme , apresentado aqui fora de concurso, Kontuko Banzai!, traduzido por algo como Glória ao Diretor. Kitano diz que fez um filme cubista (sic), apresentando uma mesma célula temática sob vários ângulos. Como jurou não dirigir mais filmes sobre gângsteres e violência, o diretor, interpretado por ele mesmo, não sabe o que fazer para atingir o público. Filmar como Ozu, fazer comédias populares, filmes de horror? A piada começa interessante, mas logo vai perdendo a graça e cansando. O público, exausto, foi deixando a sala. Ruim, para quem é tido por aqui como mestre e comemora dez anos do Leão de Ouro ganho com Hana-Bi, Fogos de Artifício, um filme mágico. Bons tempos. Será que voltam? 2 comentários 29.08.07 A mala, a uva e os filmespor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 13:23:11.VENEZA – Aos que se solidarizaram com o sumiço da minha mala, agradeço e comunico que a dita cuja apareceu, sã e salva. Assim, sem dramas, e junta com um cestinho de frutas (ótimas uvas italianas) como pedido de desculpas. Tudo normal, então e não vou ter de jogar a culpa no pobre do Sarkozy, que deve ter mais o que fazer. Saio agora para ver dois filmes que prometem: Se, Jie (Lust, Caution), um Ang Lee de quase três horas, e Kantoku Banzai!, de Takeshi Kitano. Dizem que o novo Ang Lee (que ganhou aqui em 2005 com O Segredo de Brokeback Mountain) pode ser o filme-escândalo do ano, com cenas de sexo fortíssimas. Será? Vamos ver. Fui. 4 comentários A bola de ferro de Fellinipor Luiz Zanin, Seção: Cinema, Festivais s 12:06:42.VENEZA - Estava dando uma volta em frente ao Palazzo del Cinema, quando tive uma experiência surreal. Lembram daquela bola de metal que irrompe parede adentro de Ensaio de Orquestra, de Fellini? Pois bem, ela estava lá, agora, desta vez derrubando uma das paredes do Palazzo. É a nova (ia dizer decoração, mas o termo é ofensivo) instalação de Dante Ferretti para o festival. E “simboliza” talvez muita coisa. Talvez a suposta capacidade do cinema de romper barreiras, derrubar o já estabelecido, coisas assim, que fazem parte mais da mitologia que da ordem da realidade. Talvez o (este sim palpável) o projeto para um novo Palácio do Cinema, mais moderno, mais em conformidade com a vocação de gigantismo dos atuais festivais de cinema. Veneza, assim, se equipararia à sede do arqui-rival Cannes, cujo Palais é um complexo midiático para ninguém botar defeito. Assim, a esfera significaria que, para construir o novo (que já está no papel, só falta a verba) seria preciso destruir (simbolicamente, claro) o velho. Ah, sim, e minha experiência surreal, de déjà vu, tem sua razão de ser. Aprendi depois que foi o próprio Ferreti quem desenhou a bola para o filme de Fellini, aquele mesmo que usa a orquestra sinfônica como metáfora da sociedade. Com tantos interesses distintos e mesmo contraditórios, tantos instrumentos e vozes, quem a conduz? Um maestro ditatorial ou podemos substituí-lo por um bom metrônomo, que marca o ritmo mas não manda em ninguém? O filme é uma reflexão sobre o anarquismo e o autoritarismo feita na época da luta armada na Itália das Brigadas Vermelhas. Por sorte, entre esses dois extremos cabem soluções intermediárias. Apenas não as encontramos ainda, mas esta é outra história, que tem na bola de ferro de Fellini apenas seu ponto de partida.