O teatro político do Arena revive

17 Out 2007
Nova montagem de "Um, Dois, Três de Oliveira Quatro", de Lafayete Galvão, marca os 40 anos do Teatro de Arena de Porto Alegre e relembra a resistência à censura e à repressão do regime militar- O tempo passou, mas ainda é preciso mostrar às pessoas que elas não podem ficar acomodadas. A situação do nosso país, da nossa cultura, de tudo em nosso entorno deixa bem claro: é preciso reagir.O discurso enfático e empolgado até faz imaginar que se está diante de um Miguel Ramos com 24 anos, o jovem estreante de Um, Dois, Três de Oliveira Quatro num dos principais palcos da resistência porto-alegrense contra a ditadura militar. Como o próprio ator deixa claro, no entanto, a época é outra. E os estreantes são os seus colegas de elenco. O que não mudou é o palco, a peça do carioca Lafayete Galvão e a velha e boa inconformidade - também diferente, hoje em dia, mas ainda o combustível para uma arte que quer despertar no espectador o sentimento de indignação diante dos problemas sociais.A montagem original de Um, Dois, Três de Oliveira Quatro foi encenada em 1971. Ficou em cartaz durante pouco mais de um mês, mas o suficiente para se tornar uma das mais marcantes em toda a trajetória do Teatro de Arena de Porto Alegre. Tanto que foi a escolhida para a reencenação que marca os 40 anos do espaço, comemorados hoje.- A idéia de montar uma nova versão da peça, sem os inúmeros cortes determinados pelos censores, já existia há tempos. A efeméride foi a oportunidade para que essa idéia se concretizasse - explica a diretora Clênia Teixeira, que substitui, por assim dizer, Ana Maria Taborda.No elenco, Miguel Ramos, hoje com 60 anos, vive o mesmo agente policial de três décadas e meia atrás, que interroga e acusa José da Silva de cometer um crime. O "inocente útil", que acaba punido de maneira chocante e exemplar, em 1971 foi interpretado por Jesus Tubalcain. Hoje, marca um dos papéis mais importantes de Ian Ramil, 22 anos. Completa o elenco a uruguaianense Márcia Guterres, 27 - aposta do veterano ator e da diretora para substituir Alba Rosa, que à época de maior repressão esteve na linha de frente da resistência, ao lado de Jairo de Andrade e outros, organizando e construindo o Arena e atuando, por exemplo, em Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, Quando as Máquinas Param, de Plínio Marcos.- Como grande parte das montagens do Arena, Um, Dois, Três de Oliveira Quatro era uma afronta ao governo, feita com um objetivo unicamente político - lembra Miguel Ramos, que antes desse papel já havia sido cenógrafo, iluminador, bilheteiro, até varredor do teatro e acabou ganhando a oportunidade de compor o elenco graças à abertura da vaga na última hora. - Mas nem por isso se trata de um texto datado. Ele remete à sensação de opressão e tem um caráter de denúncia, só que não necessariamente contra os militares. Numa época em que todos parecem acomodados, mesmo vivendo num país em que impera a corrupção e a falta do exercício da cidadania, Um, Dois, Três de Oliveira Quatro não poderia ser mais atual.A temporada vai até 15 de novembro, terças, quartas e quintas, às 20h. O Arena fica no Viaduto Otávio Rocha (Borges de Medeiros, 835).DANIEL FEIXMontagens históricas Algumas das principais peças levadas ao Teatro de Arena de Porto Alegre nas décadas de 1960 e 1970: O Santo Inquérito - de Dias Gomes, com Antônio Carlos Castilhos e Francisco Aron O Rapto das Cebolinhas - de Maria Clara Machado, com Ricardo Coimbra e Maria Elda Trento Álum de Família - de Nelson Rodrigues, com Pereira Dias e Gilda Miranda Entre Quatro Paredes - de Jean-Paul Sartre, com Francisco Aron e Aparecida Dutra Os Fuzis da Senhora Carrar - de Bertolt Brecht, com Alba Rosa e Ludoval Campos Quando as Máquinas Param - de Plínio Marcos, com Alba Rosa e Jairo de Andrade Cordélia Brasil - de Antônio Bivar, com Aparecida Dutra e Luís Carlos Kovacs Judas em Sábado de Aleluia - de Martins Pena, com Francisco Aron e Jesus Tubalcain Arena Conta Tiradentes - de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, com Francisco Aron e Ludoval Campos Um, Dois, Três de Oliveira Quatro - de Lafayette Galvão, com Alba Rosa e Jesus Tubalcain Prometeu Acorrentado - de Ésquilo, com Miguel Ramos e Nelson Braga A Resistível Ascensão de Arturo Uí - de Bertolt Brecht, com Jesus Tubalcain e Jorge Santos Júnior Queridíssimo Canalha - de Ivo Bender, com Miguel Ramos e Alba Rosa Teatro Jornal - criação coletiva, com Maggy de Santis e Aquiles Susin Corpo a Corpo - de Oduvaldo Viana Filho, com Jairo de Andrade e Marlise Saueressig Mockinpott - de Peter Weiss, com Camilo Bevilacqua e Miguel Ramos Jornada de um Imbecil até o Entendimento - de Plínio Marcos, com Jesus Tubalcain e Jairo de Andrade Para o seu filho ler Chama-se "teatro de arena" o teatro que tem o palco bem no centro do edifício, com espaço em volta para o público se sentar. A área da platéia pode ser em todo o entorno do palco (como aparece no desenho ao lado) ou em pelo menos três lados dele. Esse palco pode ser redondo, quadrado ou ainda de outros formatos. A principal característica é que as pessoas ficam em volta do atores e, muitas vezes, na mesma altura deles. Os teatros de arena, geralmente, funcionam ao ar livre, e não em salas fechadas - como é o caso do Teatro de Arena de Porto Alegre. Os teatros mais comuns, em que a platéia fica apenas na frente do palco, são conhecidos como "teatro italiano". Zerohora.com Confira fotografias de montagens históricas doTeatro de Arena