Enganação tributária
Osiris Lopes FilhoAdvogado e professor de direito na Universidade de Brasília, foi secretário da Receita Federal A inversão de valores tem sido tão intensa no Brasil que, aqui, o revolucionário não será a derrubada da ordem jurídica e econômica, como ocorre em outros países. No território brasileiro, o revolucionário é cumprir incondicionalmente a Constituição sobretudo quando ela protege o nosso cidadão e o nosso contribuinte. Dispõe a Constituição que a CPMF, dada a provisoriedade expressa na denominação e disciplinação, tem data marcada para se extinguir – 31 de dezembro deste ano. Tudo que é temporário e precário, pela ordem natural das coisas, não deve se eternizar. Tem tempo certo para deixar de existir. É o que estabelece a Lei Maior. Entretanto, a Câmara dos Deputados, em 1ª votação, deu-lhe mais quatro anos de sobrevida, que, somados ao período anterior, vão compor 15 anos de vigência, a consagrar tributo perverso, enganador, espoliativo e antinacional. Somente governo espoliador do povo e das empresas do país, possuído por voracidade arrecadatória predatória, desvinculada das responsabilidades de boa governança, ousaria manter essa excrescência tributária. Sua enganação começa pela alíquota. Parece mixaria, 0,38%. Todavia, sua arrecadação em 2007 vai superar R$ 35 bilhões, montante superior ao somatório de impostos tradicionais: IPI, IEx, II, IOF, ITR. É gilete. Corta dos dois lados – a produção e o consumo. Na produção, a sua característica cumulativa conspira contra a industrialização e a sua agregação de valor. Todos os insumos adquiridos pelas empresas – matérias-primas, componentes, material de embalagem, salários dos empregados – sofrem a sua incidência, compondo custos, que, sendo cumulativos, elevam exponencialmente o preço final de produção. A conseqüência é a de tornar mais caros os produtos para o consumidor nacional, que, por sua vez, já perdeu disponibilidade financeira pela sua incidência, ao retirar dinheiro da instituição financeira, para adquirir os bens de que necessita. É tributo entreguista. Afeta duplamente a produção nacional. Na exportação, tira competitividade dos nossos produtos por lhes elevar os preços. Na importação, por favorecer a entrada de mercadorias estrangeiras a preços mais baixos, livres da sua incidência, eis que, no país onde são fabricadas, não existe a contribuição. Falta à CPMF elemento essencial para a instituição de tributo – a capacidade contributiva. Em si mesma a movimentação financeira não tem essa qualidade e, quando a tem, já existe o tributo correspondente. É a finalidade da movimentação financeira que indica a existência da capacidade contributiva. Constitui tributo invasor. Interfere em todas as bases econômicas dos impostos e contribuições. Nesse sentido, prejudica com maior intensidade a arrecadação dos entes mais frágeis da Federação – estados, Distrito Federal e municípios. Favorece a desorganização das operações financeiras e mercantis, pois incentiva a monetarização das transações. Para fugir à sua incidência, induz as transações com dinheiro vivo, evitando à emissão de cheques e ordens de pagamento. É incentivadora do atraso. Divulgou-se, como vantagem, incorporar a chamada economia informal, clandestina e criminosa, ao financiamento estatal, via seu pagamento. Na realidade quem mais padece é a economia formal, a suportar a sua efetiva incidência. A crônica policial tem noticiado a apreensão de dinheiro de procedência ilegal em cuecas, armários ou enterrados, em sacos plásticos nos quintais. A criatividade criminosa tem encontrado caminhos para fugir à sua incidência. Alardeia-se a versão de que serve à identificação de evasão e sonegação no âmbito do Imposto de Renda. É uma realidade. Fornece indícios da ocorrência dessas infrações à lei tributária. A Lei Complementar nº 105/2001, que propiciou a quebra do sigilo bancário, tem função similar. A questão é mais complexa, exige densidade de provas da existência de renda, do que tem sido divulgado pelas autoridades. O que se tem é o predomínio do facilitário tributário. O fisco obtém receita elevada, com pouco trabalho. A retenção da CPMF é feita pelas instituições financeiras, que devem fazer o seu repasse para o fisco federal, cuja função se limita a fiscalizar a correção dessas atividades. Em realidade, por antonomásia, a CPMF está provocando a substituição do símbolo da administração tributária – o leão – pela galinha. Volúvel, de grão em grão vai enchendo o papo. Sua base operacional é o poleiro, com tudo que o caracteriza, a proporcionar vôo curto, imediatista, sem perspectivas de futuro, com concentração apenas fisiológica, na alimentação. Vale dizer, obtenção de arrecadação.