6.ª Bienal do Mercosul tem caráter educativo e sem fronteiras

04 Set 2007
PORTO ALEGRE - No conto do escritor João Guimarães Rosa, A Terceira Margem do Rio, o pai, "homem cumpridor, ordeiro, positivo" resolve um dia encomendar uma canoa para nela ele adentrar o rio e dele não mais sair. Deixa a família numa das margens, sai remando para dos filhos e da mulher se desamarrar - parentes e conhecidos pensaram que apenas se tratava de "doideira" daquele homem que escolheu um caminho, o de ficar solitário no meio do rio. Para conceber a 6.ª edição da Bienal do Mercosul, que neste sábado, 1, é inaugurada para o público na capital gaúcha, o curador espanhol Gabriel Pérez-Barreiro usou a metáfora da terceira margem do conto rosiano. Segundo ele, para dizer que na arte há várias margens, sendo o público também uma delas: e nesse diálogo, criativo e sensível, uma terceira via pode ser criada. Veja também: Galeria de fotos Olhando de forma geral pela 6ª Bienal do Mercosul, que se faz com as mostras coletivas Conversas, Zona Franca e Três Fronteiras, abrigadas nos Armazéns do Cais do Porto, às margens do Rio Guaíba; e pelas chamadas exposições monográficas (espécies de retrospectivas) para homenagear os artistas Francisco Matto e Öyvind Fahlström, no Museu de Artes do Rio Grande do Sul, e Jorge Macchi, no Santander Cultural, o diálogo ou relação entre obra e público é proposto sempre de uma maneira mais intimista. Criam-se, em cada mostra, microcosmos, que podem se tornar mais ou menos solitários, sem que isso seja um dano para o evento em geral. "Não queria a Bienal como um supermercado, em que as experiências de passeio e de olhar a arte são separadas. Queria levá-la por uma área mais humana", diz o curador-geral. Tanto que um ponto principal de seu projeto é o amplo programa educativo coordenado pelo artista e professor uruguaio Luis Camnitzer, com salas e ateliês instalados por todos os espaços expositivos e que se integra com a rede de ensino gaúcha. Outra característica também é a colocação de diversas áreas de convivência abrigadas ao longo das mostras nos Armazéns do Cais.Jovem, responsável pela área de arte latino-americana do Museu de Arte de Blanton da Universidade do Texas, Pérez-Barreiro conta que sua especialização é o concretismo argentino. "Já escrevi sobre artistas brasileiros, como Siron Franco e Daniel Senise, mas esse é meu primeiro projeto curatorial no Brasil", completa. Pérez-Barreiro foi convidado em maio do ano passado pela Fundação Bienal do Mercosul, fundada em 1996, para conceber essa edição do evento. Sua proposta foi a de demonstrar que essa Bienal, híbrida "entre o local e o global", pode cada vez mais se expandir para mais do que o território dos países sul-americanos do chamado Mercosul. A mostra é enxuta, tem a participação de 67 artistas, mas suas nacionalidades são diversas e ultrapassam o continente sul-americano. A instalação 7 Fragmentos para Georges Méliès com vídeos do sul-africano William Kentridge é uma bela passagem nessa Bienal, assim como são interessantes as salas com filmes do inglês Steve McQueen, a animação de Chiho Aoshima, do Japão. São exemplos (todos da mostra Zona Franca), mas não cabe aqui fazer a reverência vazia para os estrangeiros. A questão de nacionalidade é algo que se esvai nesta edição do evento.Enfim, a 6.ª Bienal do Mercosul, orçada em R$ 12 milhões, é leve, arejada e foi concebida por meio de uma relação livre entre o curador-geral e seus curadores convidados (o brasileiro Moacir dos Anjos, o uruguaio Alejandro Cesarco, a argentina Inês Katzenstein, o venezuelano Luiz Enrique Perez Oramas e o paraguaio Ticio Escobar). Pérez-Barreiro, também, convidou oito artistas para fazerem curadorias, o que deu origem a uma das seções mais interessantes dessa Bienal, a mostra Conversas. Durante os 79 dias de exibição (até 18 de novembro), o espectador pode transitar da maneira que quiser pelo território aberto desta edição do evento. PRESTE ATENÇÃO: Nos imensos espaços dos Armazéns do Cais do Porto dois galpões estão dedicados à mostra Zona Franca, realizada em conjunto por todos os curadores desta edição da Bienal do Mercosul (exceto Ticio Escobar). Cada obra pode ser vista isolada e cada curador teve autonomia para escolher os trabalhos de acordo com critérios próprios. "Acho que os diálogos vão existir na cabeça de cada visitante. Quisemos mostrar que a curadoria não precisa ser uma coisa só, esse modelo está acabando", diz Gabriel Pérez-Barreiro. De modo a cortar a questão do ego, não é especificado, ao longo da mostra, qual artista foi selecionado por cada curador. Os trabalhos vão se emaranhando. Da seleção de Pérez-Barreiro prevalecem artistas dos Estados Unidos, como Steve Roden, Beth Campbell e Dario Robleto. "Geralmente, como levo os artistas latino-americanos para os EUA, quis aqui fazer o contrário", afirma.Mas vale mesmo é destacar a seleção do curador brasileiro Moacir dos Anjos. Ligado às questões de identidade e lugar e ainda com o tema do lugar ambíguo, como ele diz, estão entre as escolhas de Moacir a instalação humorada e irônica Lot (e), de Nelson Leirner; o vídeo Cuando la Fe Mueve Montañas, do belgo-mexicano Francis Alys (nele o artista registrou uma ação em 2002 em Lima, em que coloca um imenso grupo de pessoas, todas vestidas de camisetas brancas, tentando mover uma alta duna de areia - ação heróica, mas inútil, um trabalho "que responde à crise política e social no Peru"); a obra inédita Continente-Nuvem, de Rivane Neuenschwander (no teto translúcido da sala, um mapa feito de bolinhas de isopor vai se transformando pela ação de ventiladores); e, como grande destaque, a remontagem de Marulho, de Cildo Meireles (em escala maior, essa criação do artista o transporta para a sensação de estar à beira do mar, em um píer).Depois, no próximo galpão, a mostra Três Fronteiras, com curadoria de Ticio Escobar, apresenta os trabalhos realizados pelos artistas Aníbal López, Daniel Bozhov, Jaime Gili e Minerva Cuevas, a partir de residências na zona da tríplice fronteira entre o Paraguai, Argentina e Brasil.