Só corte total de CO2 cura clima pós-2100

16 Out 2007
Eliminação de 60% das emissões humanas de gases estufa até 2050 evitaria aquecimento "perigoso" apenas neste século. Projeção foi feita com novo programa de computador para simular clima global; modelos anteriores não incluíam dados de oceanos Rafael Garcia escreve para a “Folha de SP”:Se a humanidade quiser uma solução duradoura para o problema do aquecimento global, será preciso cortar em 100% a emissão de gases do efeito estufa provenientes de atividades humanas. Este é o recado de um grupo de pesquisadores da Universidade de Victoria (Canadá) que vem fazendo projeções sobre o futuro da Terra usando um novo modelo -programa de computador- para simular o clima mundial.Em estudo publicado na edição atual da revista "Geophysical Research Letters" (http://www.agu.org/journals/gl), o grupo de pesquisadores, liderado pelo climatologista Andrew Weaver, mostrou a conta que a humanidade terá de pagar para frear o aquecimento da Terra.É necessário um corte de 60% nas emissões de gases-estufa até 2050 para evitar que até o fim deste século a Terra aqueça mais de 2C além do normal -nível considerado "perigoso" por cientistas. Contudo, mesmo essa redução seria incapaz de frear o aumento da temperatura no longo prazo, e dentro de cerca de mais um século o limite seria rompido. (O acréscimo de 2C é calculado em relação à temperatura média da Terra no século 19 antes da Revolução Industrial.)Os novos números saíram de um dos primeiros modelos climáticos a levar em conta a interação dos oceanos com o dióxido de carbono (CO2) o principal gás causador do efeito estufa."O que nossos experimentos trazem de novo é que a gente está simulando carbono ao mesmo tempo em que simula o clima", explica Álvaro Montenegro, oceanógrafo brasileiro do grupo de Weaver que também assina o artigo sobre os cortes de emissões. "As concentrações de CO2 na atmosfera são dependentes da circulação oceânica, da biota marinha e da biota terrestre. Todos esses reservatórios de carbono do planeta respondem ao clima, e isso é considerado no nosso modelo e em outros novos."Montenegro -paulista que trabalhou na Folha como repórter de ciência entre sua graduação e sua pós em oceanografia – explica qual é a vantagem do modelo do grupo de Victoria, que não ficou pronto a tempo de ser incorporado pelo último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). "A gente não precisa mais estabelecer de antemão quanto CO2 vai estar na atmosfera; podemos simplesmente estabelecer quanto CO2 a gente joga na atmosfera." O resto, o computador calcula.Perigo arbitrárioApesar de já estar encontrando consenso entre cientistas, o rótulo de "perigoso" dado ao limite de aumento de 2C na temperatura ainda é arbitrário. A mudança do clima é gradual e não é possível saber se vai haver uma quebra de continuidade além desse limite, mas, de qualquer forma, a situação já estará bem ruim a partir desse ponto."Passando dos 2C, o risco de perder a calota de gelo da Groenlândia cresce muito, e isso apressaria a elevação do nível do mar", diz Montenegro.Por fim, Weaver e seus colegas confirmam o que já se sabia sobre o "inócuo" Protocolo de Kyoto – o acordo internacional para corte na emissão de gases-estufa que prevê uma redução de apenas 5% em relação aos níveis emitidos em 1990."Nada é totalmente inócuo: qualquer redução nas emissões de carbono vai acarretar em um menor aquecimento", diz Montenegro. "Mas o Protocolo de Kyoto é inócuo se a gente considerar que o aumento de 2C é um limite importante."Gás carbônico fica no ar por 1.800 anos"Essa vida média tinha sido estimada em cem a 400 anos por modelos anteriores", diz MontenegroA maior parte do CO2 emitido por atividades humanas permanece na atmosfera por cerca de 1.800 anos.O número, apresentado em outro estudo do grupo de Weaver na "Geophysical Research Letters", é quase dez vezes maior do que o fornecido por estimativas antigas. "Essa vida média tinha sido estimada em cem a 400 anos por modelos anteriores", diz Montenegro.O brasileiro, primeiro autor do trabalho, diz acreditar que a discrepância ocorreu porque os estudos antigos não consideravam efeitos do aquecimento na superfície oceânica, que atrapalha correntes que levam as águas do fundo para cima."Se a primeira camada na superfície oceânica absorve CO2 e fica saturada, para ela continuar a absorver é preciso afundar aquela água e trazer outra", diz. Além disso, o fluxo de baixo para cima leva nutrientes a seres vivos que retém carbono. (RG)