O teatro político do Arena revive
Nova montagem de "Um, Dois, Três de Oliveira Quatro", de Lafayete Galvão, marca os 40 anos do Teatro de Arena de Porto Alegre e relembra a resistência à censura e à repressão do regime militar- O tempo passou, mas ainda é preciso mostrar às pessoas que elas não podem ficar acomodadas. A situação do nosso país, da nossa cultura, de tudo em nosso entorno deixa bem claro: é preciso reagir.O discurso enfático e empolgado até faz imaginar que se está diante de um Miguel Ramos com 24 anos, o jovem estreante de Um, Dois, Três de Oliveira Quatro num dos principais palcos da resistência porto-alegrense contra a ditadura militar. Como o próprio ator deixa claro, no entanto, a época é outra. E os estreantes são os seus colegas de elenco. O que não mudou é o palco, a peça do carioca Lafayete Galvão e a velha e boa inconformidade - também diferente, hoje em dia, mas ainda o combustível para uma arte que quer despertar no espectador o sentimento de indignação diante dos problemas sociais.A montagem original de Um, Dois, Três de Oliveira Quatro foi encenada em 1971. Ficou em cartaz durante pouco mais de um mês, mas o suficiente para se tornar uma das mais marcantes em toda a trajetória do Teatro de Arena de Porto Alegre. Tanto que foi a escolhida para a reencenação que marca os 40 anos do espaço, comemorados hoje.- A idéia de montar uma nova versão da peça, sem os inúmeros cortes determinados pelos censores, já existia há tempos. A efeméride foi a oportunidade para que essa idéia se concretizasse - explica a diretora Clênia Teixeira, que substitui, por assim dizer, Ana Maria Taborda.No elenco, Miguel Ramos, hoje com 60 anos, vive o mesmo agente policial de três décadas e meia atrás, que interroga e acusa José da Silva de cometer um crime. O "inocente útil", que acaba punido de maneira chocante e exemplar, em 1971 foi interpretado por Jesus Tubalcain. Hoje, marca um dos papéis mais importantes de Ian Ramil, 22 anos. Completa o elenco a uruguaianense Márcia Guterres, 27 - aposta do veterano ator e da diretora para substituir Alba Rosa, que à época de maior repressão esteve na linha de frente da resistência, ao lado de Jairo de Andrade e outros, organizando e construindo o Arena e atuando, por exemplo, em Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, Quando as Máquinas Param, de Plínio Marcos.- Como grande parte das montagens do Arena, Um, Dois, Três de Oliveira Quatro era uma afronta ao governo, feita com um objetivo unicamente político - lembra Miguel Ramos, que antes desse papel já havia sido cenógrafo, iluminador, bilheteiro, até varredor do teatro e acabou ganhando a oportunidade de compor o elenco graças à abertura da vaga na última hora. - Mas nem por isso se trata de um texto datado. Ele remete à sensação de opressão e tem um caráter de denúncia, só que não necessariamente contra os militares. Numa época em que todos parecem acomodados, mesmo vivendo num país em que impera a corrupção e a falta do exercício da cidadania, Um, Dois, Três de Oliveira Quatro não poderia ser mais atual.A temporada vai até 15 de novembro, terças, quartas e quintas, às 20h. O Arena fica no Viaduto Otávio Rocha (Borges de Medeiros, 835).DANIEL FEIXMontagens históricas Algumas das principais peças levadas ao Teatro de Arena de Porto Alegre nas décadas de 1960 e 1970: O Santo Inquérito - de Dias Gomes, com Antônio Carlos Castilhos e Francisco Aron O Rapto das Cebolinhas - de Maria Clara Machado, com Ricardo Coimbra e Maria Elda Trento Álum de Família - de Nelson Rodrigues, com Pereira Dias e Gilda Miranda Entre Quatro Paredes - de Jean-Paul Sartre, com Francisco Aron e Aparecida Dutra Os Fuzis da Senhora Carrar - de Bertolt Brecht, com Alba Rosa e Ludoval Campos Quando as Máquinas Param - de Plínio Marcos, com Alba Rosa e Jairo de Andrade Cordélia Brasil - de Antônio Bivar, com Aparecida Dutra e Luís Carlos Kovacs Judas em Sábado de Aleluia - de Martins Pena, com Francisco Aron e Jesus Tubalcain Arena Conta Tiradentes - de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, com Francisco Aron e Ludoval Campos Um, Dois, Três de Oliveira Quatro - de Lafayette Galvão, com Alba Rosa e Jesus Tubalcain Prometeu Acorrentado - de Ésquilo, com Miguel Ramos e Nelson Braga A Resistível Ascensão de Arturo Uí - de Bertolt Brecht, com Jesus Tubalcain e Jorge Santos Júnior Queridíssimo Canalha - de Ivo Bender, com Miguel Ramos e Alba Rosa Teatro Jornal - criação coletiva, com Maggy de Santis e Aquiles Susin Corpo a Corpo - de Oduvaldo Viana Filho, com Jairo de Andrade e Marlise Saueressig Mockinpott - de Peter Weiss, com Camilo Bevilacqua e Miguel Ramos Jornada de um Imbecil até o Entendimento - de Plínio Marcos, com Jesus Tubalcain e Jairo de Andrade Para o seu filho ler Chama-se "teatro de arena" o teatro que tem o palco bem no centro do edifício, com espaço em volta para o público se sentar. A área da platéia pode ser em todo o entorno do palco (como aparece no desenho ao lado) ou em pelo menos três lados dele. Esse palco pode ser redondo, quadrado ou ainda de outros formatos. A principal característica é que as pessoas ficam em volta do atores e, muitas vezes, na mesma altura deles. Os teatros de arena, geralmente, funcionam ao ar livre, e não em salas fechadas - como é o caso do Teatro de Arena de Porto Alegre. Os teatros mais comuns, em que a platéia fica apenas na frente do palco, são conhecidos como "teatro italiano". Zerohora.com Confira fotografias de montagens históricas doTeatro de Arena