Governo dos EUA tenta ditar os rumos da discussão
Mesmo sem assumir nenhum compromisso multilateral de combate ao aquecimento global, Bush convoca encontro de cúpula com 16 países. No começo da semana, presidente dos EUA ignorou reunião sobre o mesmo tema convocada pelo secretário-geral da ONU.Maurício Thuswohl - Carta MaiorRIO DE JANEIRO – Com o pomposo nome de Reunião das Maiores Economias sobre Segurança Energética e Mudança Climática, começa nesta quinta-feira (27) em Washington o encontro entre governantes dos 16 países convocados pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, para discutir questões ligadas ao aquecimento global. O encontro de cúpula, que vai durar dois dias, encerrará uma semana em que a questão ambiental dominou a pauta de discussões multilaterais. Aberta em Nova York, na terça-feira (25), a Assembléia Geral das Nações Unidas dedicou seu primeiro dia quase que exclusivamente às mudanças climáticas. Na véspera, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, reuniu representantes de 150 países para discutir o aquecimento global.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma intervenção marcante, com forte viés ambiental, na abertura da Assembléia Geral da ONU, onde o país tradicionalmente faz o discurso de abertura. Apesar de reiterar a posição do governo brasileiro, que não aceita assumir metas obrigatórias de redução das emissões de gases provocadores do efeito estufa, Lula procurou mostrar que o país está fazendo sua parte e citou diversas vezes a redução do desmatamento da Amazônia registrada nos últimos anos. Lula também apresentou ao mundo o Plano Nacional de Enfrentamento às Mudanças Climáticas que será lançado em seu governo e anunciou a disposição do Brasil de sediar, em 2012, a cúpula da ONU sobre Meio Ambiente Rio+20.A posição a ser adotada por uma outra liderança que recentemente também passou a atuar de maneira incisiva nas questões ambientais, a primeira-ministra alemã Angela Merkel, é aguardada com expectativa em Washington. A Alemanha deve ser a principal porta-voz da insatisfação dos países da União Européia com a postura dos EUA frente às discussões sobre o aquecimento global, que permanece sendo a de não assumir nenhum compromisso com o Protocolo de Quioto ou qualquer outro acordo ambiental multilateral: “Pretendo manifestar a meus colegas a crescente impaciência com que os povos e os governos da União Européia estão encarando esse problema [do aquecimento global]”, disse Merkel, sem citar Bush diretamente.O que quer exatamente o governo dos EUA com o encontro de cúpula que convocou ainda não está bem claro. O desprezo de Bush pela reunião convocada no início da semana pelo secretário-geral da ONU, na qual sequer compareceu, indica que o país não deve anunciar nenhuma mudança de rumo significativa. Descartada essa hipótese, resta a provável tentativa de enquadramento político dos outros países em direção a dois objetivos: a) garantir o fornecimento de energia que permita a manutenção dos modos de consumo e produção norte-americanos, como sugere o “segurança energética” no título do encontro; b) assegurar que os países em desenvolvimento também assumam metas quantificáveis e obrigatórias de redução das emissões de gases, o que permitiria aos EUA se manter ele mesmo longe dos compromissos.Esses objetivos puderam ser pressentidos em alguns gestos de Bush ao longo da semana. O presidente norte-americano não economizou elogios aos líderes dos países que podem num futuro próximo se tornar grandes parceiros dos EUA na questão energética. Entre os chefes de Estado, o mais paparicado foi Lula, que chegou a ser qualificado por um entusiasmado Bush como “um evangelizador na questão do etanol”.Outro gesto sintomático é a pressão exercida sobre China e Índia para que assumam metas significativas de redução para suas emissões. Representante dos EUA junto à União Européia, o diplomata Boyden Gray sugeriu em Washington que Bush está estudando a possibilidade de retaliar os dois países se as emissões de ambos continuarem aumentando: “Não poderemos fazer nada sem a ajuda dessas duas nações. Se houver um impasse, o governo não descarta a possibilidade de retaliações econômicas e comerciais”, disse.Bolo em Ban Ki-moonCom a participação de 150 países, o encontro para discutir as mudanças climáticas convocado para segunda-feira (24) pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, teria sido um sucesso, mas a ausência do anfitrião George W. Bush acabou deixando um travo amargo nos participantes. Apesar de ter enviado em seu lugar a poderosa secretária de Estado Condoleezza Rice, o presidente dos Estados Unidos, na prática, boicotou o encontro convocado pelo sul-coreano, que tinha o objetivo de amarrar as discussões multilaterais com vistas à 13ª Conferência das Partes (COP-13) da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, que acontecerá em dezembro na ilha de Bali, na Indonésia, e começará a definir a agenda a ser adotada pelos países a partir de 2012, quando terminará a primeira fase do Protocolo de Quioto.Durante o encontro de Nova York, Ban Ki-moon não escondeu sua desaprovação à ausência de Bush e ao descaso demonstrado pelos EUA com a agenda multilateral: “A única coisa que não temos é tempo a perder. Não fazer nada agora significa provocar mais tarde um custo muito maior para todos nós. O tempo das dúvidas já passou e já temos acumulado conhecimento científico suficiente para agir imediatamente”, disse. O secretário-geral da ONU também alfinetou o encontro promovido por Bush em Washington: “Penso que o fórum apropriado para esta discussão é a ONU”.