Devolução do ICMS, o melhor estímulo ao exportador
Sandra Nascimento Desde 1996, com a Lei Kandir, o total do imposto retido pelo governo é superior a R$ 13 bi. No momento em que acena com possíveis desonerações para o setor exportador, como forma de compensar as perdas com o real valorizado, o governo federal poderia agilizar o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) retido das empresas que atuam na área. Há mais de uma década, quando foi criada a Lei Kandir (1996), o montante vem acumulando e hoje é estimado entre R$ 13 bilhões a R$ 20 bilhões, número esse nunca oficialmente divulgado pelo Ministério da Fazenda. A melhor forma de dar esse estímulo ao setor, segundo estudo divulgado ontem pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), é fazer com que o Tesouro repasse esses créditos diretamente às empresas e não via estados, como é hoje. Os recursos sairiam dos cofres da União, já que, na avaliação do Iedi, "há espaço fiscal" para tanto, conseqüência do forte crescimento da arrecadação total do País - de 2006 para 2007, por exemplo, essa "folga" superaria 1% do PIB (ver gráfico ao lado). Aos estados caberiam o aval e o reconhecimento da dívida. "Os exportadores vêm acumulando crédito e não recebem", disse o presidente do Iedi, Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas. "Quando conseguem é comprando crédito de outras empresas", acrescentou. "A verdade é que esse crédito é capital de giro, portanto um problema para as empresas", disse o presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Benjamin Steinbruch. Ele não informou o montante ao qual a sua empresa teria direito em créditos do ICMS, limitando-se a afirmar que "é uma participação significativa no total". Gomes da Silva, que também não informou o valor do qual é credor (as empresas alegam sigilo fiscal), destacou que, nas mãos das empresas, esses recursos seriam destinados aos investimentos, tão necessários ao País, e acrescentou que, "sem a interferência da União, esse impasse não será resolvido". Segundo o presidente da Coteminas, o que muitos governadores alegam é que ao reconhecer a dívida (e, portanto, o fato de estarem retendo o dinheiro das empresas), eles correm o risco de ultrapassar os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Para o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Júlio Sérgio Gomes da Silva, um dos autores do estudo, agora é o momento para uma atuação política do governo no sentido de prevenir possíveis conseqüências negativas às empresas brasileiras em um cenário internacional não tão favorável como foi nos últimos anos. E o que levaria o governo Lula a aceitar tal proposta, já que Brasília não admite sequer a redução da alíquota da CPMF, sob a alegação de riscos de queda na arrecadação? Segundo Gomes da Silva, o motivo, além de oportuno como uma sinalização de real interesse do governo em ajudar o setor exportador, é o fato de que, por se tratar de uma dívida passada, o desembolso seria de uma só vez, mesmo que parcelado, ou seja, não haveria renúncia fiscal nem comprometimento da arrecadação futura. Títulos da dívida O estudo do Iedi, de autoria também do professor da Unicamp José Roberto Afonso, sugere como forma de operacionalizar esse "apoio financeiro federal direto ao exportador" a securitização, pelo estado, do saldo credor por ele reconhecido. "A idéia é criar um precedente e uma cultura para que no futuro, depois de realizada a reforma tributária e implantado o IVA, já existam mecanismos testados para aproveitamento dos créditos tributários", disse Afonso. "Ao invés de o estado simplesmente emitir um comunicado oficial reconhecendo o que deve a cada exportador, poderia emitir um título, em meio eletrônico e devidamente registrado em central pública de custódia, a Cetip, atestando o direito daquele contribuinte de receber o montante que foi objeto da perícia." O título, continua ele, teria como garantia ou seria honrado contra o recebimento pelo respectivo governo estadual das transferências a ele devidas pelo governo federal a título de auxílio financeiro, conferido aos estados para promoção ou fomento das exportações - "ou, na falta de melhor título, podendo até ser chamado de repasses complementares da Lei Kandir, embora não se recomende misturar a iniciativa com os repasses dessa Lei". Seriam operações similares ao que são hoje as antecipações de royalties de petróleo, só que invertidas as posições de devedores e credores. Os economistas do Iedi destacam que os indicadores tradicionais de avaliação da situação fiscal - a dívida líquida e as necessidades de financiamento do setor público - se encontram em seu melhor patamar dos últimos anos de economia brasileira. A dívida pública atingiu 44,3% do PIB, o saldo mais baixo desta década, quando comparados os resultados dos meses finais dos primeiros semestres dos anos. "O cenário para o setor público brasileiro é também muito positivo pelo lado dos fluxos. Assim, no primeiro semestre de 2007 o superávit primário de 5,9% do PIB ficou muito acima da meta anual de 3,8% do PIB (sem descontar os investimentos do PPI), e o déficit nominal atingiu apenas 0,6% do PIB, os melhores resultados já registrados na década. Lei Kandir Na avaliação de Gomes de Almeida, a Lei Complementar n 87 de 1996, a chamada Lei Kandir, perdeu eficácia já que, hoje, não há mais vinculação entre o crédito a que têm direito as empresas e o valor repassado aos estados; atualmente esse montante depende de dotação orçamentária da União. Além disso, destaca Afonso, não teve como contrapartida o aumento da arrecadação federal sobre exportações (ver tabela). O texto lembra que desde o final da década passada, a lei federal passou a prever uma transferência para os estados sem mais nenhum vínculo direto com a Lei Kandir, uma vez que não era indicada uma fonte de recursos. Com isso, o montante efetivo do repasse passou a depender dos recursos alocados no orçamento e negociados ano a ano. "Enquanto os estados discutiam e ainda debatem entre si como obter mais recursos e como redistribuí-los, o resultado foi inverso: os repasses federais foram sendo reduzidos e, com o aumento das exportações, os saldos credores acumulados foram crescendo. Contribuiu para tanto a própria expectativa de que o governo federal acabaria encontrando alguma forma de ajudar a equacionar o passivo acumulado. Pior é que nem se concretizou o apoio federal para uma solução definitiva do problema, nem os estados agiram para impedir a acumulação dos créditos dos exportadores."