Tinha um livro novo no meio do caminho

29 Out 2007
Mesmo com milhares de obras à disposição dos freqüentadores da Feira, um dos livros mais comentados do primeiro fim de semana do evento não estava à venda.Em um protesto bem- humorado, o jornalista e chargista gaúcho Augusto Bier deixou, discretamente, sobre os dedos de bronze da estátua de Carlos Drummond de Andrade na praça, um exemplar de Diário de um Ladrão, título mais do que apropriado do francês Jean Genet.- Tive a idéia de colocar o livro na estátua para chamar a atenção para o desamparo da estátua sem o livro, um desamparo que é também nosso - comenta Bier, 48 anos, natural de Santo Ângelo, que já participou dos extintos Coojornal e O Pasquim e hoje publica no jornal do Sindicato dos Bancários.Bier retirou de sua própria biblioteca o exemplar de O Diário de um Ladrão que restituiu às mãos sólidas de Drummond. É uma edição econômica, em papel jornal, da antiga Rio Gráfica Editora (RGE).Para evitar que tivesse o mesmo destino do livro de bronze esculpido por Xico Stockinger e que foi afanado há duas semanas, Bier colocou na folha de rosto da obra um cartão de visitas com um bilhete manuscrito no verso: "Leia e ponha de volta na mão da estátua. Obrigado. 27-10-2007".Mesmo assim, teve gente que não entendeu o recado. Ao longo do final de semana, não faltou passante disposto a levar o livro, pretensão frustrada pela interferência do lambe-lambe Varceli Freitas. Ele não viu Bier colocar o livro nas mãos da estátua, no início da tarde de sábado - intrigado, conjecturava que só poderia ser obra de "um casal, um magrão e uma garota", que ele viu se aproximar da estátua pouco antes de perceber o livro. O livro virou atração e mistério na Praça. Aqueles que se detinham na estátua tiravam fotos ou simplesmente olhavam interessados, se interrogavam quem teria sido o autor da brincadeira. - Perguntei ao Varceli, mas ele não viu. Eu estava aqui no dia, mas também não vi - conta Claire Becker, do estande da Ciranda de Livros, ao lado da estátua.Ainda que não soubesse quem era o autor da idéia, Varceli a incorporou para si. Além de "montar guarda" ao livro durante seu expediente de trabalho, o fotógrafo resolveu levar para casa a obra e trazê-la de volta no dia seguinte. - Já teve quem quis passar a mão, quem quis comprar. Estou dizendo que o livro é meu porque, se não for assim, o pessoal não respeita e leva. Levo e trago todos os dias, se preciso. Localizado por Zero Hora, Bier esteve na tarde de ontem na praça, discretamente. Ao saber que seu protesto particular estava provocando tanta curiosidade, o chargista exultou:- Que ótima notícia. Esse livro não é meu mais. É do Drummond. E é nosso.CARLOS ANDRÉ MOREIRA E PATRÍCIA ROCHAConheça a obra Diário de um Ladrão é uma autobiografia disfarçada de seu autor, o poeta, escritor e dramaturgo francês Jean Genet (1910 - 1986). Foi também o último romance escrito por ele. É o relato de um poeta marginal, filho de uma prostituta, que sobrevive nas ruas de Paris e que vive tumultuados e cruéis amores homossexuais. Como o próprio Genet, o protagonista é filho de uma prostituta, preso diversas vezes na juventude por roubo e agressão. Tentou seguir carreira no exército, mas foi expulso por ser homossexual. Genet viveu como mendigo, sustentou-se como ladrão e passou parte de sua vida em prisões. Sua literatura só foi descoberta graças a Jean Cocteau, Pablo Picasso e Jean-Paul Sartre, que, com sua intervenção, salvaram-no de uma condenação à morte.